sexta-feira, 30 de julho de 2010

BP - BOMBA RELÓGIO NO SISTEMA FINANCEIRO GLOBAL!

Segundo Michael R. Kratke, Professor de Economia Política e Diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido, a BP é uma bomba de relógio no sistema financeiro mundial. A empresa refinancia-se com derivados creditícios e fundos de pensões que agora, e para infelicidade dos seus clientes, têm grandes perdas. Dois elementos tão centrais como obsoletos do atual capitalismo – uma economia baseada na energia fóssil e na especulação financeira à escala planetária – levam-nos diretamente à próxima catástrofe.


O artigo foi publicado por Sin Permiso e traduzido por Carta Maior, 29-07-2010.
Eis o artigo.
O que começou como uma crise financeira em setembro de 2008, com a irrevogável falência do banco Lehman-Brothers, pode agora entrar na próxima ronda com a previsível queda da BP. A transnacional britânica é uma bomba relógio financeira, não só para a Grã-Bretanha mas para todo o Reino Unido. Os custos do desastre petrolífero no Golfo do México estimam-se em 70 bilhões de dólares.
Para os britânicos, a BP é como instituição nacional, a maior sociedade anônima do país, a blue chip mais brilhante do mercado de valores londrino. Muitas pessoas julgam que a BP é uma empresa petrolífera. E é verdade. A BP fornece petróleo, tem oleodutos e refinarias um pouco espalhados por todo o mundo. Mas a BP é, simultaneamente, um banco com um raio de ação internacional que, tal como a Enron ou a General Motors, actua nos mercados financeiros internacionais.
Como, oficialmente, não é uma entidade financeira, a British Petroleum esta a meio caminho de ser um negócio OTC ou fora do mercado organizado de valores, isto é, que atua fora das bolsas, num negócio sem regulação nem controle. O refinanciamento é através da titularização de derivados creditícios de alto risco, CSOs [obrigações colaterais sintéticas, na sua sigla inglesa], a que não corresponde qualquer valor patrimonial, mas apenas derivados creditícios. São um próspero comércio esses derivados financeiros. A BP é detentora ou tem participações em pelo menos 18% dos papéis deste tipo que circulam por todo o mundo. Recordamos que a crise financeira mundial foi desencadeada pela queda em cadeia de derivados titularizados: as CDOs [obrigações de dívida colateral, na sua sigla inglesa] e os CDS [derivados creditícios de dívida, na sua sigla inglesa]. Agora, os riscos nas CSOs são muito maiores e o alavancamento creditício de maior envergadura e as regulações são desconhecidas.
Por outras palavras: Quando a BP quebrar, a sua falência terá consequências globais. Como supostamente sucedeu no caso Lehman-Brothers, ninguém sabe até que ponto a BP está endividada, nem quem nem em que jogos de azar estão envolvidos os créditos da BP. Mas, como a transnacional é considerada a pérola da coroa da indústria financeira britânica, com fundamento se pode suspeitar que estão aqui metidos todos os que gozam de reputação e hierarquia no mundo financeiro internacional. Não há dúvidas: a próxima bolha está prestes a rebentar. É só uma questão de tempo. Mais provável dentro de semanas que de meses.
O valor patrimonial das instalações da British Petroleum atinge agora o montante de 240 bilhões de dólares. Muitos dos seus campos petrolíferos e participações estão à venda por todo o mundo. Desde finais de abril, perdeu metade do seu valor em bolsa. Deverá entrar um investidor estratégico, provavelmente um fundo estratégico árabe. Os líbios querem ser uma opção mas ninguém se balança a tamanho risco. E os meros boatos de uma entrada de mil milionários árabes não convencem as agências de qualificação do risco.
A Fitch, a menor das três grandes, baixou drasticamente no passado dia 15 de junho a qualificação do gigante petrolífero, pela segunda vez em duas semanas: e desta vez nada menos do que seis escalões de uma vezada, de AA para BBB. Se as duas grandes – a Moody’s e a Standard & Poor’s – a seguirem, os empréstimos da BP baixarão à categoria de lixo, como os títulos da dívida pública grega. De qualquer modo, grandes investidores destas agências, como Warren Buffet, colocaram milhares de milhões em ações e obrigações da BP, o que explica a moderação da Moody’s e da Standard & Poor’s.

Nada de OPAs hostis
Entretanto, a BP teve que ceder à pressão do governo dos EUA e sujeitar-se a um fundo de garantias num montante de 20 bilhões de dólares. Pelo menos até ao próximo ano a BP não poderá continuar a pagar dividendos, terá que seguir uma política de poupança férrea e eliminar milhares de postos de trabalho, os primeiros 5.000 já em 2010. Há fortes indícios que levam à suspeita que a explosão do passado dia 20 de abril no Golfo do México assenta numa implacável política de redução de custos. A segurança e o cuidado, como é sobejamente sabido, custam tempo e dinheiro. Quem louva o capitalismo pela sua eficiência não sabe do que fala. Ou se sabe, dá a entender aquilo em que não acredita.
A questão é que Londres prepara-se para o pior. Debaixo de um clamoroso silêncio acompanhado de rotundos desmentidos, trabalha-se em planos de emergência. A queda descontrolada ou uma tomada de controle da BP seria uma catástrofe para os britânicos. As ações da BP têm fama em todo o mundo de investimentos seguros e lucrativos. A BP pagava regularmente, trimestre a trimestre, polpudos dividendos.
Os fundos de pensões, os maiores investidores institucionais nos mercados financeiros internacionais, compravam e mantinha enormes quantidades de acções da BP. E no sistema britânico de reformas os fundos de pensões jogam um papel chave. Só que, precisamente os rendimentos de reforma cobertas por capital são tudo menos seguros. Quando rebentou a bolha imobiliária estadunidense em 2008, muitos fundos de pensões resultaram em prejuízos dos depositantes e pensionistas. Para os fundos de investimento britânicos que há alguns anos investiam em acções da BP, a catástrofe petrolífera é ao mesmo tempo um desastre financeiro. Cerca de um sexto de todos os dividendos que se pagam no Reino Unido vêm da BP! Assim, os fundos perderam de três formas: patrimonialmente pela queda livre das ações da BP, pelos dividendos evaporados, e pela diminuída capacidade de crédito.
Os fundos de pensões perderam já muito dinheiro com as ações dos bancos e, agora, cai-lhes em cima a situação da BP. Se se calcularem as possíveis perdas tendo por base uma pensão média entre 12 mil e 13 mil libras esterlinas anuais, falamos de 800 a 1.000 libras esterlinas por ano. Daí, o governo do primeiro-ministro Cameron não ter escolha. Se a BP ajoelha, terá que intervir com um novo pacote milionário de resgate. Se foi necessário para os grandes bancos, não será menos necessário para a BP. Isso significa mais dívida pública e ainda mais desproporcionados pacotes de poupança.
A BP não pode desaparecer, pois ela é, de longe, um dos maiores contribuintes fiscais da Ilha e controla uma boa parte das infra-estruturas vitais do reino insular, como a Forties Pipeline System que liga mais de 50 campos petrolíferos no Mar do Norte, ou o oleoduto Baku-Tiblisi-Ceihan, que possibilita o trânsito de petróleo do Cáucaso para a Europa ocidental. Por isso, David Cameron anuncia que o seu governo fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir o controle da BP por empresas petrolíferas chinesas, árabes ou russas. Se a BP cai nas mãos das gigantes norte-americanas, acabaram-se as considerações para com os fundos de pensões ou para quaisquer outras necessidades britânicas. Dentro de poucos dias a BP tem que liquidar os pagamentos que se vencem no segundo trimestre de 2010. O seu montante é enorme.
Este caso ilustra com clareza como dois elementos tão centrais como obsoletos do capitalismo – uma economia baseada na energia fóssil e na especulação financeira planetária – nos aproximam do abismo da próxima catástrofe.

A TRAGÉDIA INVISÍVEL DOS MARES !


As plantas microscópicas que alimentam toda a vida marinha estão morrendo em ritmo drástico, segundo um estudo inédito conduzido pela Universidade de Dalhousie, no Canadá, e publicado esta semana na revista “Nature”. A população oceânica de fitoplânctons, como estes seres são conhecidos, caiu cerca de 40% durante o século passado. Para os pesquisadores, a mudança está relacionada com o aquecimento global e as crescentes temperaturas da superfície do mar.

A reportagem é de Steve Connor e publicada pelo jornal Independent e reproduzida pelo jornal O Globo, 29-07-2010.
Os fitoplânctons são organismos marinhos microscópicos capazes de realizar fotossíntese, assim como as plantas terrestres. Encontrados nas camadas superiores dos oceanos, eles produzem uma quantidade significativa do oxigênio que respiramos.

Um declínio de 40% da população destes seres representaria uma mudança maciça na biosfera global. Se este índice for confirmado por outros estudos, poderá representar, de acordo com cientistas, um impacto maior do que a destruição de florestas tropicais e recifes de coral.

Impacto biológico sem precedentes
De acordo com o biólogo marinho Boris Worm, que participou do levantamento, as baixas populacionais foram constatadas principalmente na segunda metade do século XX.

— Se o ritmo de decréscimo permanecer o mesmo, algo realmente sério está acontecendo há décadas — alertou.
— Tentei pensar em uma mudança biológica maior do que esta, mas nada me ocorreu. A confirmação de nosso estudo significaria que o ecossistema marinho de hoje está muito diferente daquele de poucos anos atrás, e boa parte dessa mudança está acontecendo no oceano, onde não podemos vê-la.
A equipe da universidade canadense estudou os registros populacionais de fitoplânctons realizados desde 1899, quando a clorofila do fitoplâncton (pigmentos verdes) passou a ser monitorada regularmente.
Cerca de meio milhão de medições, promovidas durante todo o século XX, foram analisadas.
As contagens aconteceram em dez regiões do mundo. Em oito, a população de fitoplânctons declinou em taxas preocupantes, em uma média global de 1% ao ano.
O declínio é correlacionado ao aumento da temperatura na superfície do mar — embora os cientistas não consigam provar que os oceanos mais quentes tenham sido a causa da morte dos fitoplânctons.
De acordo com os pesquisadores, o estudo optou pela análise de um período tão longo para eliminar as conhecidas flutuações naturais de fitoplânctons que ocorrem de uma década para outra. Estas mudanças são normalmente atribuídas a oscilações na temperatura do oceano.
— Os fitoplânctons são um importante ator no suporte da vida no planeta — ressaltou Worm.
— Eles produzem metade do oxigênio que respiramos, retiram CO2 da superfície e ainda servem de alimento para todos os peixes.
Líder da equipe de pesquisa, que demorou três anos para concluir o estudo, Daniel Boyce também sublinhou a importância dos fitoplânctons e o impacto de sua população para o homem.
— Os fitoplânctons, base da vida nos oceanos, são essenciais na manutenção da saúde do mar — ponderou.

— Eles representam um combustível, e seu declínio afeta toda a cadeia alimentar, incluindo os seres humanos. Precisamos, por isso, nos preocupar com o seu declínio. Fizemos uma descoberta muito robusta e temos confiança em nossas conclusões.

Os fitoplânctons são afetados pela quantidade de nutrientes que vêm do fundo dos oceanos. No Atlântico Norte, eles “florescem” naturalmente na primavera e no outono, quando as tempestades levam estes alimentos para a superfície.
Um efeito das temperaturas crescentes foi deixar a coluna de água de algumas regiões equatoriais mais estratificadas, com água mais aquecida sobre camadas mais frias, dificultando a chegada de nutrientes para os fitoplânctons na superfície do mar.
Mares mais quentes nas regiões tropicais também são conhecidos por ter um efeito direto em limitar o crescimento de fitoplânctons.

Quem já viu um recife de coral, de perto ou na TV, talvez estranhe esta afirmação: oceanos quentes não são paraísos, mas desertos.

A reportagem é de Reinaldo José Lopes e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 29-07-2010.
A explicação, não muito cabeluda de entender, está no quadro acima. O que ocorre quando as águas da superfície estão muito quentes é que surge uma estratificação, ou seja, uma separação mais ou menos estanque entre líquido quente, no topo, e frio, nas profundezas.

Acontece que a maior parte dos nutrientes essenciais para que o fitoplâncton floresça se encontra nas águas frígidas do fundo. Se essa água não subir, o fitoplâncton - que também depende da luz do Sol e, portanto, precisa ficar perto da superfície - não consegue crescer.

GAIA AFOGADA

Não por acaso, a estratificação é uma das principais preocupações do cientista britânico James Lovelock, criador da atacada hipótese Gaia -a ideia de que a Terra funciona como um superorganismo vivo. Com ou sem Gaia, o diagnóstico de Lovelock é difícil de refutar: solapar o fitoplâncton é bagunçar a biosfera.

