Na próxima década, a Índia terá um crescimento econômico igual, senão superior, ao da China. E isso porque ela tem um sistema político democrático que permite a recomposição dos radicais conflitos sociais que caracterizam uma sociedade fortemente estratificada, onde as desigualdades de classe são acompanhadas por um sistema de castas que continua persistindo, apesar de todas as tentativas de superá-lo.A China, por seu lado, persegue o sonho antigo de construir um Estado ético que tem as suas raízes na filosofia política confuciana.
Prem Shankar Jha não usa meios termos para comparar o país do dragão ao do tigre, embora a sua análise não seja nada triunfalista.A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 26-05-2010.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os dois países, defende o economista indiano, devem enfrentar o aumento das desigualdades sociais que tornam a situação explosiva, apesar de os governos dos dois países estarem buscando introduzir mecanismos corretivos da economia de mercado. Porém, ele não tem dúvidas de considerar que tanto a Índia quanto a China são formas específicas de capitalismo, que diferem das europeias ou norte-americanas.Em primeiro lugar, o Estado central desenvolveu um papel de protagonista ao favorecer o desenvolvimento capitalista baseado no livre mercado. Além disso, o poder político sempre interveio para criar as condições necessárias para um regime de acumulação que preveja baixos salários, expropriações das terras – China e Índia ainda hoje são países onde a maioria da população é composta por agricultores.
Mas enquanto Pequim só recentemente está buscando incentivar os consumos internos, Nova Déli, ao contrário, buscou desenvolver uma classe média, aculturada e a ser empregada nos ateliês locais dos serviços oferecidos ao cliente das empresas multinacionais.
E quando, na entrevista realizada durante os trabalhos do Salão do Livro de Turim, lhe é perguntado por que, no seu último livro – "Quando la tigre incontra il dragone" [Quando o tigre encontra o dragão], Ed. Neri Pozza, 480 páginas, que já está nas livrarias italianas –, a crise econômica aparece só de passagem, ele responde que a economia mundial está em crise desde a metade dos anos 90 do século XIX, e que esse período viu os Estados nacionais e os órgãos multinacionais, como o G8 ou o G22, se moverem espasmodicamente para conter os efeitos sociais de um resgate do qual não se vê o fim.
Eis a entrevista.
No seu último livro, quando o senhor escreve sobre a China, um lugar relevante é dedicado aos conflitos entre o governo de Pequim e as autoridades políticas locais. Quando, ao invés, o centro da análise é a Índia, o senhor destaca o conflito entre uma formação social definida pelo senhor como "regime intermediário" e os novos empresários mais orientados à abertura da economia indiana ao capital estrangeiro. Em todo caso, são conflitos que funcionaram como estímulo propulsivo ao desenvolvimento econômico...Na China, a polaridade entre centro e periferia é pouco evidente, visto que se expressa nos cinco níveis de poder político existentes e que muitas vezes se sobrepõem. Na República Popular, muitas vezes, foi o centro que se tornou o vencedor, mas desde que Pequim abriu caminho para as reformas econômicas, no final dos ano 70 do século XIX, os membros do partido comunista local adquiriram sempre mais poder, erodindo a legitimidade da autoridade central. Alguns estudiosos consideram os dirigentes do partido em nível local como uma "nova burguesia" que se contrapõe ao poder invasivo do Estado central. Uma análise que não convence totalmente, porque não acredito que se possam aplicar mecanicamente categorias desenvolvidas para explicar as realidades europeias e norte-americanas a países que tiveram histórias e tradições políticas e econômicas diferentes, como as chinesas ou indianas. É preciso um trabalho de adaptação dessas mesmas categorias às histórias dessas duas realidades.Estou de acordo com o senhor sobre a necessidade de um trabalho de tradução de algumas categorias ocidentais para adaptá-las às realidades dos dois países.
