terça-feira, 24 de novembro de 2009

SOLUÇÕES PARA A FOME...

AS SOLUÇÕES PARA A FOME SÃO MUITAS... DEPENDEM DE NÓS...
"O grande número de famintos não depende de uma escassa disponibilidade de comida, mas sim da pobreza. Para mais de um bilhão de pessoas, o alimento é um recurso inacessível, porque a sua renda não é suficiente para comprar as 2.500 calorias diárias necessárias. Os governos do mundo, alguns mais, outros menos, contribuíram diretamente para aumentar a inacessibilidade à comida, seja com as políticas agrícolas e comerciais de longo prazo, seja com as políticas financeiras dos últimos anos."Essa é a opinião do sociólogo italiano Luciano Gallino, em artigo para o jornal La Repubblica, 20-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No mundo, os indivíduos que passam fome superaram o bilhão, quando há apenas dois anos eram 850 milhões. Querendo encontrar um mérito à FAO, que se reuniu em Roma para discutir sobre segurança alimentar, pode-se dizer que, em 2007, ela havia previsto corretamente quando afirmou que, após a crise financeira, mais de 100 milhões de indivíduos alcançariam rapidamente as fileiras daqueles que, a cada manhã, se perguntam se encontrarão alguma coisa para comer antes da noite.

Mas à parte dessa pequena satisfação, a cúpula romana demonstrou como as organizações humanitárias como a FAO são impotentes com relação aos governos do mundo. A eles, os famintos importam pouco: votam raramente e são péssimos consumidores.O grande número de famintos não depende de uma escassa disponibilidade de comida, mas sim da pobreza. Para mais de um bilhão de pessoas, o alimento é um recurso inacessível, porque a sua renda não é suficiente para comprar as 2.500 calorias diárias necessárias. Os governos do mundo, alguns mais, outros menos, contribuíram diretamente para aumentar a inacessibilidade à comida, seja com as políticas agrícolas e comerciais de longo prazo, seja com as políticas financeiras dos últimos anos.

Um passo decisivo nessa direção foi dado há exatos nove anos. Poucos dias antes do Natal de 2000, o presidente Clinton assinava uma lei sobre a Modernização dos Derivados no setor das mercadorias – inclusive os produtos alimentícios. A lei subtraía quase totalmente os produtos financeiros derivados, incluindo os contratos a termo ou futuros, do controle das comissões competentes e abria a porta à proliferação desenfreada dos derivados trocados fora das bolsas. O seu valor nominal superou em 2008 os 700 trilhões de dólares – 12 vezes o PIB do mundo.

No início de 2006, a avalanche dos derivados não regulados abateu-se sobre os produtos alimentícios. Fundos comuns de investimentos, fundos de pensão, fundos de proteção (hedge funds) e outros investidores institucionais em busca de maiores rendimentos investiram centenas de bilhões de dólares em derivados do qual produtos alimentícios dependiam, fazendo crescer o valor desses títulos. Com dois resultados.

O primeiro foi um enorme aumento dos preços internacionais do arroz, do trigo, do milho, da soja entre 2006 e 2008, já que o valor dos derivados serve geralmente como referência para os preços nos mercados alimentares. Depois do pico dos primeiros meses de 2008, os preços dos alimentos básicos diminuíram muito, mas continuam 30-100% mais altos com relação a 2006. Outras apreciáveis reduções são previsíveis para os próximos anos.

Um outro resultado deve ser visto na redistribuição do poder entre os produtores e consumidores de produtos alimentícios e as instituições financeiras. Um relatório do Instituto para a Agricultura e o Comércio norte-americano, de março de 2008, informava que dois dos maiores bancos de negócios, Goldman Sachs e Morgan Stanley, tinham em seu portfólio contratos a termos ou de futuro de um total de 1,5 bilhão de bushel de trigo (o bushel vale cerca de 36 litros ou 27 quilos e é usado frequentemente para medir grãos). Nenhum produtor ou comerciante do mundo teve alguma vez nos seus silos uma quantidade de grãos semelhante.

Portanto, se os governos quisessem verdadeiramente combater a fome do mundo, teriam à disposição um instrumento simples e eficaz. Bastaria vetar a emissão e a circulação fora das bolsas de derivados que têm alimentos básicos como dependentes. É quase certo que, em curto prazo, os preços destes últimos cairiam alguns pontos e da mesma forma milhões de pessoas a mais conseguiriam se alimentar. De fato, para cada ponto percentual a mais ou a menos do preço dos alimentos básicos, alguns milhões de pessoas saem do rank dos famintos, ou nele entra.Com o objetivo de reduzir em 50% o número dos famintos até 2015, disseram os dirigentes da FAO, seriam precisos 44 bilhões de dólares por ano.

Nem o objetivo nem a cifra constituem uma novidade. O primeiro foi enunciado em Roma em 1996 na Cúpula Alimentar Mundial promovido pela própria FAO. No ano 2000, ele se tornou parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, lançados com grande pompa pelas Nações Unidas e assinado por 190 países. Em 2003, a FAO ainda propôs um Programa Antifome que ia na mesma direção. Chegando em 2009, é quase evidente que será impossível reduzir pela metade os famintos até 2015 em amplas regiões do planeta, que compreendem a África subsaariana, a Ásia meridional, a América Latina e o Caribe, mais a parte asiática da Federação Russa.O problema, naturalmente, é o dinheiro.

Dez mais, dez menos, a quantia de 44 bilhões por ano circula também pelo menos há uma década. Os países mais desenvolvidos é que deveriam fornecê-los. Nas cúpulas anteriores, eles fingiram não ouvir, ou formularam promessas que não se imaginava que iriam manter. Durante a última cúpula romana, eles finalmente esclareceram: não irão investir nenhum dólar. Existem outras prioridades. E aqui, admitindo que a palavra ainda conserva seu significado de comportamento que causa indignação, estamos verdadeiramente em um escândalo. Porque 44 bilhões representam apenas 0,36%, ou seja, um terço de um ponto percentual da soma que os governos dos EUA, da União Europeia, do Japão e de alguns outros investiram em menos de dois anos para salvar suas instituições financeiras da falência.Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional que remontam a agosto passado, e portanto deverão ser quase certamente revistas com o aumento, os países do G20 já gastaram ou se comprometeram a gastar até 2011 cerca de 12 trilhões de dólares para enfrentar os gastos da crise financeira.

A quantia compreende injeções diretas no capital dos bancos e de sociedades industriais, aquisição de títulos invendáveis no mercado, proteções à liquidez e garantias ao débito. Não se trata só de dinheiro dos contribuintes.

Em boa parte, trata-se também de dinheiro criado do nada pelos bancos centrais. As razões alegadas para salvar as instituições financeiras são múltiplas e (quase) todas fundadas. Mas o fato de que um sistema econômicos que encontra ou cria em menos de dois anos 12 trilhões de dólares para suas próprias finanças, para afirmar depois na cúpula de Roma que não dispõe de 1/272 dessa soma por ano para proteger um bilhão de pessoas da fome, leva a pensar que, em alguma parte, isso tem alguma coisa profundamente errada.

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