O novo estudo na "Nature", por sinal, viu uma correlação clara entre regiões com elevada temperatura superficial da água e queda no fitoplâncton. Para os pesquisadores, é um indício de que o aquecimento global está por trás do declínio das "plantas" microscópicas.

Se os dados estiverem corretos, aumenta a sombra do feedback positivo - ou seja, de um fenômeno que alimenta a si mesmo conforme cresce, como uma bola de neve - sobre o clima da Terra.

Isso porque o fitoplâncton é o principal responsável por absorver gás carbônico, mais importante dos gases-estufa. Resultado: mais aquecimento, impedindo ainda mais a reprodução do plâncton, o que desembocaria num clima ainda mais quente.

Não pense que os recifes de coral, que se aproveitam dos nutrientes oriundos dos continentes, conseguiriam se virar. Tanto eles quanto o fitoplâncton do mar aberto dependem, em larga medida, de "esqueletos" construídos com carbonato de cálcio.

No entanto, oceanos com mais gás carbônico têm água mais ácida -um ambiente nada favorável à formação das carapaças de carbonato. Os efeitos dessa acidez aumentada sobre a vida marinha já estão sendo notados.

Por todos esses motivos, o novo estudo envolve mais do que a preocupação com o atum do sushi, que está no topo da cadeia alimentar e depende do fitoplâncton.

Países do BASIC consideram difícil um acordo em Cancún


Brasil, África do Sul, Índia e China afirmam que a falta de cooperação das nações industrializadas e a lentidão delas para adotar políticas internas de redução de emissões demonstram que um tratado climático global ainda está distante.
A reportagem é de Fabiano Ávila e publicada pelo sítio CarbonoBrasil, 27-07-2010.

O encontro de Ministros do Meio Ambiente dos quatro países que formam o BASIC terminou nesta segunda-feira (26), no Rio de Janeiro, com duras críticas às nações desenvolvidas e com a sensação de que um acordo climático global com força de lei pode estar mais longe que se imagina. Segundo delegados que participaram da reunião, os países ricos não estão fazendo o suficiente para cortar suas próprias emissões ou para ajudar os mais pobres a cortarem as deles.

Atrasos nos Estados Unidos e na Austrália para implementar esquemas de carbono e leis climáticas deixam claro que grandes obstáculos ainda tem que ser ultrapassados para que seja alcançado um acordo global na grande conferência do clima (COP 16) no fim do ano em Cancún, no México.

“Se até lá os senadores norte-americanos ainda não tiverem aprovado a legislação, então claramente teremos menos chances de um tratado com força de lei. Isso nos preocupa muito e nós estamos sendo bem realistas quando dizemos que Cancún pode terminar sem acordo”, afirmou a Reuters Buyelwa Sonjica, ministra de Águas e Meio Ambiente da África do Sul.

Uma das grandes críticas do BASIC diz respeito aos financiamentos para a adaptação e mitigação às mudanças climáticas. Promessas de liberação rápida de US$ 30 bilhões foram feitas em 2009 durante a conferência de Copenhague, mas até hoje os países pobres não receberam essa quantia.
“Estamos mais sábios desde Copenhague, nossas expectativas para Cancún são mais realistas. Não podemos esperar por milagres”, disse Jairam Ramesh, ministro de Meio Ambiente da Índia.

Sem Metas

Um dos objetivos da reunião de ministros no Rio de Janeiro era estabelecer um volume máximo de emissão de gases de efeito estufa para cada um dos países que integram o G77, grupo de países em desenvolvimento. Missão que não foi cumprida. Mesmo assim, segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, o encontro foi importante por sinalizar um posicionamento comum em torno de um acordo.

“O acordo sobre mudanças climáticas passa pelo debate da equidade, do espaço de carbono e do acesso a este espaço, de uma série de questões que foram discutidas aqui com fundamentação técnica e científica e visão política. A expectativa é avançar e ter dialogo convergente na reunião de Pequim [prevista para outubro] de tal maneira que possamos juntos trabalhar para a reunião de Cancún”, explicou.

A ministra destacou ainda a presença de especialistas e negociadores, que pela primeira vez participaram do encontro, e a apresentação de números concretos sobre cenários dos países e o diálogo transparente.

Entre as propostas apresentadas pelos países que integram o BASIC estão a de emissões per capita, apresentada pela Índia, e os critérios que consideram a intensidade de emissões do Produto Interno Bruto (PIB), defendidos também pelos japoneses.

Como ainda não houve acordo sobre metas para o grupo, foi agendado um novo encontro em Pequim em outubro. Lá, devem ser discutidos também os impactos da redução de emissões no crescimento econômico dos países em desenvolvimento.

BRASIL: UM NOVO PATAMAR DE DESENVOLVIMENTO ! PARTE 01

Esse texto resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), refletindo a opinião e as propostas dos mais variados setores da sociedade brasileira. Uma das conclusões é que o Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes.
O artigo é de Ladislau Dowbor e publicado por Carta Maior, 27-07-2010.
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), com especialização em Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, onde fez o mestrado em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas. Atualmente, é professor na PUC-SP.

Ele estará na Unisinos no dia 31 de agosto, discutindo as transformações do capitalismo brasilieiro, numa promoção do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Eis o artigo.

O Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Resistiu de forma impressionante à maior crise financeira desde 1929, e está apontando rumos baseados fundamentalmente no bom senso, e numa visão equilibrada dos interesses econômicos, das necessidades sociais, e dos imperativos ambientais. A visão econômica tradicional, presa às simplificações do Consenso de Washington, envelheceu de repente, e não corresponde aos desafios de uma sociedade moderna e complexa, que tem de buscar novas articulações de política econômica, social e ambiental.

Constatamos hoje que a presença de um forte setor estatal não é um estorvo, é um suporte fundamental. A regulação das finanças não implica burocratização, é uma proteção necessária contra a irresponsabilidade. Assegurar melhores salários e direitos aos trabalhadores não é demagogia, é a forma mais simples e direta de gerar demanda e uma conjuntura favorável. Apoiar os mais pobres da sociedade não é assistencialismo, é justiça, bom senso, e dinamiza a economia pela base. Investir nas regiões mais pobres não é um sacrifício, prepara novos equilíbrios ao gerar economias externas para futuros investimentos. Fazer políticas sociais não é um “bolo” que se divide, pois é o investimento na pessoa que mais gera dinâmicas econômicas, como já analisava Amartya Sen.
Apoiar movimentos sociais não é distribuir benesses, é dar instrumentos de trabalho a organizações que conhecem profundamente a realidade onde estão inseridas, e apresentam flexibilidade e eficiência nas suas áreas específicas. Fazer política ambiental não “atrasa” o progresso, pois muito mais empregos geram as alternativas energéticas e o apoio à policultura familiar, do que extrair petróleo e desmatar para buscar lucros de curto prazo. Manter uma sólida base de impostos, não é “tirar da população”, é assegurar contrapesos indispensáveis para o desenvolvimento equilibrado do país.

A constatação dos avanços não implica subestimação dos desafios. O contexto internacional continua instável, com boa parte dos desequilíbrios do sistema financeiro privado dos países desenvolvidos simplesmente transformada em desequilíbrios públicos, gerando deficits impressionantes. Os desafios sociais, em que pesem os grandes avanços dos últimos anos, continuam imensos, exigindo iniciativas mais abrangentes. O conjunto do sistema tributário ainda aguarda uma revisão em profundidade, buscando maior racionalidade e justiça na captação, e maior eficiência e redistribuição na alocação orçamentária. A modernização e o resgate da dimensão pública do Estado ainda aguardam uma reforma política cada vez mais premente.

As políticas ambientais precisam ser consolidadas e absorvidas na cultura tanto da administração pública, como das empresas e do comportamento do consumidor. De certa forma, os rumos tornaram-se mais claros, e a confiança da sociedade aumentou ao ver que os resultados os confirmam. Mas são etapas de uma construção que exige um constante repensar das estratégias.

Um eixo chave a se considerar, é o aproveitamento racional dos potenciais impressionantes que o país possui, e a sua conjugação com os novos desafios ambientais. Temos a maior reserva de solo agrícola parado do planeta, uma das maiores reservas de água doce, temos clima e mão de obra, isto numa época em que a pressão por alimentos e biocombustíveis aumenta por toda parte. E o Brasil hoje domina tecnologias de ponta nesta área. Tem uma matriz energética invejável numa época em que a mudança do paradigma energético-produtivo está se tornando peça chave da construção do futuro. Tem a médio prazo eventos internacionais que o projetam mais ainda no cenário mudial. A disponibilidade maior do petróleo abre novas perspetivas. Juntando estes e outros fatores, se o país conseguir evitar a tentação de mais um ciclo agro-exportador, ou o uso apressado dos novos recursos, e souber proteger o seu meio ambiente e aprofundar a construção de um novo equilíbrio social, a continuação do círculo virtuoso tem boas perspectivas. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes.

Não basta ter rumos, é preciso conseguir resultados. Imensa importância tem a lenta construção de formas mais democráticas de tomada de decisões. Frente ao peso político dos grandes grupos econômicos e das elites tradicionais a eles aliadas, o governo tem assegurado uma política de equilíbrios, buscando estimular a economia e assegurar as contrapartidas em termos sociais, e cada vez mais em termos ambientais. Os programas simplesmente funcionam, e funcionam porque são negociados, assegurando uma base razoável de apoio político. Mas também funcionam, no caso dos grandes programas sociais, porque no primeiro e segundo escalão técnico, que são as pessoas que carregam efetivamente o peso da gestão, estão pessoas que em geral vêm dos movimentos sociais, e conhecem efetivamente os problemas, sabem que tipo de parcerias têm de ser organizadas, entendem de mobilização em torno aos programas. Os movimentos sociais têm um papel vital nestes processos, e crescente no futuro. Com todas as dificuldades, gerou-se, entre os diversos setores, uma cultura da negociação, da pactuação, do respeito aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.

A visão desenhada no presente texto obedece a certas definições conceituais que se consideram adquiridas, e fazem parte do ideário básico que vem se cristalizando no país. Assim, antes de tudo, estaremos distinguindo o conceito de crescimento econômico, na visão estreita de dinamização do produto interno bruto, do conceito de desenvolvimento que envolve a progressão equilibrada nos planos econômico, social, ambiental e cultural. O conceito de sustentabilidade aqui utilizado, refere-se à sustentabilidade ambiental, na definição clássica do Relatório Brundtland, de resposta às necessidades presentes sem comprometer as das gerações futuras. O conceito de desenvolvimento local ou regional não se refere a uma opção por uma unidade particular como o município, mas às complexas articulações territoriais que exigem os programas que, em última instância, exercem o seu impacto em espaços geográficos concretos. O conceito de planejamento não se refere a algum tipo de planejamento central autoritário, mas aos processos pactuados de definição de programas estruturais que permitem reforçar na gestão governamental a visão sistêmica que ultrapassa os cortes setoriais, e a visão de longo prazo que assegura a continuidade entre ciclos de gestão governamental. O conceito de governança é aqui utilizado no sentido amplo da gestão que envolve tanto a máquina governamental propriamente dita, como as articulações com o conjunto de atores sociais organizados que participam do processo decisório e impactam os rumos do desenvolvimento.

Não se trata aqui de elaborar um plano no sentido tradicional, que nos levaria a apresentar propostas para todos os setores, inclusive a política de esportes, a política florestal e assim por diante, com todos os projetos. O presente documento tem dimensões muito limitadas, e busca desenhar em grandes traços o novo referencial, tanto nacional como internacional, que incide sobre os rumos desta década. Na parte propositiva, e buscando capitalizar acúmulos anteriores, privilegiou-se os eixos de ação que podem ser considerados “estruturantes” pelo peso sistêmico nas mudanças que estão ocorrendo no país. Isto envolve tanto uma visão para o futuro, como no caso das políticas tecnológicas que estão adquirindo peso determinante no planeta, como a correção dos desequilíbrios herdados que pesam sobre o conjunto e precisam de correção acelerada, como a inclusão produtiva. Não haverá texto desta amplitude que recolha a unanimidade das visões, nem que responda a tantos interesses específicos. A lista de coisas a fazer é grande. O que se busca aqui é uma visão articulada dos principais eixos que ajudarão a dinamizar o conjunto.

O texto que segue resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no CDES, refletindo o amplo espectro de participantes, mas também os numerosos documentos, propostas e resoluções que têm sido discutidas com os mais variados setores da sociedade, além de consultas com especialistas das principais áreas de atividade. Há uma forte convergência no conjunto das visões, ainda que muita diversidade nas propostas. Recolhemos aqui as que nos pareceram mais contribuir para uma visão sistêmica coerente, e privilegiando a visão de conjunto. Buscamos também evitar a tentação de um texto que de tão geral e prudente, pouco significa.