Um trabalho, porém, que foi realizado, do seu ponto de vista, pelo partido comunista chinês e pelas lideranças econômicas e políticas indianas. Não acha?Seguramente, deve ser rejeitado qualquer preconceito exótico quando se analisam as realidades indianas e chinesas. Preconceito muito presente, pelo contrário, em muitos estudos "ocidentais" sobre esses dois países. No meu trabalho, me detive sobre esse deslocamento do poder do nível central para a periferia da China, porque as reformas econômicas lançadas no início dos anos 80 do século XIX previam, sim, uma cessão do poder do governo central ao local, mas em nome do renascimento da nação chinesa depois do século de humilhação e depois da reconstrução da unidade nacional por meio da República Popular. As "zonas econômicas especiais" nascem nesse contexto. O que Pequim certamente não podia prever é que os benefícios financeiros das zonas econômicas especiais permaneceriam nas mãos dos funcionários do partido local para consolidar o seu poder por meio de políticas clientelistas e até nepotistas. Pequim, depois, procurou retomar o controle. Às vezes, conseguindo, muitas outras vezes não. Podemos dizer que o conflito entre centre e periferia deu início a uma espécie de dinâmica e a uma potencialmente explosiva "gestão controlada da desordem".
A Índia, pelo contrário, conheceu, depois da conquista da independência, uma pacificação econômica muitas vezes definida como soviética, que favoreceu as empresas indianas, as classes médias, os agricultores, alguns setores da classe operária e os funcionários estatais. Tudo isso certamente ocorria em um contraditório processo de modernização da sociedade, que não aboliu as castas, mas que garantiu uma significativa mobilidade social, exemplificada pelo acesso de milhões de indianos às universidades.Um aspecto importante a ser destacado é a recente eclipse desse "regime intermediário". Expressão que indica o bloco social que se constituiu na Índia a partir da conquista da independência e que foi o promotor de um intenso nacionalismo econômico e de um contraditório estado de bem estar social a favor das camadas populares da população. O partido que melhor representava o "regime intermediário" foi o partido do congresso, embora, em nível dos Estados individuais, como em Bengala, um papel relevante para sustentá-lo foi desenvolvido pelo partido comunista. Com a globalização, tudo isso entra em crise, e ganham espaço propostas que visam à abertura do mercado indiano aos capitais "estrangeiros". Por isso a desregulamentação do mercado de trabalho, que cria um dualismo entre classe operária sindicalizada e protegida e uma classe operária menos garantida, constituída pelos "migrantes internos". Ao mesmo tempo, assistimos a privatizações e fusões de empresas indianas com empresas inglesas, norte-americanas, japonesas e australianas. Assim como na China, houve também na Índia um deslocamento do baricentro do poder do centro para a periferia.A China muitas vezes é descrita como a "fábrica do mundo". A Índia, ao invés, foi retratada como o país escolhido pelas empresas high-tech para as suas estratégias de descentralização produtiva...A China é a fábrica do mundo, mesmo que estejamos assistindo a um fenômeno muito importante para se avaliar se ela conseguirá continuar sendo isso. As empresas têxteis, as que produzem componentes eletrônicos "pobres", como os microprocessadores, começaram a preferir países como o Vietnã, onde os salários são mais baixos do que na China. Empresas de Taiwan, por exemplo, depois de ter aberto fábricas que produziam microprocessadores ou componentes da eletrônica de consumo na China, agora as estão mudando para outros países da mesma região. Isso para dizer que muitas nações ambicionam se tornar a "fábrica do mundo" e que a China deverá, em um futuro próximo, enfrentar a sua concorrência.
Uma "fábrica do mundo", baseada em uma exploração intensiva da força de trabalho que lembra a revolução industrial na Europa: jornadas de trabalho que não se sabe quando começam nem quando terminam, salários no limite da subsistência, ausência de garantias sobre a aposentadoria ou sobre a cobertura de saúde, enquanto o sindicato oficial garantiu, com as boas ou com as más, a disciplina da classe operária. Agora, as autoridades políticas de Pequim dizem que querem apontar para a "green-economy", a alta tecnologia, o software, as telecomunicações, fomentando um grande exército de laureados em matérias científicas. Ainda estamos no início da passagem de uma economia voltada à exportação para uma economia com intencionalidades hegemônicas, e é difícil prever se os propósitos de Pequim terão sucesso. Limito-me, assim,a destacar que grande parte dos recursos financeiros que afluíram aos cofres de Pequim ou do poder local veem das concessões das terras às empresas privadas.
