sexta-feira, 30 de julho de 2010

A TRAGÉDIA INVISÍVEL DOS MARES !


As plantas microscópicas que alimentam toda a vida marinha estão morrendo em ritmo drástico, segundo um estudo inédito conduzido pela Universidade de Dalhousie, no Canadá, e publicado esta semana na revista “Nature”. A população oceânica de fitoplânctons, como estes seres são conhecidos, caiu cerca de 40% durante o século passado. Para os pesquisadores, a mudança está relacionada com o aquecimento global e as crescentes temperaturas da superfície do mar.

A reportagem é de Steve Connor e publicada pelo jornal Independent e reproduzida pelo jornal O Globo, 29-07-2010.
Os fitoplânctons são organismos marinhos microscópicos capazes de realizar fotossíntese, assim como as plantas terrestres. Encontrados nas camadas superiores dos oceanos, eles produzem uma quantidade significativa do oxigênio que respiramos.

Um declínio de 40% da população destes seres representaria uma mudança maciça na biosfera global. Se este índice for confirmado por outros estudos, poderá representar, de acordo com cientistas, um impacto maior do que a destruição de florestas tropicais e recifes de coral.

Impacto biológico sem precedentes
De acordo com o biólogo marinho Boris Worm, que participou do levantamento, as baixas populacionais foram constatadas principalmente na segunda metade do século XX.

— Se o ritmo de decréscimo permanecer o mesmo, algo realmente sério está acontecendo há décadas — alertou.
— Tentei pensar em uma mudança biológica maior do que esta, mas nada me ocorreu. A confirmação de nosso estudo significaria que o ecossistema marinho de hoje está muito diferente daquele de poucos anos atrás, e boa parte dessa mudança está acontecendo no oceano, onde não podemos vê-la.
A equipe da universidade canadense estudou os registros populacionais de fitoplânctons realizados desde 1899, quando a clorofila do fitoplâncton (pigmentos verdes) passou a ser monitorada regularmente.
Cerca de meio milhão de medições, promovidas durante todo o século XX, foram analisadas.
As contagens aconteceram em dez regiões do mundo. Em oito, a população de fitoplânctons declinou em taxas preocupantes, em uma média global de 1% ao ano.
O declínio é correlacionado ao aumento da temperatura na superfície do mar — embora os cientistas não consigam provar que os oceanos mais quentes tenham sido a causa da morte dos fitoplânctons.
De acordo com os pesquisadores, o estudo optou pela análise de um período tão longo para eliminar as conhecidas flutuações naturais de fitoplânctons que ocorrem de uma década para outra. Estas mudanças são normalmente atribuídas a oscilações na temperatura do oceano.
— Os fitoplânctons são um importante ator no suporte da vida no planeta — ressaltou Worm.
— Eles produzem metade do oxigênio que respiramos, retiram CO2 da superfície e ainda servem de alimento para todos os peixes.
Líder da equipe de pesquisa, que demorou três anos para concluir o estudo, Daniel Boyce também sublinhou a importância dos fitoplânctons e o impacto de sua população para o homem.
— Os fitoplânctons, base da vida nos oceanos, são essenciais na manutenção da saúde do mar — ponderou.

— Eles representam um combustível, e seu declínio afeta toda a cadeia alimentar, incluindo os seres humanos. Precisamos, por isso, nos preocupar com o seu declínio. Fizemos uma descoberta muito robusta e temos confiança em nossas conclusões.

Os fitoplânctons são afetados pela quantidade de nutrientes que vêm do fundo dos oceanos. No Atlântico Norte, eles “florescem” naturalmente na primavera e no outono, quando as tempestades levam estes alimentos para a superfície.
Um efeito das temperaturas crescentes foi deixar a coluna de água de algumas regiões equatoriais mais estratificadas, com água mais aquecida sobre camadas mais frias, dificultando a chegada de nutrientes para os fitoplânctons na superfície do mar.
Mares mais quentes nas regiões tropicais também são conhecidos por ter um efeito direto em limitar o crescimento de fitoplânctons.

Quem já viu um recife de coral, de perto ou na TV, talvez estranhe esta afirmação: oceanos quentes não são paraísos, mas desertos.

A reportagem é de Reinaldo José Lopes e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 29-07-2010.
A explicação, não muito cabeluda de entender, está no quadro acima. O que ocorre quando as águas da superfície estão muito quentes é que surge uma estratificação, ou seja, uma separação mais ou menos estanque entre líquido quente, no topo, e frio, nas profundezas.

Acontece que a maior parte dos nutrientes essenciais para que o fitoplâncton floresça se encontra nas águas frígidas do fundo. Se essa água não subir, o fitoplâncton - que também depende da luz do Sol e, portanto, precisa ficar perto da superfície - não consegue crescer.

GAIA AFOGADA

Não por acaso, a estratificação é uma das principais preocupações do cientista britânico James Lovelock, criador da atacada hipótese Gaia -a ideia de que a Terra funciona como um superorganismo vivo. Com ou sem Gaia, o diagnóstico de Lovelock é difícil de refutar: solapar o fitoplâncton é bagunçar a biosfera.

O novo estudo na "Nature", por sinal, viu uma correlação clara entre regiões com elevada temperatura superficial da água e queda no fitoplâncton. Para os pesquisadores, é um indício de que o aquecimento global está por trás do declínio das "plantas" microscópicas.

Se os dados estiverem corretos, aumenta a sombra do feedback positivo - ou seja, de um fenômeno que alimenta a si mesmo conforme cresce, como uma bola de neve - sobre o clima da Terra.

Isso porque o fitoplâncton é o principal responsável por absorver gás carbônico, mais importante dos gases-estufa. Resultado: mais aquecimento, impedindo ainda mais a reprodução do plâncton, o que desembocaria num clima ainda mais quente.

Não pense que os recifes de coral, que se aproveitam dos nutrientes oriundos dos continentes, conseguiriam se virar. Tanto eles quanto o fitoplâncton do mar aberto dependem, em larga medida, de "esqueletos" construídos com carbonato de cálcio.

No entanto, oceanos com mais gás carbônico têm água mais ácida -um ambiente nada favorável à formação das carapaças de carbonato. Os efeitos dessa acidez aumentada sobre a vida marinha já estão sendo notados.

Por todos esses motivos, o novo estudo envolve mais do que a preocupação com o atum do sushi, que está no topo da cadeia alimentar e depende do fitoplâncton.

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