Para efeitos de sistematização, e evitando um texto demasiado burocrático, dividimos a apresentação em duas partes (respeitando essa divisão, a Carta Maior está publicando o texto em duas partes): a primeira trata do novo patamar de desenvolvimento que de certa forma constitui o referencial das mudanças ocorridas durante a última década, e aponta os ajustes necessários. A segunda se concentra na estratégia de desenvolvimento que permitirá ampliar as dinâmicas apresentadas na Agenda Nacional de Desenvolvimento anterior.

I – UM NOVO PATAMAR

1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
4 - Os resultados: bases para uma nova expansão

Não há dúvida que estão soprando bons ventos. Há um clima de confiança que está se generalizando. Aqui não há vencedores nem vencidos. A melhor imagem é a de uma boa maré, que levanta todos os barcos. Para além do detalhe das propostas para o país nos diversos setores, esta é a visão: um Brasil que se desenvolve, com a participação de todos, de maneira sustentável, e por meio de decisões democraticamente negociadas.

1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades

A crise financeira internacional de 2008 marcou um divisor de águas. As grandes simplificações relativas à dicotomia entre Estado e mercado, com o seu peso ideológico, deram lugar a atitudes de bom senso, de pragmatismo de resultados, de busca de equilíbrios. De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo. Este pensar de maneira inovadora é hoje essencial. No plano internacional, a crise não desaparece. Um PIB mundial de 60 trilhões de dólares, e 860 trilhões de dólares em papéis emitidos, geram instabilidade. Os déficits do setor especulativo privado foram transformados em déficit público, perda de aposentadorias e desemprego, e tanto os Estados Unidos como a Europa têm pela frente a busca de novos mecanismos de equilíbrio. Não se configura um horizonte estável e equilibrado no planeta. Para o Brasil, a diversificação das relações externas, com ênfase no Sul-Sul e na integração latino-americana, deve continuar prioritária.

No plano financeiro, o patamar do Brasil é hoje radicalmente diferente. Com 35 bilhões de dólares de reservas em 2002, o país estava a mercê de ataques especulativos. Hoje, com 250 bilhões em reservas, credor e não mais devedor do FMI – fato que financeiramente não é essencial mas é importante em termos simbólicos - diversificação comercial, e melhor equilíbrio entre o mercado interno e externo, o país tornous-e uma referência internacional. A forma como se manobrou entre os escolhos da crise financeira de 2008, inclusive com multinacionais repatriando grandes volumes de recursos das filiais para salvar as suas matrizes, passou a ser vista no mundo como uma prova de que bom senso e pragmatismo rendem mais do que as simplificações ideológicas. Isto gerou confiança, que permite hoje ao Brasil inclusive fazer exigências aos capitais que entram. O sucesso gera sucesso.



No plano comercial, uma população mundial que aumenta em 70 milhões de habitantes por ano, com ampliação do consumo, além do reforço pela opção por biocombustíveis, devem manter a tendência para uma demanda forte por commodities. O Brasil, com a maior reserva mundial de solo agrícola parado, e 12% da reserva mundial de água doce, tem aqui trunfos excepcionalmente fortes. Mas deverá entrar cada vez mais em cena o problema da regulação internacional dos preços das commodities, hoje mais dependentes dos movimentos dos capitais especulativos do que propriamente do equilíbrio de oferta e demanda. Como exemplo, o comércio mundial de petróleo é de 85 milhões de barris por dia, e as trocas especulativas (papéis) diárias atingem 3.000 milhões de barris. O Brasil tem um forte papel a desempenhar na promoção de mecanismos de regulação nesta área.

Em termos geoeconômicos, a tendência é para um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia do Pacífico, com os fortes avanços da China e da Índia, que representam 40% da população mundial, e de demais países hoje muito dinâmicos como a Coréia do Sul e o Vietnã, ou simplesmente fortes como o Japão. Isto representa desafios estruturais para o Brasil. É de se lembrar aqui que enquanto os Estados Unidos realizaram a conexão ferroviária Atlântico-Pacífico em 1890, nós ainda sequer temos uma conexão adequada por rodovia. O deslocamento favorecerá tanto uma orientação mais integradora de infraestruturas na América Latina, como melhor equilíbrio de ocupação e uso do território no Brasil, ainda fortemente atlântico na demografia e na economia. O oeste, para nós, adquire nova importância.

Outro fator essencial do novo contexto internacional, é a crescente presença dos desafios ambientais no planeta. Enquanto a crise financeira internacional migrou dos bancos para os ministérios, e saiu das manchetes de jornais, a realidade da mudança climática, da liquidação da vida nos oceanos pela sobrepesca oceânica industrial, a destruição das matas (particularmente importantes no Brasil e na Indonésia), a erosão dos solos, a contaminação generalizada dos rios, dos lençóis freáticos e dos mares, geram preocupações que, independentemente dos resultados de Copenhague, exigem uma inclusão mais generalizada da visão da sustentabilidade ambiental em todas as decisões de políticas de desenvolvimento, tanto no setor público como no privado. O Brasil tem como se situar com vantagem neste plano, e deverá desempenhar um papel importante na Cúpula Mundial do Meio Ambiente de 2012 “Rio +20”.

No plano social, as preocupações são igualmente crescentes. Com a explosão especulativa na área dos grãos, a fome no mundo passou de 900 milhões para 1020 milhões de pessoas. De fome e outras causas absurdas morrem 10 milhões de crianças. A AIDS já matou 25 milhões de pessoas. O Banco Mundial estima em 4 bilhões o número de pessoas no mundo que estão “fora dos benefícios da globalização”. São situações insustentáveis. O equilíbrio social das políticas econômicas está adquirindo uma grande centralidade no planeta, e o Brasil, que mostrou durante os últimos anos a viabilidade de políticas que equilibram os objetivos econômicos e sociais, adquire aqui uma legitimidade excepcional.

No plano político, frente a uma economia que se globalizou em grande parte, estão começando apenas agora a se construir espaços de concertação internacional. Encerra-se, de certa maneira, a fase de monopólio de poder pelos Estados Unidos e de forma geral dos países desenvolvidos. Os BRICs começaram a ocupar o espaço político internacional, o G-20 começa a abrir um espaço regular de negociação, e o Brasil em particular assume uma forte presença internacional devida em grande parte ao modelo econômico, social e ambiental inovador e equilibrado que desenvolve, e que está simplesmente dando certo. O aprofundamento destas políticas, cuja tecnologia organizacional deu aqui grandes passos, deve marcar os próximos anos, e reforça o papel internacional do país.

Em termos de novo contexto internacional, a integração latino-americana está adquirindo um papel crescente. Esta política, é preciso dizê-lo, se caracterizou no passado mais pela criação de siglas do que de fatos, enquanto predominava a articulação de cada país com grupos particulares de interesses norte-americanos. Hoje constata-se avanços no plano das instituições, de mecanismos de financiamento, de infraestruturas (ainda incipientes), de codificação das migrações, da própria academia. O Brasil tem um papel fundamental a exercer por razões tanto do seu peso específico, como pelas inovações políticas que tem desenvolvido e por haver tantas coisas em comum em termos dos dramas sociais herdados. A América Latina está adquirindo identidade.

Um último ponto essencial decorre dos avanços tecnológicos, e em particular na área das tecnologias de informação e comunicação. O papel do acesso ao conhecimento, o barateamento das infraestruturas e dos equipamentos individuais, a generalização da conectividade planetária, a ampliação do acesso aos conhecimentos de todo o planeta, o surgimento de inúmeras atividades econômicas na chamada sociedade do conhecimento – todas estas mudanças estão se mostrando muito mais aceleradas do que previsto. Se no século passado os grandes embates políticos se davam em torno da propriedade dos meios de produção, na era da nova economia o acesso ao conhecimento e a definição dos seus marcos legais tornam-se questões centrais. No caso do Brasil, o salto para a economia do conhecimento pela generalização da banda larga e outras formas de acesso ao conhecimento abre importantes perspectivas de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. O desafio é cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos e o atraso educacional no plano interno, para ocupar o espaço correspondente no plano internacional.

No conjunto, o Brasil desempanha hoje na cena internacional um forte papel como parceiro adulto, portador não só da sua força econômica e riqueza cultural, mas também de propostas práticas e de bom senso no enfrentamento dos principais desafios sociais e ambientais, e de solidariedade com países em dificuldades. A confiabilidade e o respeito angariados não só ampliam o espaço de manobra do país, como se refletem fortemente, como se notou no caso da aprovação da Copa e das Olimpíadas, no sentimento de confiança em si no conjunto da população. Neste plano, o país parte realmente de outro patamar.

2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso

O Brasil optou pelo enfrentamento da desigualdade como seu eixo estratégico principal. A materialização da estratégia se deu através da ampliação do consumo de massa. A visão enfrentou fortes resistências no início, mas os efeitos multiplicadores foram-se verificando no próprio processo de ampliação das políticas. Com a visão de bom senso de que o principal desafio do Brasil, a exclusão econômica e social de quase a metade da sua população, podia ser um trunfo, o país encontrou um novo horizonte de expansão no mercado interno. A crescente pressão da base da pirâmide social brasileira por melhores condições de vida, articulada com a determinação do governo de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum.

Os avanços sociais sempre foram apresentados no Brasil como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos e pelo aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados.

É importante lembrar que faz todo sentido, para uma empresa individual, achar que com menos direitos sociais ou menores salários poderia reduzir os seus custos, tornando-se inclusive mais competitiva relativamente aos seus concorrentes. Mas a aplicação desta visão ao conjunto das empresas resulta em estagnação para todos. Em termos práticos, o que faz sentido no plano microeconômico, torna-se assim um entrave em termos mais amplos, no plano macroeconômico. As políticas redistributivas aplicadas de forma generalizada, atingindo portanto o conjunto das unidades empresariais, geram também mercados mais amplos para todos, reduzindo custos unitários de produção pelas economias de escala, o que por sua vez permite a expansão do consumo de massa, criando gradualmente um círculo virtuoso de crescimento. Se sustentada por mais tempo, esta política passa a pressionar a capacidade produtiva, estimulando investimentos, que por sua vez geram mais empregos e maior consumo. A expansão simultânea da demanda e da capacidade produtiva promove desenvolvimento sem as pressões inflacionárias de surtos distributivos momentáneos. A espiral de crescimento passa a ser equilbrada. E a verdade é que os setores que estagnam em termos salariais e de direitos sociais, também tendem a se acomodar em termos de inovação em geral.

Esta compreensão dificilmente se generaliza com explanações teóricas apenas. No entanto, a constatação de que funciona quando aplicada de maneira sustentada, e que viabiliza os negócios de cada um, convence muita gente, que vê os resultados práticos. De certa forma, o Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. A distribuição, ao estimular a demanda, é que faz crescer o bolo.

Uma segunda mudança, também ditada pelo bom senso, encontra-se na ampliação das políticas sociais em geral, envolvendo a educação, a saúde, a formação profissional, o acesso à cultura e à internet, à habitação mais digna. Aqui também está se invertendo uma visão tradicional. A herança teórica, das simplificações neoliberais, é de que quem produz bens e serviços, portanto o setor produtivo privado, gera riqueza. Ao pagar impostos sobre o produto gerado, viabiliza as políticas sociais, que representariam um custo. Deveríamos portanto, nesta visão, maximizar os interesses dos produtores, o setor privado, e moderar as dimensões do Estado, o gastador. A realidade é diferente. Quando uma empresa contrata um jóvem engenheiro de 25 anos, recebe uma pessoa formada, e que representa um ativo formidável, que custou anos de cuidados, de formação, de acesso à cultura geral, de sacrifícios familiares, de uso de infraestruturas públicas as mais diversas, de aproveitamento do nível tecnológico geral desenvolvido na sociedade. As políticas sociais não constituem custos, são investimentos nas pessoas. E com a atual evolução para uma sociedade cada vez mais intensiva em conhecimento, investir nas pessoas é o que mais rende. A compreensão de que os processos produtivos de bens e serviços e as políticas sociais em geral são como a mão e a luva no conjunto da dinâmica do desenvolvimento, um financiando o outro, sendo todos ao mesmo tempo custo e produto, aponta para uma visão equilibrada e renovada das dinâmicas econômicas.

Um terceiro elemento chave é a política ambiental. A visão tradicional amplamente disseminada apresenta as exigências da sustentabilidade como um freio à economia, impecilho aos investimentos, entrave aos empregos, fator de custos empresariais mais elevados. Trata-se aqui simplesmente de uma conta errada, e amplamente discutida já em nível internacional, com a refutação do argumento da externalidade. Fazer o pre-tratamento de emissões na empresa, quando os resíduos estão concentrados, é muito mais barato do que arcar depois com rios e lençóis freáticos poluídos, doenças respiratórias e perda de qualidade de vida. Para a empresa ou uma administração local, sai realmente mais barato jogar os dejetos no rio, mas o custo para a sociedade é incomparavelmente mais elevado. Desmatar a Amazônia gera emprego durante um tempo, mas não o mantém, a não ser com a progressão absurda da destruição. Aprofundar os investimentos em saneamento básico, em contrapartida, gera empregos, reduz custos de saúde, e aumenta a produtividade sistêmica. Investir em tecnologias limpas tende a promover os setores que serão mais dinâmicos no futuro e melhora a nossa competitividade internacional. E ao tratar de maneira sustentável os nossos recursos naturais, capitaliza-se o país para as gerações futuras, em vez de descapitalizá-lo. Fator igualmente importante, na economia global moderna uma política coerente em termos ambientais gera credibilidade e respeito nos planos interno e internacional, o que por sua vez abre mercados. A verdade é que a política ambiental ganhou nestes anos uma outra estatura, e se incorpora na nova política econômica que se desenhou no país.