Essas "enclosures" modernas empobreceram centenas de milhões de agricultores chineses. Também nesse caso, podemos estabelecer analogias com a revolução industrial, evocando assim as "enclosures" das terras comuns na Inglaterra do século XVIII. Mas, diferentemente daquele tempo, as terras foram dadas às empresas privadas para assentar fábricas em troca de indenizações que o poder político que investir em obras faraônicas que deveriam modernizar o sistema dos transportes, das telecomunicações, do provisionamento hídrico. Isso quer dizer favorecer economicamente as empresas tradicionais, como as da construção, do aço.A Índia não apontou ao "high-tech". Mais prosaicamente, as empresas multinacionais a escolheram como escritório administrativo dos serviços oferecidos ao cliente. Os indianos falam inglês, e muitos "call centers" de empresas anglo-saxônicas e norte-americanas se mudaram para o meu país porque os salários são mais baixos do que em outros lugares. É diferente o caso do software, porque a sorte do distrito de Bangalore deriva do fato de que é nessa região que se produzem parte – algumas pesquisas defendem mais de 65% - dos programas de informática das "software houses" globais.
Dito isso, tenho muitas dúvidas se a Índia pode se tornar a fábrica do software do mundo.
Portanto, deve ser especificado que os componentes e o software produzidos na China ou na Índia são montados nos Estados Unidos ou em outros países, que mantêm assim o controle do ciclo produtivo. Isso para dizer que o crescimento econômico dos dois países foi, sim, significativo, mas dizer que se tornarão as próximas duas superpotências remove o fato de que o poder em nível global depende também de outros fatores, como a capacidade diplomática-militar de condicionar os equilíbrios geopolíticos. Certamente, não quero negar um deslocamento de poder em nível mundial. A URSS entrou em colapso, e a Rússia atual deve o seu crescimento só graças às fontes energéticas no seu território, os Estados Unidos estão vivendo uma profunda crise econômica e social, a União Europeia se debate. A possível transformação da Índia ou da China em superpotências não é, porém, um processo linear.
Há fatores internos e externos que podem impedi-la. Na China, por exemplo, as "ações de distúrbio da ordem pública", isto é, as greves e as revoltas, se tornaram tão frequentes que Pequim quase as admite abertamente pelo temor que de poderiam fazer explodir o projeto de sociedade harmônica buscado pelo partido comunista chinês. Na Índia, há uma guerrilha naxalita que está se estendendo a todo o país e que tem como protagonista um partido comunista que poderíamos definir como maoísta.Mas os conflitos sociais e de classe poderiam favorecer evoluções da situação impensáveis até alguns dias antes. As empresas indianas e chinesas certamente não têm uma grande capacidade de produzir inovações técnico-científicas, de planejamento, de políticas voltadas à valorização da marca. Além disso, a divisão internacional do trabalho não é um elemento estático, mas dinâmico. Os conflitos sociais poderiam acelerar algumas tendências, como a escolha de Pequim de investir em setores como a pesquisa científica, as biotecnologias, a microeletrônica. Ou obrigar o governo de Nova Déli a favorecer setores como a indústria automobilística, da construção. Enfim, a divisão internacional do trabalho deve contemplar uma variável, a do poder político.
Não acha?
Eu digo que há um problema de democracia. A Índia tem um sistema político democrático que poderia favorecer uma evolução que garanta um crescimento econômico maior do que o chinês. Na China, ao contrário, não há democracia, e os conflitos sociais não têm o lugar para serem recompostos. Mas há um aspecto que une os dois países: a corrupção. Um fenômeno tão difundido que se tornou parte integrante da atividade econômica. Isso poderia fazer implodir os dois países. Para o resto, penso que um desenvolvimento econômico de tipo capitalista sem democracia corre o risco de se desfazer, porque a democracia garante a circulação das ideias, fator sempre mais importante no desenvolvimento econômico.Uma situação explosiva depois da grande desordemEconomista muito estimado na Itália e também por órgãos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, Prem Shankar Jha, além da atividade de comentarista da realidade indiana, publicou o livro "Caos prossimo venturo" (Ed. Neri Pozza), onde analisa a globalização na perspectiva da "economia mundo", elaborada por Fernand Braudel.No que se refere à análise dos últimos episódios chineses, devem ser lembrados os livros de Giovanni Arrighi "Adam Smith a Pechino", de Wang Hui "Impero o stato-nazione?" (Ed. Academia Universa Press), "La grande divergenza" de Pomeranz Kenneth (Ed. Il Mulino) e a coleção de ensaios, organizada por Gigi Roggiero, "La testa del drago" (Ed. Ombre corte).