A idéia de que a China “salvará” a economia mundial não se justifica afirma o ensaísta Robert Kurz em artigo no sítio Exit, 09-10-2009. Segundo ele, o milagre econômico da China baseava-se no milagre do consumo dos EUA. O prometido século do Pacífico [EUA – China] em contraponto ao eixo Atlântico [EUA – Europa] ainda não aconteceu, diz ele.
Eis o artigo.
Até há poucos anos ainda se falava do “século do Pacífico". O eixo da economia mundial, dizia-se, ter-se-ia deslocado da relação entre os EUA e a Europa, no Atlântico, para a relação entre os EUA e a Ásia (especialmente a China), no Pacífico.
Ao mesmo tempo, sabia-se que o alegado novo eixo era portador de um "desequilíbrio extremo". O Pacífico era uma grande via de exportação de sentido único. Os Estados Unidos, a despeito da queda dos salários reais, absorviam unilateralmente o excedente das mercadorias da Ásia. Este milagre do consumo da classe média, que respondia por 80 por cento da conjuntura econômica dos EUA, era alimentado em grande parte pelos rendimentos fictícios da bolha das ações e ultimamente sobretudo da bolha imobiliária.
Esta estrutura de déficit do Pacífico era o motor da economia mundial. Porém, desde o Outono de 2008 que o motor vem falhando e parará nos próximos meses. As exportações da Ásia para os Estados Unidos já caíram. No entanto, não deve estar tudo assim tão mal. O Fundo Monetário Internacional já prevê novamente para 2010 uma recuperação da economia mundial.
De que expectativas se alimenta este otimismo profissional? A economia dos E.U.A., diz-se, teria batido no fundo, tal como a européia. Ora os programas de estímulo à economia por todo o mundo, que agora chegam ao fim e já sobrecarregam os orçamentos de Estado, é que foram responsáveis pela absorção do choque da queda.
Os bônus de descontos de automóveis na Alemanha e nos EUA esgotaram-se. O desemprego nos EUA quase duplicou, ultrapassando os 10%, e continua a subir. A onda de falências acaba de ter início entre as empresas de fornecimentos e de serviços. Não está à vista qualquer injeção suplementar de poder de compra a partir das bolhas financeiras. Pelo contrário, entretanto são os sistemas de cartões de crédito que tremem. Não há qualquer razão para que a conjuntura econômica dos EUA, a mais dependente do consumo de todos os países do mundo, volte a subir rapidamente. Em qualquer caso, depois da queda, mesmo com taxas de crescimento de dois ou três por cento, levaria cinco a dez anos para voltar ao nível anterior da conjuntura de déficit.
Mas, se o milagre do consumo dos EUA não pode ser reativado, também a exportação de sentido único através do Pacífico não pode ser salva. A tênue esperança de que a China possa assumir o papel dos Estados Unidos, numa inversão de posições da conjuntura de déficit recente, é totalmente ilusória. O milagre da exportação chinesa baseava-se no milagre do consumo dos EUA. Apesar da massa da sua população, o mercado interno chinês é muito pequeno para conseguir absorver o excedente das mercadorias do mundo.
A receita do suposto sucesso: uma combinação de baixos salários e componentes importados de alta tecnologia para a exportação de sentido único, em grande parte por meio de investimentos de empresas americanas, japonesas e européias nas zonas econômicas especiais: não pode ser substituída por um consumo interno chinês suficientemente grande; muito menos no curto prazo.
Após a forte queda nas exportações para os Estados Unidos, a China salvou o seu crescimento temporariamente com o maior programa de apoio à conjuntura econômica interna de todo o mundo. Mas a parte do leão consiste em investimentos infra-estruturais financiados a crédito, todos eles voltados para novas exportações. É previsível que só restem ruínas destes investimentos, seguindo-se o estouro da bolha do crédito chinesa.
Enquanto ambos os lados do Pacífico sonha em ser de algum modo resgatado pelo outro lado, vai-se desenvolvendo uma rota de colisão na anterior via da exportação de sentido único. A Europa dificilmente será um terceiro que fique a rir, porque ela própria está dependente da renovação da conjuntura econômica de déficit global.