Um quarto eixo de política econômica encontra-se no resgate da capacidade de planejamento das infraestruturas do país. Boas infraestruturas, ao baratearem o acesso ao transporte, comunicações, energia, água e saneamento, geram economias externas para todos e elevam a produtividade sistêmica do território. O custo tonelada/quilómetro do transporte de mercadorias no Brasil é proibitivo, pois transportar soja e outros produtos de relação peso/valor relativamente baixo, em grandes distâncias, por caminhão, gera sobrecustos para todos os produtores. O resgate do transporte ferroviário, a reconstituição da capacidade de estaleiros navais e de transporte de cabotagem, a priorização do transporte coletivo nas metrópoles, o barateamento do acesso a serviços de telecomunicações e de internet banda larga, a busca da produtividade na distribuição e uso de água e em particular no destino dos esgotos, o reforço das fontes renováveis na matriz energética, conformam uma visão que pode abrir um imenso caminho de avanço para o conjunto das atividades econômicas. O planejamento e a forte presença do Estado são aqui essenciais. As infraestruturas constituem grandes redes que articulam o território. Constituem neste sentido um dos principais vetores de redução dos desequilíbrios regionais do país Precisam, por exemplo, ser ampliadas nas regiões mais pobres, para dinamizar e atrair novas atividades, e são políticas públicas que podem arcar com este tipo de investimentos de longo prazo justamente nas regiões onde não geram lucros imediatos. Isto envolve planejamento, visão sistêmica e de longo prazo. As metrópoles brasileira estão se paralizando por excesso de meios de transporte e insuficiência de planejamento. O resgate desta visão, e a dinamização de investimentos coerentes com as necessidades do território, constituem um trunfo para o desenvolvimento, e deverão desempenhar um papel essencial nesta decada.

Assim, políticas distributivas ancoradas numa visão de justiça social e de racionalidade econômica, a ampliação dos investimentos nas pessoas através das políticas sociais focalizadas, a gradual incorporação das dimensões da sustentabilidade ambiental no conjunto dos processos decisórios de impacto econômico, e a dinâmica de investimentos de infraestruturas que tanto reduzem o custo Brasil através das economias externas como melhoram a competitividade internacional, conformam um modelo que, em clima democrático e de paz social, está abrindo novos caminhos. Ter um modelo que não apenas faz sentido teórico, mas funciona, e convence grande parte dos atores econômicos e sociais do país, é um trunfo importante.

3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade

Um dos pontos mais fortes da ampliação das perspectivas de desenvolvimento está na estabilização de um modelo de gestão macroeconômica. Neste plano também estamos frente a um novo patamar. Trata-se aqui do equilíbrio nas políticas de salários, de preços, de crédito, de câmbio, de previdência, de investimentos e de arrecadação. Tecnicamente complexa, e foco de pressões constantes, a política macroeconômica no Brasil obedecia a uma visão neoliberal sofisticada em termos teóricos, mas que resultava ao fim e ao cabo em baixo crescimento e injustiça social, sempre com tom de seriedade e austeridade. A contenção salarial e os altos juros seriam justificados como instrumentos de proteção do povo contra a inflação. Esta área da economia sofre de um pecado original: poucas pessoas a entendem, e encontra-se portanto pouco sujeita a escrutínio democrático. E o passado inflacionário deixou marcas no inconsciente coletivo.

Em termos resumidos, a política adotada pode se resumir na expansão da economia pela inclusão progressiva da base da pirâmide social, o que aumenta a demanda agregada, o que por sua vez gera emprego, investimentos e maior demanda, levando o conjunto a uma espiral virtuosa de desenvolvimento. O nó da política macroeconômica está no equilíbrio das diferentes variáveis, tanto em termos de montantes como de ritmo. A política adotada caracterizou-se por uma grande flexibilidade e rapidez de resposta às mudanças das tendências nacionais e internacionais, uma boa dose de pragmatismo, e a busca de equilíbrios entre os interesses envolvidos.

Em termos práticos, a fase inicial, de 2003 a 2005, caracterizou-se por reajustes macroeconômicos ortodoxos, visando tranquilizar os agentes econômicos quanto à estabilidade das regras do jogo, cumprimento dos compromissos financeiros, contenção das pressões inflacionárias. Paralelamente, iam se construindo os instrumentos de gestão das políticas sociais, que têm como recurso escasso não o dinheiro, mas a capacidade administrativa, que se desenvolve mais lentamente. As minireformas tributária e previdenciária permitiram por sua vez estabilizar as contas. O bom preço das commodities e a diversificação dos acordos comerciais permitiram a redução da vulnerabilidade externa.

A segunda fase, de 2006 a 2008, já se caracteriza pela articulação das políticas em torno a uma dinâmica acelerada de crescimento pela inclusão, lançando as bases das dinâmicas atuais. O cadastro unificado das famílias pobres, a unificação dos programas sociais no Bolsa Família, a forte progressão do salário mínimo (que envolve também o aumento das aposentadorias), o apoio à agricultura familiar (Pronaf), a expansão do crédito (crédito consignado, financiamentos do BNDES e de outros bancos do Estado), a gradual expansão dos investimentos, geraram uma dinâmica de consumo na base da sociedade, e um reforço de investimentos no setor privado. O resultado foi uma forte expansão do emprego formal, com mais demanda. Em outros termos, o Estado assumia a sua função de indutor do desenvolvimento. A maior demanda não gerou inflação, na medida em que a capacidade ociosa do aparelho produtivo permitiu rápida expansão da oferta. A expansão do gasto público foi coberta pela maior arrecadação que resultou do crescimento econômico (passou de 5% em 2008) e da maior formalização da economia, permitindo tanto manter os compromissos com a dívida como expandir as políticas sociais.

A fase da crise financeira de 2008 submeteu esta política a dura prova. A amplitude da crise e o pânico internacional gerado provocaram no país o travamento do crédito, a suspensão dos investimentos privados, a transferência de recursos das filiais brasileiras de grupos estrangeiros para para salvar as matrizes (35 bilhões de dólares só em 2008), e um clima geral de insegurança. Diante da queda da arrecadação do Estado, a visão ortodoxa seria de contenção dos gastos do governo, com um ajuste fiscal contracionista. Com a visão desenvolvimentista já estabilizada na etapa imediatamente anterior, o governo optou por um conjunto de medidas anticíclicas, respondendo de forma rápida e diversificada aos diversos desequilíbrios à medida que se manifestavam. Manteve a expansão do salário mínimo (12% em 2009) gerando expectativa positiva no mercado; assegurou desonerações tributárias e incentivos nos setores críticos; utilizou as reservas cambiais para o financiamento das exportações (o financiamento externo havia estancado totalmente); reduziu o compulsório (que aliás os bancos comerciais utilizaram para comprar títulos do governo, em vez de fomentar a economia); reduziu o financiamento da dívida para priorizar o apoio às atividades produtivas; utilizou os bancos estatais para estimular a economia através de um amplo espectro de linhas de crédito; as alíquotas do imposto de renda foram subdivididas ao se constatar o aperto da crise nos setores da classe média baixa. Os programas sociais não só não foram reduzidos, como expandidos, e a dinamização da construção no programa Minha Casa Minha Vida passou a gerar atividades e empregos de forma muito capilar no conjunto da economia.

Os prognósticos sombrios apontados na época não se materializaram. O que se concretizou, é a visão de uma política macroeconômica multifacetada, pragmática, e orientada pelo equilíbrio dos interesses, e sobretudo pela compreensão de que uma base mais ampla de mercado interno ajuda todos os setores, inclusive o setor exportador, que teve como compensar a redução dos mercados extenos com o consumo interno. E sedimentou-se a idéia de que um Estado atuante é simplesmente necessário. Hoje o país passa a enfrentar os desafios estruturais sabendo que a capacidade de gestão macroeconômica passou as provas, e para o setor privado que precisa estar tranquilo quanto às regras do jogo, isto representa un novo patamar.

Independentemente da crise financeira, um outro vetor de política econômica foi se construindo e está se tornando central, que são os grandes investimentos de infraestrutura tão longamente adiados. O Programa de Aceleração do Crescimento, o Programa de Desenvolvimento Produtivo, a expansão dos investimentos da Petrobrás, o PAC II, e também o Plano de Desenvolvimento da Educação, os planos de generalização de acesso à banda larga, de ordenamento do uso da água e numerosos outros estão ao mesmo tempo dinamizando os investimentos e mantendo a conjuntura elevada, o que facilita todos os ajustes, e introduzindo nos mais diversos setores uma visão estrutural, sistêmica, com resgate de mecanismos de planejamento e de longo prazo. Isto tensiona a capacidade gestora do Estado, que já não desempenhava tais atividades, e coloca novos desafios de modernização administrativa.

Se há uma visão teórica a resgatar, é que os equilíbrios macroeconômicos são dinâmicos, que é possível gerar maior demanda sem excessiva pressão inflacionária, aumentar o fomento do Estado sem gerar déficit irresponsável, encontrar um novo equilíbrio entre mercado inerno e mercado externo sem dramas cambiais, que é possivel colocar condições à entrada de capitais especulativos sem ser declarado “controlador” pelo mercado especulativo internacional e assim por diante. Sobretudo, é possível reduzir os desequilíbrios sociais e regionais sem prejudicar os setores mais abastados e as regiões mais ricas, ao assegurar que todos se beneficiam, mas os de baixo em ritmo mais acelerado. O bom senso funciona. Não só a boa maré levanta todos os barcos, como o Estado pode ser providencial em assegurar que a maré se mantenha.

4 - Os resultados: bases para uma nova expansão

Os resultados são hoje concretos e bastante evidentes. Em números redondos, o nível de emprego formal aumentou em 12 milhões desde 2002. A formalização gera melhor arrecadação, o que financia boa parte da política de apoio. O salário mínimo teve um aumento de capacidade real de compra de 53,67% no período (1), o que atinge cerca de 26 milhões de pessoas. O aumento do salário mínimo também aumenta a capacidade de negociação dos trabalhadores. Indiretamente favorecidos com este aumento são os aposentados, cerca de 18 milhões de pessoas. O Bolsa-Familia atinge hoje 12,4 milhões de familias, melhorando, como ordem de grandeza, as condições de vida de 48 milhões de pessoas. Em boa parte isto significa crianças alimentadas, e seguramente menos angústias nas famílias de baixa renda. Entre 2003 e 2008 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza (2). O Pronaf teve os seus recursos aumentados de 2,5 bilhões de reais em 2002 para 13 bilhões em 2009, dinamizando a a produção de cerca de 2 milhões de produtores rurais. O programa Territórios da Cidadania, está aplicando cerca de 20 bilhões de reais nas regiões mais atrasadas do país. O programa Luz para Todos está atingindo milhões de pessoas que não tinham como guardar uma comida ou um remédio de maneira conveniente. O Prouni, passando já de meio milhão de estudantes, também mostrou resultados impressionantes quando se avaliou o seu desempenho no conjunto das universidades, refutando o argumento do nivelamento por baixo.

A  visão do assistencialismo simplesmente não representa a realidade. O bolsa família é o único que constitui simples transferência de recursos, e constitui uma parcela relativamente bastante pequena do conjunto. Ainda assim, vinculado ao seguimento de saúde e frequência escolar, enquadra-se no investimento social (3). A renda na base da sociedade gera consumo imediato, tanto de bens de consumo básicos que melhoram a alimentação a higiene, como o pequeno investimento familiar que pode ser constatado em cada “puxada” nas casas modestas, dinamizando a produção de materiais de construção e de equipamento doméstico básico. A realidade é que o efeito multiplicador dos recursos é muito grande quando orientado para a base da sociedade. E em termos de qualidade de vida, cada real disponibilizado pra as famílias mais pobres gera uma melhora incomparavelmente superior do que nos grupos mais ricos. A produtividade social do dinheiro, a sua utilidade real, cai rapidamente à medida que o nível de renda se eleva.

