segunda-feira, 22 de junho de 2009

A REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL !

"no momento em que as autoridades econômicas mundiais implementam políticas econômicas keynesianas e acenam com a possibilidade de se arquitetar uma nova ordem do SMI e o pensamento convencional de fé na eficiência dos mercados livres e desregulados é seriamente questionado, o resgate das ideias de Keynes acerca de políticas fiscal e monetária ativas e da reestruturação do SMI são essenciais para um desfecho menos sombrio para a crise financeira internacional e, principalmente, para a prevenção, em um futuro próximo, de outras crises financeiras que, en passant, são intrínsecas à lógica operacional das economias monetárias", escrevem Fernando Ferrari Filho, professor titular da UFRGS, pesquisador do CNPq e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), Luiz Fernando de Paula professor adjunto da UERJ, pesquisador do CNPq e vice-presidente da AKB, em artigo publicado no jornal Valor, 22-06-2009.
Eis o artigo.
A presente crise financeira internacional - diga-se de passagem, inicialmente restrita às instituições financeiras americanas que se envolveram com créditos hipotecários de alto risco (subprime) e posteriormente dinamizada globalmente, uma vez que grande parte dessas hipotecas foi securitizada e distribuída a investidores do mercado financeiro -, cujo desdobramento acabou afetando profundamente a atividade econômica tanto dos países desenvolvidos, em maior escala, quanto dos países emergentes, tem gerado um consenso acerca da necessidade de se reestruturar o sistema monetário internacional (SMI), condição imprescindível para que a economia mundial volte a experimentar períodos de estabilidade e de crescimento dos níveis de produto e emprego.
Indo nessa direção, em abril passado o presidente do Banco Popular da China e os países membros do G-20 apresentaram algumas propostas que visam reestruturar o SMI. O presidente do banco chinês sugeriu a substituição do dólar como moeda de conversibilidade internacional por uma moeda universal, soberana e independente das decisões dos bancos centrais nacionais. De outro lado, o G-20 propôs, além da criação de uma linha de crédito emergencial de cerca de US$ 1,1 trilhão para aumentar o volume de funding do Fundo Monetário Internacional e dos bancos de desenvolvimento multilaterais e para financiar o comércio mundial, marcos regulatórios para o sistema financeiro - principalmente dos hedge funds -, reforma das instituições financeiras e restrições aos paraísos fiscais, entre outras medidas.
As proposições acima nos remetem à proposta de Keynes apresentada na conferência de Bretton Woods, em 1944, qual seja, a criação de uma autoridade monetária internacional, International Clearing Union (ICU), emissora de uma moeda de reserva internacional (bancor) não passível de entesouramento e especulação por parte dos agentes econômicos e com o objetivo específico de lastrear as relações comerciais e financeiras do SMI. Para que essa moeda pudesse dinamizar as operações econômicas entre os países, a estabilidade do SMI, segundo Keynes, deveria ser assegurada pela adoção de regras cambiais fixas, porém ajustáveis, e pela implementação de controle dos fluxos de capitais de curto prazo, essencialmente especulativos.
Ciente de que em economias monetárias da produção a organização dos mercados financeiros enfrenta um dilema entre liquidez e investimento - eles estimulam o desenvolvimento da atividade econômica, mas ao mesmo tempo aumentam as possibilidades dos ganhos especulativos -, a ideia central de Keynes, com sua ICU, era tornar a liquidez internacional mais elástica para expandir a demanda efetiva mundial. Para tanto, o bancor, em conjunto com as sistemáticas de taxas de câmbio administradas e de cerceamento da capacidade desestabilizadora dos fluxos de capitais de curto prazo, sinalizaria a convenção estabilizadora das expectativas dos agentes econômicos, fundamental para, ao reduzir o grau de incerteza acerca do comportamento futuro dos preços dos ativos e/ou contratos, induzir as suas tomadas de decisão de gastos, sejam de consumo, sejam de investimento, expandindo, por conseguinte, a atividade econômica e o nível de emprego em nível mundial.
A ironia do mundo globalizado e alicerçado no "fundamentalismo" da lógica autorreguladora dos mercados é que a solução para a crise financeira internacional passe, em termos práticos, pela implementação, por parte das principais autoridades econômicas mundiais, de políticas fiscais e monetárias contracíclicas keynesianas, e ainda por uma proposição de reestruturação do SMI de algum modo similar à apresentada por Keynes quando da conferência de Bretton Woods.
Em relação à praticidade das políticas fiscais e monetárias contracíclicas, as autoridades econômicas das principais economias mundiais, cientes de que a crise atual está relacionada à ausência de atuação do Estado e de uma regulamentação adequada, têm atuado agressivamente para atenuar o recrudescimento da crise financeira internacional e sua propagação prolongada para o lado real da economia mundial.
Assim, as políticas econômicas que foram implementadas nos últimos meses pelos EUA, nos países da zona do euro, no Japão e na China mostram que a crise deve ser enfrentada por meio da atuação de um banco central como prestador de última instância e da adoção de políticas fiscais expansionistas. Em suma, as autoridades econômicas dos referidos países estão implementando medidas econômicas essencialmente keynesianas de expansão da demanda efetiva.
Em termos teóricos, as proposições apresentadas pelo Banco Popular da China e pelo G-20 merecem duas reflexões. Por um lado, as referidas instituições reconhecem, assim como Keynes o fazia na "Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda", que a liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros pode levar "as atividades econômicas de um país a tornarem-se um subproduto das atividades de um cassino". Por outro, as propostas sinalizadas pelo Banco Popular da China e pelo G-20 convergem para a proposta que Keynes apresentou há mais de 60 anos: reestruturação do SMI para que ele possa manter a estabilidade dos preços, provimento da liquidez necessária para a economia mundial e regulação dos ciclos econômicos.
Concluindo, no momento em que as autoridades econômicas mundiais implementam políticas econômicas keynesianas e acenam com a possibilidade de se arquitetar uma nova ordem do SMI e o pensamento convencional de fé na eficiência dos mercados livres e desregulados é seriamente questionado, o resgate das ideias de Keynes acerca de políticas fiscal e monetária ativas e da reestruturação do SMI são essenciais para um desfecho menos sombrio para a crise financeira internacional e, principalmente, para a prevenção, em um futuro próximo, de outras crises financeiras que, en passant, são intrínsecas à lógica operacional das economias monetárias.

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