Miséria e desmatamento são os principais responsáveis pelo aparecimento de novas infecções e pela volta de surtos que pareciam ter sido erradicados da Terra. A reportagem é de Jennifer Koppe e está publicada no jornal Gazeta do Povo, 14-09-2009.
No fim do século passado, acreditava-se que seria possível erradicar todas as doenças infecciosas do planeta e que a única preocupação da humanidade seriam as doenças crônico-degenerativas. A explosão da aids, durante a década de 1980 e o reaparecimento de doenças que tinham praticamente sumido do mapa como a dengue e a tuberculose, fez com essa teoria caísse por terra.
A pandemia da influenza A (H1N1), a chamada gripe suína, que hoje se espalha pelo mundo nos alerta para o fato de que, provavelmente, jamais nos livraremos das doenças infecciosas – o que não quer dizer que seremos para sempre reféns dos vírus e bactérias que parecem tomar conta do mundo. O controle e a vigilância constante são as armas que temos para combatê-los.
Podemos classificar as doenças infecciosas como emergentes e reemergentes. As emergentes, como explica a epidemiologista Mirian Marques Woiski, chefe do Departamento de Vigilância e Controle em Agravos Estratégicos do Estado do Paraná, são as doenças novas, que nunca existiram em um determinado meio ou que já existiam, mas nunca chegaram a atingir o homem. “Também podemos chamar de emergentes as doenças que causaram infecções em outras populações e que chegam a uma nova região, pela primeira vez. Caso da micobactéria, que já existia em outros estados do Brasil, mas que só chegou ao Paraná em 2007.”
As reemergentes, por sua vez, são doenças que apareceram, foram controladas, mas que voltaram a se manifestar depois de um determinado período. “A dengue e o cólera são alguns exemplos aqui no Brasil. É comum o vírus sofrer uma mutação ou se combinar com outros e voltar a atacar com novas características”, explica.
Por isso, o controle e prevenção da doença, principalmente por meio da vacinação, é fundamental. “Temos a falsa impressão de que doenças imunoprevisíveis como o sarampo e a poliomielite foram completamente erradicadas. Mas, na verdade, se não continuarmos tomando as precauções necessárias, elas podem voltar. É mais difícil manter controlada uma doença que ‘não existe mais’ do que controlar doenças novas, que chamam a atenção da população sobre os cuidados que devem ser tomados, como é o caso da gripe suína. Com doenças como o sarampo, é comum baixar a guarda. Pais deixam de vacinar os filhos, por exemplo, pensando não haver mais riscos”, explica Woiski.
Causas e controle
O comportamento humano é o principal culpado pelo aparecimento e pela transmissão desses patógenos. O desmatamento e a invasão das florestas fez com que a nossa convivência com diferentes espécies de animais se tornasse mais próxima, segundo a infectologista Rosana Camargo, diretora do Hospital Oswaldo Cruz. “Para sobreviver, muitos animais migram para as áreas urbanas. É o caso da hantavirose. Enquanto nós desmatamos o habitat dos ratos silvestres, eles se aproximaram dos galpões de grãos, em busca de alimento e passaram a transmitir a doença.”
O acúmulo de lixo e a falta de saneamento básico, comum nas periferias das grandes cidades, também contribui para a disseminação das doenças, ao provocar o aumento das populações de mosquitos e outros animais que servem como vetores.
A facilidade de deslocamento para outros estados e países é outro fator que aumenta a velocidade das transmissões, causando surtos. Seria o preço da globalização. “Muitas doenças chegaram ao Brasil dessa forma. Caso da febre amarela, que foi trazida da África”, lembra Mirian Woiski.
Para Rosana Camargo, é necessário investir na educação da população sobre as doenças e em um sistema integrado de comunicação para minimizar o impacto das doenças emergentes. Mas, apesar das limitações, os órgãos de vigilância tem conseguido impedir diversos surtos no país. “Conseguimos conter doenças a síndrome respiratória aguda severa (Sars) e a febre do Nilo. Mas esse controle não envolve apenas o trabalho dos órgãos de saúde. É preciso trabalhar em conjunto com outras áreas como agricultura e meio ambiente”, aponta Woiski.
Explosão da aids foi choque de realidade
A explosão da aids durante a década de 80 foi uma espécie de “tapa na cara”, que acabou de vez com a esperança de livrar o mundo das doenças infecciosas. Sem vacina, sem tratamento e se espalhando em um ritmo assustador, o misterioso mal causou pânico e se tornou a doença emergente mais temida pela população.
O Hospital Oswaldo Cruz, em Curitiba, que na época era referência no tratamento de diversas doenças infecciosas, passou a receber pacientes com HIV e teve de se adaptar, rapidamente, a uma nova realidade. “Existia muito preconceito em relação à aids, pois estava ligada ao sexo e ao uso de drogas ilícitas. Nenhum hospital queria atender esses pacientes, por isso passamos a recebê-los em troca de outros com meningite, hepatite e leishmaniose”, lembra a médica Rosana Camargo, diretora do hospital.
A especialista conta que, no início da pandemia, não havia nada a fazer a não ser acompanhar o doente até a morte. “Hoje, a realidade é outra. A maioria dos pacientes pode viver uma vida normal, em sociedade e sem apresentar nenhum sintoma, graças aos tratamentos que existem”, conta. A banalização da aids, entretanto, causada justamente pela eficiência do tratamento, fez com que casos graves da doença voltassem a aparecer nos últimos dois anos. “Muitos pacientes, além de terem tido um diagnóstico tardio, não estão se tratando e, por isso, estão apresentando sintomas, como o sarcoma de Karpos, que só existiam no início da epidemia. No momento, temos seis pacientes internados com tuberculose, o que costumava ser raro”, completa.
A médica lembra que, embora o tratamento exista, a aids continua sendo uma doença letal e cercada de preconceito. “Estamos ampliando o hospital para poder oferecer aos pacientes uma unidade de terapia intensiva e equipamentos para a realização de diversos exames porque ainda encontramos muita resistência ao mandar um paciente nosso a uma UTI convencional”, explica.
Embora atualmente 98% dos pacientes do Hospital Oswaldo Cruz sejam portadores de HIV, o plano é tornar-se um instituto de infectologia referência no tratamento de outras doenças infecciosas.