O fato é que a desigualdade está se reduzindo no Brasil, de maneira lenta pois o atraso herdado é imenso, mas muito regular nos últmos anos. O índice Gini caiu de 0,53 para 0,49 (4). Para efeitos de comparação, é de 0,46 nos Estados Unidos, 0,33 na Itália e 0,26 na Alemanha (5). A persistente desigualdade está ligada ao fato que a renda de todos se eleva no Brasil, e de maneira mais acelerada entre os pobres do que entre os ricos. Mas como o ponto de partida é muito baixo para os pobres, mesmo um percentual elevado representa mudanças pequenas em termos absolutos. Em termos regionais, verifica-se também um crescimento muito mais acelerado no Nordeste e outras regiões mais pobres, mas aqui também a desigualdade se reduz de maneira lenta.

Um ponto central, e relativamente pouco apontado, é que se desfazem gradualmente os preconceitos que tanto alimentaram a oposição aos programas destinados à base da pirâmide social. Longe de se “encostar”, os pobres estão demonstrando uma impressionante capacidade de aproveitamento positivo dos recursos. São pobres não por falta de iniciativa ou de criatividade, mas por falta de oportunidade. E na verdade a propensão a “se encostar” se manifesta democraticamente em diversos níveis sociais.

A organização de políticas destinadas à faixa mais pobre da população tem como obstáculo principal não a falta de recursos, mas a dificuldade de gestão de um sistema de apoio extremamente capilar, destinado a pessoas que frequentemente não têm endereço postal, CPF, conta em banco, ou até certidão de nascimento. De certa forma, o Estado não existia para estes 25% da população do país. Construir os cadastros, os canais de comunicação e os mecanismos de gestão desta parte da população exigiu um imenso esforço administrativo ainda em curso. Assim, um impacto indireto das políticas de inclusão foi a geração de correias de transmissão entre a máquina do Estado, os poderes públicos locais, os movimentos sociais, e em última instância as famílias. O aprendizado organizacional do Bolsa-Família, do Pronaf expandido, dos comités de gestão do programa Territórios da Cidadania, das inúmeras conferências nacionais e regionais realizadas, criaram formas mais densas de interação entre o Estado e a sociedade, vetor de melhores práticas administrativas para o futuro.

Nesta lenta transição para um Brasil economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável, os avanços são indiscutíveis, mas o passivo social herdado de séculos de desequilíbrios é grande. O país continua a ostentar uma desigualdade dramática (6). O desmatamento da Amazônia se reduziu de 28 para 7 mil quilômetros quadrados ao ano, o que é uma grande vitória, mas ainda é um desastre. As periferias metropolitanas continuam sendo explosivas e necessitam de políticas de apoio radicalmente mais amplas. Os atrasos na qualidade da educação, no acesso a uma saúde mais decente, na generalização de políticas ambientais, na democratização do acesso ao crédito, fazem parte dos inúmeros os desafios. No geral, o país tem pela frente tanto o aprofundamento das políticas inclusivas, como a adequação da máquina do Estado e dos processos decisórios da sociedade em geral. A direção a seguir é hoje muito mais clara, os instrumentos básicos de gestão começaram a ser estruturados. Os resultados obtidos e a experiência adquirida abrem uma nova agenda, com novos desafios.

NOTAS
(*) O presente documento sistematiza um conjunto de visões recolhidas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no quadro da preparação de uma Agenda Brasil, para a década que se inicia. Deve ser visto como insumo à discussão. Seria inócuo buscar unanimidade. Buscou-se sim a coerência do conjunto.
(1) DIEESE – Mercado de Trabalho Brasileiro: evolução recente e desafios, DIEESE, 10 de março de 2010 - http://www.dieese.org.br/ped/mercadoTrabalhoEvolucaoDesafiostexto2010.pdf
(2) Marcelo Neri, Instituto Brasileiro de Economia da FGV, informe Ensp, 26 de março 2010 http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/materia/index.php?origem=3&matid=20887
(3) Ver artigo de primeira página da Folha de São Paulo de 18 de abril de 2010, p. A13 – “Foi uma pequena grande década,” diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio. “E a melhora na renda hoje é muito mais sustentável, pois está apoiada mais na renda do trabalho”. Na média da década, a renda do trabalho explicaria 67% da redução da desigualdade. O Bolsa Família, cerca de 17%; os gastos previdenciàrios, 15,7%. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais”.
(4) Ipea – Desigualdade e Pobreza no Brasil Metropolitano – Comunicado da Presidência n. 25, p. 3 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/comunicado_da_presidencia_n25_2.pdf
(5) Ipea – Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas – 12 de janeiro de 2010, p. 9 Comunicado da Presidência n. 38 - http://www.ipea.gov.br/default.jsp
(6) O artigo mencionado de Maracelo Neri comenta: “O Brasil tem hoje 30 milhões de miseráveis sobrevivendo com R$ 137 ao mês. Mas eles seriam mais de 50 milhões se a velocidade da diminuição da pobreza não tivesse se acelerado nos últimos anos”. FSP, 18/04/2010, p. A13.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

AFEGANISTÃO E IRAQUE: AS GUERRA DOS TRILHÕES DE DOLARES....

NÃO É POR CAUSA DE NOTÍCIAS COMO ESTA ABAIXO, MAS EU JÁ CANTEI ESTA PEDRA ANTES... OS EUA ESTÃO MERGULHADOS NA LAMA DA INCOMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA, QUE NOS ÚLTIMOS ANOS, DA FATÍDICA ERA BUSH, SÓ PENSOU EM GUERRA, E QUE OBAMA, PARECE DAR RESPALDO (PRÊMIO NOBEL DA PAZ - 2009)...
E O QUE VEMOS? GASTANÇA GENERALIZADA, DOSSIÊS QUE ESCAPARAM.... ATENTADOS DE TODOS OS TIPOS, E, ENQUANTO ISSO...

A POBREZA AUMENTA NO MUNDO, UMA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL JÁ EXPLODIU... MILHARES ESTÃO FAMINHOS...

E O GRANDE IMPÉRIO, SÓ PENSA EM GUERREAR...

Cada caixão de zinco levado de volta para casa, envolto na bandeira, cada cadáver deposto na terra de um cemitério, entre lágrimas e salvas de fuzil, custaram aos EUA, até agora, 200 milhões de dólares por baixa.

Um lúgubre recorde.

A reportagem é de Vittorio Zucconi, publicada no jornal La Repubblica, 26-07-2010.

A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quando o medidor de taxas das guerras sem fim, sem perspectivas e, no caso da invasão do Iraque, sem honra, desejadas por Bush e continuadas por Obama, superou um trilhão de dólares no início de julho, as operações "Iraqi Freedom" e "Enduring Freedom", como foram chamadas retoricamente, tornaram as expedições militares mais caras per capita na longa história das guerras norte-americanas.

Não as mais caras em absoluto, porque o recorde de custos ainda pertence aos quatro anos da Segunda Guerra Mundial, quando o tesouro nacional teve que desembolsar mais de 4 trilhões de dólares, em valor atual, para derrotar a Alemanha, a Itália e o Japão e libertar o mundo da infestação nazista e fascista.

Mas o resultado do estudo conduzido pelo serviço de pesquisas do Parlamento norte-americano, uma comissão apolítica e apartidária, não mente. Para mandar ao fronte dois milhões de homens e mulheres que se revezaram entre o Iraque e o Afeganistão nos quase dez anos de combate, e para ver 5.400 voltaram em caixões de zinco, a nação gastou 1,21 trilhões de dólares.

Na Segunda Guerra, os soldados foram quase 16 milhões, com 480 mil baixas. Cada morto custou, além do sangue e das lágrimas, 9 milhões de dólares, no horrível relatório de "custo de baixas" que toda guerra impõe.

Uma das tragédias dentro da tragédia moral e estratégica dessas guerras em dois frontes, e uma das razões pelas quais elas já desapareceram do radar das ansiedades e da atenção nacional, é que o Iraque e o Afeganistão são operações assustadoramente caras individualmente, mas ainda baratas para a economia norte-americana.

Como foi observado ainda nos primeiros meses do conflito, entre a invasão do Afeganistão em novembro de 2001 e os bombardeios "shock and awe" em Bagdá para paralisar e aterrorizar o regime de Saddam em março de 2002, a incidência dessas ações na vida cotidiana dos cidadãos norte-americanos, sobre os seus bolsos ou sobre as contas públicas é marginal, senão imperceptível.

Para permitir que a última "Grande Geração" libertasse o mundo de Hitler, Mussolini e do militarismo japonês, os EUA tiveram que comprometer mais de um terço, 36%, da receita federal.

Para mandar 2 milhões de soldados à Ásia depois do 11 de setembro, esse trilhão gasto até agora é apenas 1,6% do orçamento.Não se veem, portanto, atores e estrelas do esporte, grandes diretores como Frank Capra ou heróis imaginários como Mickey viajando pelos EUA mobilizando os espíritos patrióticos dos cidadãos para que assinem os "War Bonds", o empréstimo de guerra. Na fornalha da dívida nacional e do déficit de orçamento, aquele trilhão de dólares não é nada, assim como aqueles 5 mil e mais mortos em dez anos não são nenhuma anomalia estatística nas tabelas do censo, com relação aos 616 mil mortos por ano por doenças cardiovasculares ou às 115 vítimas de acidentes de trânsito a cada dia.

Pela primeira vez na história norte-americana, e talvez de todas as grandes nações, nem aumentaram os impostos sobre a renda ou aqueles indiretos sobre os consumos para financiar um conflito, que parece ser combatido com o dinheiro dos outros e com os filhos dos outros. Ninguém que não tivesse familiares no fronte teve que sacrificar um centavo de sua própria renda ou um minuto de seu próprio dia para que essas guerras fossem feitas, porque assim quis Bush quando anunciou que "o Iraque seria pago só com o petróleo", e Obama não pode se permitir mudar isso.

Um trilhão e quase dez anos mais tarde, morrer em Kandahar ou em Bagdá já não gera manchetes há anos. A oposição da direita, que acusa Obama de ter desfeito a receita nacional com a reforma da saúde ou os subsídios aos desempregados, ousa criticar-lhe pelo preço desses mortos e dessas guerras sem fim. Nem a enormidade do custo social, dos tratamentos médicos – quando existem –, a reabilitação, a dificilíssima reinserção dos feridos, dos mutilados, dos sobreviventes com as suas profundas lesões psicológicas, custo que na lista de preços das guerras para "exportar a democracia" não está calculado, assustam e perturbam um público que está acostumado às notícias e às lutas nos frontes orientais, reservadas aos voluntários uniformizados. Um trilhão e 21 milhões (mas o número aumenta a cada segundo, como registra o angustiante site http://www.costofwar.com/, no qual se vê o preço subir em milhares de dólares por segundo) é menos do que a nação gastou, de 2001 até hoje, em fast food, em hambúrgueres, milk-shakes e batatas fritas, 1,2 trilhões de dólares.

Portanto, a guerra que não existe, que custa menos do que um McLanche Feliz, o lanche das crianças no McDonald's com um brinquedo de plástico de brinde, não será freada pelo custo financeiro e nem pelo humano.

Os EUA podem se permitir outros 20, 30 anos de operação militar no Iraque ou no Afeganistão e ignorar outros milhares de caixões, mais baratos do que batatinhas e milk-shakes.

A AMÉRICA DO SUL EM 2022....

É COMUM LERMOS ENTEVISTAS SOBRE FATOS DO PRESENTE, SITUAÇÕES COMPLEXAS, E ATÉ SOBRE O FUTURO... O QUE PODE OU NÃO ACONTECER...
NESTA NOTÍCIA/ENTREVISTA ABAIXO, EU ESTOU TRAZENDO UMA ANÁLISE DA AMÉRICA DO SUL.... PARA 2022...

SERÁ QUE ISSO É PREVISÃO??

É REAL, OU É APENAS FICÇÃO...

ENTÃO LEIA, E DEPOIS ME CONTE O QUE ACHOU...

As características da América do Sul – grande riqueza mineral e energética; grandes extensões de terras aráveis não utilizadas; população cada vez mais urbana em processo de estabilização demográfica; regimes políticos estáveis; inexistência e distância geográfica de áreas de conflitos intensos – tenderão a condicionar o papel da América do Sul em um cenário político mundial em que a disputa pelo acesso a recursos naturais e a alimentos será fundamental. em 2022, quer se queira ou não, devido a razões econômicas, políticas e sociais, o Brasil se encontrará inserido na América do Sul de forma muito mais intensa, complexa e profunda, tanto política quanto economicamente, do que se encontra hoje.

A análise é de Samuel Pinheiro Guimarães, Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil, em artigo publicado na agência Carta Maior, 26-07-2010.
Eis o artigo.
1. A América do Sul é a nossa região, onde nos encontramos e de onde jamais sairemos. O futuro do Brasil depende da América do Sul e o futuro da América do Sul depende do Brasil.

2. A América do Sul é um arquipélago de sociedades e economias separadas pela distância, por obstáculos geográficos e pela herança das políticas coloniais que as isolavam cada uma das demais e que as vinculavam exclusivamente a suas metrópoles, Madri e Lisboa. A histórica e geográfica dificuldade de contatos permanece até hoje, entre os sistemas de transportes, de energia e de comunicações dos distintos países, já de si pouco integrados nacionalmente, levou a um fluxo, que ainda é reduzido, de comércio, de investimentos, de pessoas e de cultura. A dificuldade de contatos entre os países contribuiu, juntamente com as características de seu desenvolvimento e de sua inserção na economia mundial, para fazer da América do Sul esse arquipélago de sociedades subdesenvolvidas, com elevadíssima concentração de renda, com índices sociais deploráveis, muitas delas primário-exportadoras, tecnologicamente dependentes, militarmente fracas.

3. A América do Sul é um continente rico ao extremo em recursos naturais, tanto em seu solo como em seu subsolo, distribuídos de forma desigual entre os países que a integram. Países de enorme capacidade agrícola ao lado de países importadores de alimentos. Países riquíssimos em energia ao lado de países sufocados pela sua falta. Países de razoável industrialização e outros voltados para a agricultura e a mineração. Países de reduzida dimensão territorial ao lado de outros de grande extensão.

4. As reservas de minérios, as fontes de energia, as terras aráveis, a água, a biodiversidade, constituem um enorme potencial, aproveitado de forma incompleta e muitas vezes predatória. Não foi e não está ele organizado para atender estruturas produtivas avançadas e grandes mercados internos mas, sim, para suprir a demanda de mercados tradicionais, que se originaram e se formaram desde os tempos do comércio colonial e que, hoje, assumem, por vezes, formas quase neocoloniais. Mesmo naqueles países mais avançados da América do Sul a economia se encontra organizada, em grande parte, para a produção e a exportação de produtos minerais e agrícolas, às vezes processados, e de semi-manufaturados, como se constata pela presença majoritária de produtos primários ou de baixa tecnologia na pauta de exportações de cada país.

5. Sobre essas riquezas do solo e do subsolo, em um território de 18 milhões de km2, vivem e trabalham 400 milhões de sul-americanos, em permanente mestiçagem, a partir de suas origens africanas, indígenas, européias e asiáticas, com toda sua pujante cultura, com sua unidade lingüística ibérica, valor extraordinário quando refletimos sobre o desafio que representam as vinte e três línguas da União Européia, os dezenove idiomas oficiais da Índia e as onze línguas da África do Sul. Os idiomas indígenas são falados por uma pequena parcela da população da América do Sul, ainda que, em certos países, sejam eles muito importantes por representarem a expressão viva de culturas e de valores de civilizações distintas daquelas implantadas e mantidas, pela força, pelos colonizadores europeus e seus descendentes.

6. A religião predominante, em especial nos países sul-americanos hispânicos, e em suas classes mais altas, é o catolicismo, enquanto avança com grande rapidez, a influência das igrejas evangélicas nas camadas mais pobres da população e, mais recentemente, nas classes médias, em especial no Brasil. A aprovação, há poucos anos, em muitos países da região de legislação sobre o divórcio e a longa sobrevivência da vinculação entre a Igreja e o Estado revelam a importância social e política do catolicismo em quase todos os países.

7. A própria intensidade da miscigenação nas sociedades da América do Sul, fenômeno de que participam indígenas, afro-descendentes, euro-descendentes, árabes, judeus e asiáticos, torna hoje difícil a emergência de manifestações agressivas de racismo e de discriminação, assim como de conflitos de natureza religiosa mais aguda.

8. Os 400 milhões de sul-americanos se encontram predominantemente em cidades, em metrópoles grandes e médias, em cujas periferias grassam a pobreza, a mortalidade infantil, a violência, as drogas, a desintegração familiar, a subnutrição, o desemprego e o subemprego, as doenças e o analfabetismo. São essas populações, excluídas e pobres, que correspondem à enorme maioria da população de cada país, que fazem da América do Sul o continente mais desigual do planeta. A pobreza, o desemprego, os baixos salários e a violência provocam a emigração de grandes contingentes de sul-americanos que enfrentam dificuldades extremas em busca de oportunidades nos Estados Unidos e na Europa. Em contraposição às metrópoles e a suas periferias, se encontram os grandes vazios demográficos da Amazônia, dos Andes e da Patagônia onde populações dispersas têm difícil e escasso acesso a bens públicos de toda ordem, tais como hospitais, escolas, esgotos, luz e transporte.

Economia
9. Característica primeira das sociedades sul-americanas é o elevadíssimo grau de concentração de renda e de riqueza. Esta concentração pode ser medida pelo fato de que nos países da região, exclusive o Chile e o Uruguai, o número de habitantes abaixo da linha de pobreza se encontra entre 20% e 60% da população. Esses frios percentuais de concentração de renda e de riqueza correspondem a altos índices de desnutrição, de mortalidade infantil, de analfabetismo, e à ausência de saneamento, de capacitação profissional, que são a causa, mas também a conseqüência, de baixos níveis de renda per capita e de pequenos mercados para bens de maior complexidade.

10. Naqueles países sul-americanos não mineradores, a agricultura em geral se divide em quatro grandes setores: a agricultura familiar, muitas vezes de baixa produtividade, em pequenas propriedades, orientada para a subsistência e o mercado interno; a agricultura comercial em grande escala, mecanizada, voltada principalmente para o mercado internacional, e dividida em agricultura tropical e temperada; a pecuária bovina extensiva e a avicultura moderna.

11. A indústria se encontra distribuída de forma muito desigual entre os países da América do Sul. Este fato decorre, em parte, das diferentes dimensões de seus mercados internos e, em parte, da adoção de políticas comerciais neoliberais que dificultaram a emergência e sustentabilidade de processos nacionais de industrialização. Assim, em geral, os países sul-americanos não dispõem de siderurgia, metalurgia ou petroquímica significativas, e não dispõem de indústrias de bens de capital, fundamentais para um setor industrial que seja capaz de se expandir e absorver contingentes crescentes de mão de obra. Unidades de produção de bens de consumo leves e de manufaturas simples, como têxteis e calçados, são a característica de muitos desses parques industriais. A diversificação e a sofisticação competitiva da indústria e sua importância na economia de um país podem ser aferidas pela participação dos manufaturados no total das suas exportações. Na América do Sul, esta participação somente atinge valor superior a quinze por cento em quatro países. O baixo nível de consumo per capita de energia elétrica na região é um outro indicador importante do baixo nível de industrialização das economias nacionais e do reduzido consumo per capita de aparelhos eletrodomésticos.

12. Uma característica importante das economias sul-americanas é a pequena densidade e a ineficiência logística e energética dos sistemas de transporte que fazem com que as economias nacionais sejam pouco integradas e a produção se faça a custos elevados, fatos que, aliados à concentração de renda, contribuem para fazer pequeno e pouco dinâmico o mercado interno de cada país e para dificultar a exportação de manufaturados.

13. Em grande síntese, as estruturas econômicas nacionais da região se caracterizam por grandes complexos exportadores de minérios e de produtos agrícolas ao lado de setores industriais de pequena dimensão e de baixa eficiência, que se dedicam ao processamento de matérias primas locais para o mercado local, tais como têxteis e alimentos, com a exceção de situações específicas como a do Brasil e a da Argentina, que têm parques industriais amplos e complexos. Mas todos eles, dos menores aos maiores, ameaçados e atingidos periodicamente por políticas neoliberais de abertura comercial indiscriminada e radical, por políticas cambiais que utilizam as importações para controlar a inflação, e, agora, pela concorrência avassaladora da China que afeta a integração comercial regional.

Política
14. Sobre essa infraestrutura econômica e social, e com ela interagindo de forma intensa e inseparável, há uma superestrutura e uma dinâmica política, em que se entrechocam seis fenômenos: a hegemonia das elites tradicionais, os latentes ressentimentos históricos, a emergência política de movimentos indígenas, a difusa influência americana, as novas presenças espanhola e chinesa e as reiteradas tentativas de integração econômica e de coordenação política.

15. Até recentemente, ínfimas elites exerciam o controle dos sistemas políticos e econômicos nos países da América do Sul. O elevado grau de concentração de poder político e de controle do Estado se exercia, e ainda se exerce, através do sistema financeiro e da mídia, garantindo a apropriação por essas elites de grandes parcelas das rendas nacionais. Nos segmentos mais conservadores dessas elites existe uma tendência latente ao autoritarismo que emerge com força sempre que se sentem ameaçadas na posse e gozo de seus privilégios e na medida em que assistem (e resistem) à ascensão econômica e política das massas historicamente excluídas da população. Sempre que o controle do Estado (ou ainda que apenas de parte do Estado) lhes escapa, como vem ocorrendo em alguns países, sua reação é agressiva, procurando desqualificar os governos de origem popular através de campanhas midiáticas intensas, acusando-os de populistas, ineficientes, irresponsáveis, demagógicos e, afinal, autoritários.

16. Na dinâmica política da América do Sul os ressentimentos entre os Estados têm papel relevante. Sua origem se encontra em conflitos de um passado, às vezes remoto, às vezes recente, tais como a Guerra da Tríplice Aliança; os conflitos de formação dos Estados no Prata e da desintegração da Grã Colômbia; a Guerra do Pacífico; a Guerra do Chaco; e os conflitos entre Equador e Peru. Nas sociedades sul-americanas essas recordações do passado se encontram subjacentes à política interna e externa dos países e re-emergem diante de divergências do presente, aguçando-as e exacerbando-as. Esses ressentimentos e as assimetrias dificultam as iniciativas de integração comercial e ainda mais aquelas de integração econômica e de coordenação política na região.

17. A presença americana é um fator relevante na vida econômica, política, cultural e social da América do Sul. A América Latina e a América do Sul foram sempre consideradas zona de influência americana incontestável, tanto pelos Estados Unidos como pelas Grandes Potências de cada época. Esta é uma convicção arraigada na sociedade, no Estado, na academia e na política americana, desde que o Presidente James Monroe enunciou a Doutrina Monroe, em 1823.

18. Os Estados Unidos sempre pretenderam alinhar a América do Sul com suas políticas, primeiro quanto à Santa Aliança, depois em relação à influência inglesa e francesa e mais tarde na Guerra contra o Eixo. Esta zona de influência viria a receber uma estruturação política com a criação da OEA, em 1948. Ao longo da história, em especial a partir do início da liderança econômica mundial dos Estados Unidos após a Guerra de Secessão, as elites dos países sul-americanos sempre nutriram a esperança de, em troca de seu apoio político aos Estados Unidos, virem a se beneficiar do auxílio americano para o seu desenvolvimento, como ocorrera com os países europeus, inclusive inimigos, após a Segunda Guerra Mundial. A Revolução Cubana aguçou a política americana de enquadramento da América do Sul (e Latina) contra Cuba, o comunismo e o desafio à Doutrina Monroe, lançado pela União Soviética.

19. Do ângulo econômico, os Estados Unidos têm tido como um dos objetivos permanentes de sua política externa criar uma área de livre comércio das Américas. Em 1889, na I Conferência Internacional Americana, em Washington, os Estados Unidos apresentaram a proposta, que não foi aceita, de criação de uma área de livre comércio das Américas, que teria como moeda única o dólar. Em 1948, na IX Conferência Internacional Americana, que criou a OEA, foi apresentada proposta semelhante. Esta proposta de livre comércio seria retomada em diversas ocasiões e em especial pelos Presidentes Clinton e Bush.

20. Diante das dificuldades e da recusa dos principais países da América do Sul, Brasil e Argentina, em negociar a constituição de uma área de livre comércio nas condições desejadas pelos Estados Unidos, estes passaram a expandir a sua influência econômica na região através de acordos bilaterais de livre comércio, que já celebraram com o Chile, o Peru e a Colômbia. Esses acordos estabelecem limitações à execução de políticas de desenvolvimento em todas as áreas, desde os bens aos serviços, aos investimentos e à propriedade intelectual. Além de criar essas limitações, esses acordos de livre comércio têm, como uma de suas consequências, tornar impossível a formação de uma união aduaneira da América do Sul.

21. A presença americana é importante no comércio, nos investimentos, nas finanças, nos meios de comunicação e na identidade ideológica das elites tradicionais com os ideais econômicos, políticos e culturais norteamericanos. Em cada país da América do Sul a presença americana é mais intensa e forte do que a de qualquer outro país seja ele da região ou não. Permeando o ambiente social da região, há uma influência extraordinária da cultura americana, a qual se exerce através do cinema, da televisão e do rádio, meios de comunicação controlados por grandes empresas e que atingem todos os segmentos das sociedades sul-americanas.

22. Há duas crescentes presenças econômicas, e potencialmente políticas, na América do Sul: a espanhola e a chinesa. A influência espanhola se articula a partir da queda de Franco, da redemocratização e do ingresso da Espanha na União Européia. A queda de Franco extinguiu o estigma ditatorial do país, a redemocratização foi saudada como um modelo para a América Latina, e seu ingresso na União Européia lhe conferiu respeitabilidade e gerou o mito de que a Espanha seria uma porta de entrada da América Latina na Europa. As políticas de privatização criaram a oportunidade para grandes empresas espanholas se introduzirem nos mercados da América do Sul. Politicamente, a Espanha articulou o processo de criação da Iberoamérica, aproveitando as comemorações do Descobrimento e Conquista das Américas, a que chamou de Encontro de Civilizações. Sendo a Espanha um país de industrialização recente, sua influência na região, entretanto, em especial com a crise de 2008, não se tem expandido, inclusive pela sua incapacidade - por seu próprio peso na União Européia - em se tornar um porta voz eficaz das aspirações sul-americanas.

23. A presença chinesa é ainda incipiente e ocorre principalmente na área do comércio exterior, em que a China se afirma como destino de matérias primas sul-americanas e como origem de produtos manufaturados de baixo preço. Para muitos países da América do Sul, a China se tornou o primeiro ou segundo parceiro comercial. Esta presença chinesa tende a atingir de forma negativa os incipientes parques industriais da região, mesmo aqueles dos países mais industrializados, como o Brasil e a Argentina, que as normas da OMC dificultam proteger. Porém, as importações de produtos chineses de baixo preço tendem a ser consideradas importantes no combate à inflação, conduzido, por vezes, por administradores conservadores e os que os apóiam, especialmente os setores rentistas das sociedades. A presença das grandes empresas chinesas como investidoras já se expande rapidamente. A presença comercial, financeira e investidora da China na América do Sul certamente terá repercussões sobre a influência americana, política e econômica, na região.

24. Um derradeiro, mas importante, fenômeno no cenário político sul-americano é a emergência dos povos indígenas. As populações indígenas e as populações mestiças são especialmente importantes na Bolívia, no Peru, no Equador e no Paraguai, países nos quais, em conjunto, chegam a representar mais de setenta por cento da população. Essas populações indígenas e mestiças, vítimas de um longo e cruel passado de opressão, procuram reconstruir a sua identidade cultural e participar de forma cada vez mais intensa da política, onde os regimes democráticos lhes possibilita alcançar o poder. Este fenômeno indígena se concentra nos países andinos, tem especial impacto sobre as políticas de exploração de minérios e vem a influenciar a política interna e externa de todos os países da região.

A integração econômica e a coordenação política
25. A integração comercial, econômica e política da América do Sul e da América Latina tem sido um objetivo estratégico, ainda que muitas vezes utópico e retórico, a que se contrapôs, historicamente, a idéia do pan-americanismo e da integração continental.

26. Do ângulo político, as relações entre a América anglo-saxônica e a América Latina, em especial a América Central e o Caribe, foram, durante longo tempo, conflitivas e ressentidas, na medida em que a grande expansão territorial dos Estados Unidos se fez pela conquista de metade do território mexicano e em que a expansão de sua influência política levou à intervenção militar em países do Istmo, à criação da Zona do Canal, e à guerra com a Espanha, que resultou na ocupação de Cuba e na conquista de Porto Rico.

27. A extraordinária expansão econômica e política dos Estados Unidos provocou uma reflexão sobre o atraso relativo dos países da América Latina e do Sul.

28. Após a Segunda Guerra, estudos da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL concluíram que as principais razões desse atraso relativo seriam a não-integração dos mercados e a não-industrialização. Demonstrou a CEPAL que a inserção tradicional das economias latino-americanas na economia (e na política) internacional não tinha propiciado o seu desenvolvimento. Seria necessário, assim, desenvolver políticas de integração física e comercial dos mercados latinoamericanos para permitir e estimular a sua industrialização.

29. A partir dessa idéia, muitas foram as iniciativas de integração. Em 1960, foi criada a Associação Latino Americana de Livre Comércio - ALALC que, em 1980, foi transformada em Associação Latino Americana de Integração - ALADI. A Comunidade Andina foi criada em 1968 e o Mercado Comum Centro Americano - MCCA em 1960. Mais tarde, em 1985, após a redemocratização na Argentina e no Brasil, iniciou-se o processo que levaria à criação do Mercosul em 1991. A criação de uma ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana) proposta pelo Brasil em 1994, tinha como objetivo a negociação de acordos entre o Mercosul e os países da CAN que permitissem construir uma área de livre comércio no continente. De outro lado, foram de importância pioneira as reuniões de Presidentes sul-americanos e a constituição da Iniciativa de Integração Regional Sul Americana - IIRSA, cujo objetivo era definir os grandes eixos de integração da infraestrutura.

30. Essas iniciativas de integração comercial dos países da América do Sul sempre foram dificultadas pela escassez de meios de transporte; pela competição entre suas exportações agrícolas e minerais; pelo baixo nível de industrialização, que limitava a pauta de produtos exportáveis; por políticas protecionistas; pela competição dos países já industrializados e, mais recentemente, pela ideologia e prática liberal de suas elites econômicas e políticas.

31. A esses esforços de integração no âmbito latino americano, vieram se sobrepor as iniciativas de integração continental. Em 1987, os Estados Unidos haviam celebrado um acordo de livre comércio com o Canadá e quando da renegociação deste acordo, em 1992, o México propôs uma negociação trilateral, que viria resultar no North America Free Trade Área, o Nafta, em 1994.

32. Este acordo teve grande importância para as negociações econômicas internacionais. Pela primeira vez um país subdesenvolvido importante negociava um acordo de livre comércio, abdicando da reivindicação de tratamento especial e diferenciado, i.e. aceitava negociar de igual para igual com parceiros desenvolvidos e muito mais poderosos. Esta drástica reorientação da política externa mexicana iria afetar o comportamento de muitos países subdesenvolvidos em suas negociações com os países desenvolvidos e iria afetar suas relações com os países sul-americanos.

33. Por outro lado, o ATPDEA (Andean Trade Promotion and Drug Eradication Act), aprovado pelo Congresso americano, concedia entrada livre de impostos para produtos dos países andinos no mercado americano em troca da execução de programas de erradicação das plantações de coca e de combate ao tráfico de drogas. Essa concessão americana, inicialmente por cinco anos, sem reciprocidade, criou em cada um dos países andinos fortes interesses comerciais no mercado americano. Ao final do prazo de vigência da lei, os Estados Unidos propuseram a negociação de acordos bilaterais de livre comércio, muito mais amplos devido à inclusão de muitos outros temas, com base no modelo do Nafta, agora, porém, com reciprocidade.

34. Na I Cúpula das Américas, em 1994, os Estados Unidos propuseram a negociação de uma Área de Livre Comércio das Américas que incluiria a livre circulação de bens; a liberalização dos serviços; a livre circulação de capitais financeiros e de investimentos diretos; a adoção de regras comuns sobre propriedade intelectual, mas que não previa o livre comércio para produtos agrícolas nem a livre circulação de pessoas.

35. Em 2004, a Venezuela lançou a ALBA – Aliança Bolivariana para a América, em contraposição à ALCA e que se propõe a celebração de acordos de comércio e de cooperação econômica entre os países que a constituem: Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Dominica, Antígua e Barbuda, Nicarágua, São Vicente e Granadinos.

36. O movimento bolivariano, cujo líder é a Venezuela, tem como um de seus objetivos rever as relações dos países sul-americanos, em especial os andinos, com os Estados Unidos, com base na diversificação de suas economias, na industrialização, em políticas de afirmação das populações indígenas. A este movimento, que corresponde a políticas mais firmes em relação às empresas multinacionais que se dedicam à exploração de recursos minerais, se opõem especialmente os países que celebraram acordos de livre comércio com os Estados Unidos, o que gera novas tensões na região.

Coordenação política
37. A coordenação política entre os países sul-americanos tem sua origem mais remota no Pacto do ABC, entre Brasil, Argentina e Chile, ao tempo do Barão do Rio Branco, renovado ao tempo de Getúlio Vargas e Perón. É preciso notar que os escassos laços físicos de transporte, a falta de ligações aéreas, o comércio reduzido e os ressentimentos históricos fizeram muito tênues, durante longo tempo, as relações entre os países da América do Sul, em especial entre os países andinos e ao Norte e os do Cone Sul e, portanto, débeis as possibilidades de coordenação.

38. Os conflitos e guerras civis na América Central fizeram surgir o Grupo de Contadora, formado por México, Venezuela, Colômbia e Panamá para propiciar as negociações de paz. Mais tarde, formou-se o Grupo de Apoio a Contadora, integrado por Brasil, Argentina, Uruguai e Peru. Esses oito países vieram a constituir o núcleo do futuro Grupo do Rio, até recentemente o principal mecanismo de coordenação política na América Latina e de que participavam os países da América do Sul.

39. A iniciativa mais recente de coordenação política entre os países da região é a UNASUL, União das Nações Sul-Americanas, cujo principal objetivo é a cooperação e a coordenação política. Foi criado um Conselho de Defesa e um Conselho sobre Drogas e a UNASUL demonstrou sua eficácia por ocasião da crise política interna da Bolívia. Mais recentemente, a Conferência de Chefes de Estado da América Latina e do Caribe viria a ser a primeira reunião, sem a participação de outros países, dos Presidentes latinoamericanos, um marco na história da coordenação política da América Latina.

Paradoxo
40. Um terrível, angustiante e desafiador paradoxo existe na América do Sul: um continente extremamente rico em recursos minerais, em energia, em potencial agrícola, em biodiversidade, em que se encontram sociedades que ostentam níveis extraordinários de pobreza e de exclusão, ao lado de riqueza excessiva e ostentatória.

41. Este paradoxo é um desafio. Suas causas históricas se encontram na natureza das relações entre as colônias, que se tornaram os países da América do Sul, e as metrópoles subdesenvolvidas, Portugal e Espanha, que ficaram praticamente à margem do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Industrial. Essas metrópoles chegaram a proibir, em benefício do monopólio comercial, os incipientes esforços de industrialização nas colônias, e organizaram os seus sistemas políticos e econômicos, com base no trabalho escravo ou servil, na mineração e no latifúndio agrícola para atender às metrópoles, e dificultaram, pela Inquisição, o progresso cultural e científico das sociedades coloniais. Os efeitos dessas relações coloniais se fazem sentir até hoje nos sistemas sociais, culturais, econômicos e políticos dos países da América do Sul.

42. As dificuldades que têm as sociedades da região em promover o desenvolvimento econômico decorrem, em grande medida, da fragilidade institucional e organizacional de seus Estados. Esta debilidade institucional tem sua causa profunda nas enormes disparidades de renda e de riqueza e na concentração de poder, o que faz com que os sistemas tributários sejam altamente regressivos, com base em impostos indiretos e aduaneiros, e de fraca incidência, o que, em muitos casos, redunda em pequena carga tributária em relação ao PIB. É importante notar que em alguns países da América do Sul só recentemente se introduziu o imposto sobre a renda. Assim, muitos Estados da região não dispõem de recursos suficientes para organizar e executar programas de construção de sua infraestrutura física e social, e de redistribuição de renda, indispensáveis para reduzir as disparidades extremas e para permitir o desenvolvimento de mercados modernos.

43. Enquanto os Estados têm escassos recursos para construir as bases do desenvolvimento econômico, o capital privado se mostra desinteressado diante da precária infraestrutura física, dos mercados reduzidos e da instabilidade social, sempre latente devido às excessivas disparidades de renda e de riqueza, e do permanente receio da ascensão política, na democracia, de movimentos populares e, portanto, ansiosos em rever as estruturas tradicionais de arrecadação e de alocação de recursos. As condições sociais e políticas instáveis estimulam os fluxos de capital privado para o exterior, em volumes extraordinários, que reduzem a poupança interna para investimento. No campo político, as grandes disparidades sociais que existem em todos os países fazem com que, em regimes democráticos, candidatos populares venham a ser eleitos ou que candidatos conservadores tenham de anunciar, em seus programas, promessas de políticas sociais importantes. Nas Assembléias Legislativas, as classes tradicionais são capazes de se fazer representar de forma mais numerosa, o que leva a permanentes tensões políticas com os Executivos e a sérias dificuldades para aprovar a legislação, programas e recursos necessários à implementação de programas sociais amplos e vigorosos.

O Brasil e a América do Sul
44. A principal característica geopolítica da América do Sul são as extraordinárias assimetrias que existem entre os doze Estados da região. Essas assimetrias são especialmente significativas entre o Brasil e cada um dos Estados sul-americanos em termos de território, de população e de atividade produtiva. O Brasil tem 50% do território da América do Sul; 50% de sua população; 50% do PIB regional; 50% do seu potencial hidrelétrico; mas também 50% dos analfabetos e 50% da população abaixo da linha de pobreza.

45. O grande desafio para a América do Sul e para o Brasil será a superação das assimetrias entre os Estados da região, promovendo o desenvolvimento daqueles mais atrasados para tornar a região uma grande área econômica, dinâmica e inovadora. Esta assimetria entre os Estados decorre em parte da assimetria territorial, em parte da assimetria demográfica e, em parte, da assimetria crescente entre as economias dos países da região, em termos de dimensão, de diversificação, de sofisticação e de integração.

46. A assimetria territorial faz com que o Brasil, por ter um território bem maior do que os territórios de cada um dos demais países, tenha uma gama mais ampla de recursos do solo e do subsolo e que, assim, tenha a possibilidade de produzir, em seu território, muitos daqueles bens minerais e agrícolas que são produzidos e exportados pelos países vizinhos. O Brasil, inclusive devido a razões de escala, pode produzir competitivamente tais produtos e muitas vezes, quando não o consegue, surgem no Brasil pressões protecionistas dos setores menos competitivos que solicitam medidas para dificultar sua importação dos países vizinhos.

47. A assimetria demográfica decorre de ter o Brasil metade da população da América do Sul e de ter mais de quatro vezes a população do segundo país, em habitantes, da região. Esta maior população permite ao Brasil, em comparação com os demais países da região, ter um maior mercado interno, diversificar mais sua estrutura produtiva, atrair mais investimentos estrangeiros e ser menos vulnerável a flutuações externas fora de seu controle.

48. O nível de desenvolvimento mais elevado alcançado pelo Brasil expressa a capacidade da sociedade brasileira - de seus trabalhadores, empresários, executivos, profissionais, militares, intelectuais, administradores e políticos - de construir uma estrutura jurídica, administrativa e tributária capaz de organizar a produção e a desenvolver, com razoável sucesso, os recursos do país. Porém, se a sociedade brasileira, por um lado, é aquela que atingiu o nível mais elevado de desenvolvimento e a que apresenta maior potencial entre os Estados da América do Sul, é o Brasil, por outro lado, um dos países da região que apresenta níveis mais elevados de disparidade social.

49. A pauta de exportação de um país é um retrato de sua estrutura produtiva, daquilo que ele consegue produzir competitivamente. Em 1960, todos os países da região tinham sua pauta de exportação dominada por três produtos primários que correspondiam a mais de 70% das exportações de cada país. De 1960 a 2010 houve considerável diversificação das pautas exportadoras de todos os países, mas este fenômeno foi mais intenso no Brasil. Hoje, os três principais produtos brasileiros de exportação somam 20%. No país em melhor situação após o Brasil os três principais produtos correspondem a 40% da pauta.

50. Esta assimetria tem duas conseqüências de grande importância econômica e política. De um lado, o comércio de cada um dos países com o Brasil tende a ser cronicamente desequilibrado, devido à oferta muito maior de produtos de parte do Brasil e à dificuldade desses países de exportar para o Brasil. Em segundo lugar, as dimensões maiores da economia brasileira fizeram surgir empresas de maior dimensão, quando comparadas às empresas dos países vizinhos. Essas empresas brasileiras, muito competitivas em sua expansão natural para o exterior, se dirigem primeiro aos países vizinhos, fazendo novos investimentos ou adquirindo empresas locais e, assim, tendem a assumir uma importância cada vez maior na economia de cada Estado vizinho.

51. Pelas suas características territoriais, demográficas e econômicas, e pela sua política externa, o Brasil tem adquirido importância política crescente no cenário internacional. Assim, o Brasil é hoje ator indispensável nas negociações comerciais, tanto agrícolas como industriais; nas negociações ambientais; nas questões energéticas, nos temas de desarmamento e nas negociações de reforma financeira e de reforma política. Suas dimensões o tornaram de grande interesse para os investimentos das grandes empresas multinacionais que no Brasil estabelecem as bases para suas operações na região. Estas circunstâncias tornam a atuação do Brasil na América do Sul, em outras regiões e nas Nações Unidas de uma relevância cada vez maior, sendo o país cada vez mais chamado a participar de forma mais central em foros de negociação e de articulação política, em comparação com o que ocorre com os países vizinhos.

52. O Brasil tem fronteiras com nove dos doze Estados da região, o que nos faz o terceiro país do mundo em número de vizinhos. Esta situação é um fato, inarredável, que nos coloca, devido às características estruturais, às assimetrias, às tendências da região e às oportunidades e riscos nelas embutidas, graves desafios de política externa e interna.

53. Desafios de política externa, devido às assimetrias entre os Estados da região e aos ressentimentos históricos que, latentes, tendem a dificultar o relacionamento político e econômico entre os países, os quais procuram nos envolver, como aliado ou como mediador, em suas disputas. A assimetria atual e crescente entre o Brasil e os demais Estados da região faz surgir sempre, em certos círculos, a preocupação com uma eventual hegemonia brasileira ou a suspeita de uma vocação brasileira para o imperialismo ou para o exercício de um sub-imperialismo.

54. Esses desafios são também de política interna. O Brasil, país de dimensões continentais, durante grande parte de sua história se encontrou isolado, devido à distância e à precariedade das comunicações, dos países andinos e dos países que se encontram no litoral norte da América do Sul, ou em situação de rivalidade com aqueles países mais próximos, como os Estados do cone sul, devido à longa história de disputas coloniais entre Espanha e Portugal e suas seqüelas. Após a Independência, a organização monárquica brasileira diante das repúblicas hispano-americanas, as preocupações das repúblicas hispânicas com as iniciativas de restauração do domínio espanhol, que, supunham, poderiam ter o apoio brasileiro, e, finalmente, os vínculos do Brasil com os países líderes da economia e da política mundial, inicialmente a Inglaterra e, mais tarde, os Estados Unidos, alimentaram atitudes de alheamento, afastamento e desconfiança, recíprocas. Os preconceitos que ainda sobrevivem na sociedade brasileira em relação aos países vizinhos, decorrentes desse passado de isolamento, de rivalidade e de desconfiança, e, hoje, uma percepção indevida e descabida de superioridade, torna difícil para muitos setores da sociedade brasileira compreender plenamente a importância da América do Sul para o próprio desenvolvimento do Brasil.

55. Todavia, em 2022, quer se queira ou não, devido a razões econômicas, políticas e sociais, o Brasil se encontrará inserido na América do Sul de forma muito mais intensa, complexa e profunda, tanto política quanto economicamente, do que se encontra hoje.

56. Razões econômicas, pois à medida que se expandir e se interligar a infraestrutura física da região em termos de transportes, de energia e de comunicações, os fluxos de comércio, de investimentos e migratórios entre o Brasil e cada um dos países vizinhos tenderão a se ampliar, extraordinariamente.

57. Razões sociais, pois na medida em que as sociedades da América do Sul venham a encontrar dificuldades para superar de forma democrática, pacífica e eficiente as extraordinárias disparidades sociais que apresentam, em cuja raiz se encontram fenômenos complexos e entrelaçados, tais como a discriminação racial, a sobrevivência do latifúndio, antigo e moderno, e a pobreza histórica cumulativa, que se reproduz de geração em geração e que atinge amplos setores de suas populações, será difícil para os países da região desenvolver um mercado interno significativo e aproveitar todo seu potencial econômico.

58. Razões políticas, pois na medida em que os países tenham dificuldade em se desenvolver e ao mesmo tempo redistribuir renda e em que permanecerem situações de opressão e de discriminação em relação a grupos étnicos autóctones, a instabilidade social levará à instabilidade política, com maior ou menor grau de violência, com eventuais reflexos sobre o Brasil.

59. Por outro lado, se conseguirem vencer esses desafios econômicos, sociais e políticos as sociedades vizinhas se tornarão parceiros cada vez mais importantes para o Brasil, tanto econômica quanto politicamente.

60. É preciso notar que há, na América do Sul, dois países não-ibéricos, que são a Guiana e o Suriname, ex-colônias da Inglaterra e da Holanda, com vínculos geográficos e culturais com o Caribe anglófono, de pequenas populações e territórios, de independência recente e tênues laços com os países da América do Sul. Basta dizer que tanto no Suriname como na Guiana há embaixadas de apenas três países sul-americanos. Á medida em que a economia da América do Sul se integra e em que os esforços de coordenação política e econômica se ampliam a própria proximidade geográfica fará com que esses países venham a se integrar mais à região.

Perspectivas
61. As características da América do Sul – grande riqueza mineral e energética; grandes extensões de terras aráveis não utilizadas; população cada vez mais urbana em processo de estabilização demográfica; regimes políticos estáveis; inexistência e distância geográfica de áreas de conflitos intensos – tenderão a condicionar o papel da América do Sul em um cenário político mundial em que a disputa pelo acesso a recursos naturais e a alimentos será fundamental. De outro lado, para um grande número de países, com a concorrência chinesa e com a dificuldade de promover políticas nacionais de industrialização, será difícil agregar maior valor à produção e às exportações e diversificá-las, para reduzir a vulnerabilidade externa.

62. Em uma economia mundial em que países como a Índia e a China detêm cerca de 30% da população mundial, com índices de consumo de calorias extremamente baixos, e com economias em rápida e contínua expansão, já que a China cresceu a 10% a.a. em média nos últimos 30 anos e a Índia a 8% a.a. nos últimos dez anos, com escassez crescente de minérios e alimentos, em um contexto de acirrada disputa mundial por recursos, a América do Sul é vista como uma fonte especialmente importante desses recursos.

63. Até 2022 essas tendências tenderão a se agravar devido às tendências do sistema mundial, ao tipo de inserção da região na economia global, às resistências das elites em implantar políticas econômicas e sociais capazes de ampliar com vigor a produção e ao mesmo tempo redistribuir riqueza e renda; à escassez de capital doméstico e à dificuldade de acesso ao mercado mundial para financiar a construção da infra-estrutura; às resistências dos grupos privilegiados em cada sociedade à necessidade de transformação social e de conferir maior poder político à grande massa da população.

64. Assim, em grande número dos Estados da América do Sul, em especial naqueles de menor população e território, as tendências econômicas, sociais e políticas continuarão a ser as mesmas que hoje se apresentam enquanto que as características estruturais se manterão. Somente um esforço muito grande, em que o Brasil teria especial responsabilidade, poderá começar a reverter essa situação.

Um Plano para a América do Sul
65. Após a II Guerra Mundial, os Estados Unidos constataram que os Estados europeus não conseguiriam reestruturar suas economias destruídas por falta de capital, inclusive para adquirir as máquinas e equipamentos necessários à reconstrução. De outro lado, a desmobilização de milhões de soldados americanos, seu regresso aos Estados Unidos e a redução drástica da produção bélica ameaçavam criar uma grave situação de desemprego. Diante da ameaça soviética, do prestígio dos movimentos socialistas e comunistas, alcançado na luta contra a ocupação nazista, do desprestígio das elites colaboracionistas e da necessidade de reativar a economia americana, lançaram os Estados Unidos o Plano Marshall, vasto programa de empréstimos e de doações dos Estados Unidos aos países europeus com o objetivo principal de acelerar a formação de capital, através do financiamento das importações de máquinas e equipamentos americanos.

66. A América do Sul vive uma situação “semelhante” à da Europa após a Segunda Guerra Mundial. A histórica exclusão da enorme maioria das populações de quase todos os países, em situação de extrema pobreza, a violência contra as populações oprimidas, a mortalidade infantil, a desnutrição, a droga, fazem com que morram por ano, na América do Sul, milhões de indivíduos, em uma verdadeira “guerra”, em um continente que necessita com urgência de um programa de construção. No passado, iniciativas como a Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso se revelaram insuficientes para enfrentar este desafio que, de lá para cá, se tornou maior e cada vez mais complexo.

67. Os países da região maiores e mais avançados, econômica e industrialmente, terão de articular programas de desenvolvimento econômico para estimular e financiar a transformação econômica dos países menores; abrir, sem exigir reciprocidade, seus mercados e financiar a construção da infraestrutura desses países e sua interligação continental. O Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul – FOCEM é um primeiro passo nesse sentido, ao reconhecer a especial responsabilidade dos países maiores no desenvolvimento do Mercosul e seus princípios podem servir como base para um programa, que terá de ser muito mais amplo, no âmbito sul-americano.

68. Caso o desenvolvimento de cada país da região for deixado ao sabor da demanda do mercado internacional e dos humores das estratégias de investimento das megaempresas multinacionais, as assimetrias entre os Estados da região, e dentro de cada Estado, se acentuarão assim como as tensões políticas e os ressentimentos, o que virá a afetar de forma grave as perspectivas de desenvolvimento do Brasil.

69. Muito tem sido feito pelo Brasil em termos de articulação política e de cooperação econômica nos últimos anos na América do Sul através do exercício paciente e persistente dos princípios de não intervenção, de autodeterminação e de cooperação. Mas as dimensões do desafio da América do Sul requerem esforços ainda maiores e mais persistentes, de uma duração que se deve medir por décadas.