Na Reunião do G-8 de L’Aquila, de 8 a 10 de julho na Itália, a segurança alimentar estará outra vez em pauta. Mas, finalmente, o tema será levado a sério? A reportagem é de Laetitia Clavreul e Adrien de Tricornot e está publicada no jornal francês Le Monde, 30-06-2009. A tradução é do Cepat.
“De reunião em reunião, assistimos a grandes declarações sobre a fome, e são feitas promessas de doações. Mas não há nem seguimento nem sanções”, deplora Olivier de Schutter, relator especial da ONU sobre o Direito à Alimentação.
Há um ano, de 3 a 6 de junho, uma “conferência de alto nível sobre a segurança alimentar mundial” foi realizada na sede da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação em Roma e reuniu 42 chefes de Estado e de governo. Foram prometidos 22 bilhões de dólares em ajudas. A declaração final julgava “urgente” a ajuda aos países em desenvolvimento e em transição para investirem mais e desenvolverem a sua produção agrícola e alimentar. Mas, apenas 2,5 bilhões de dólares foram efetivamente alocados até hoje.
Uma parte das promessas foi, certamente, escalonada para cinco anos e outra parte sofre de crônica imprecisão. Mas muitos compromissos estão suspensos, uma vez que a crise financeira prevaleceu. Mas bastaria menos de um centésimo das somas consagradas aos planos de retomada do crescimento e de salvamento de bancos...
“Hoje é importante destacar que o tempo das palavras acabou”, disse Jacques Diouf, diretor-geral da FAO, no começo de junho comentando a crise alimentar no Fórum Mundial de Cereais em São Petersburgo. Suas palavras são o sinal de que muito poucas decisões concretas foram tomadas para retomar a agricultura dos países pobres ou para regular melhor os mercados.
Os preços globais recuaram depois de boas safras e os “tumultos da fome” se distanciaram. Mas a crise econômica golpeia ainda mais duramente. Em 2009, o número de pessoas com fome deverá passar de um bilhão, segundo a FAO.
Apesar das boas intenções anunciadas, a agricultura sofre para tornar-se uma prioridade. A parte de ajuda pública para o desenvolvimento que lhe é consagrada foi dividida por mais de cinco em 25 anos, passando de 18,1%, em 1979, para 3,5%, em 2004, lembraram as coalizões italianas de Ongs e a CCFD Terra Solidária em abril, por ocasião da reunião dos Ministros da Agricultura do G-8. Essas organizações exigem o retorno ao nível de 30 anos atrás.
A questão agrícola depende de três Agências da ONU – Programa Alimentar Mundial (PAM), FAO e Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola –, assim como da Organização Mundial do Comércio, o que dificulta a sua condução.
Além disso, os Estados sofrem para superar os seus interesses divergentes. Em plena crise, em 2008, não foi possível haver entendimento sobre questões chaves, como os biocombustíveis, ou as subvenções agrícolas do Norte que desestruturam a agricultura familiar do Sul. Desde então, o debate não avançou. Houve, isso sim, consenso sobre os erros do passado, com a denúncia da dependência crescente dos países em desenvolvimento em relação aos mercados agrícolas mundiais.
Seguindo as políticas estruturais ditadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional nos anos 1990, os países em desenvolvimento abandonaram as culturas de subsistência pela cultura e exportação de algodão, café ou outros produtos tropicais, e sofreram em cheio, vinte anos depois, a explosão das cotizações dos produtos alimentares. Todos estão, pois, de acordo sobre a necessidade de apoiar a agricultura camponesa... sem, contudo, oferecer os meios.
Outros assuntos mais importantes continuam sendo debatidos, tais como a liberalização das trocas ou a regulação dos mercados. Sobre esse ponto, a crise financeira deu a esperança de que a reflexão prosseguirá. O assunto deverá ser evocado em L’Aquila. Mas ninguém garante que haverá progressos. “Cenários são propostos e a vontade política deve prosseguir a partir de agora”, insiste De Schutter.
Uma proposta feita pelo Instituto de Pesquisa International Food Policy Research Institute (IFPRI) de Nova York, com o economista-chefe do Banco Mundial Justin Lin, evoca assim três linhas de defesa diante de uma explosão dos preços dos alimentos como aquela de 2008: por um lado, uma reserva alimentar de urgência, independente, poderia ser criada e confiada ao PAM.
Em seguida, um sistema internacional de estoques públicos de cereais, sob o auspício da ONU, poderia ser implantado para alimentar o mercado em caso de desequilíbrio.
Enfim, os países participantes se comprometeriam também com a constituição de uma reserva financeira que permitisse intervir nos mercados derivados agrícolas em caso de explosão dos preços devido à especulação.
Os autores destas propostas destacam que elas completariam as outras reformas necessárias dos mercados agrícolas: evitar as proibições de exportações às quais tiveram que recorrer alguns países em 2008, regular melhor os mercados físicos e os mercados derivados. Mas resta muito a fazer: um relatório de pesquisa bipartidário do Senado norte-americano, publicado no dia 24 de junho e intitulado Especulação excessiva sobre o mercado do trigo, recomenda enquadrar melhor as atividades dos Fundos que investem nos índices de matérias-primas.
Mas, no final das contas, muito poucas reformas e ações já foram realizadas, num momento em que é urgente agir. “O que nós vivemos em 2008 deve ser tomado como alarme”, lembra Abdolreza Abbassian, economista da FAO. No começo de junho, a Agência anunciou que mesmo que “as ofertas alimentares mundiais parecem menos vulneráveis aos choques do que no ano passado”, subsistem “potenciais perigos”.
Assim, se devemos nos alegrar com uma produção mundial recorde que permite a reconstituição dos estoques, é preciso notar que ela vem dos países ricos e não dos países em desenvolvimento importadores, porque não tiveram os recursos para investir em adubos ou transformar terras em cultura.
Os países pobres, e especialmente os africanos, não dispõem dos recursos para implementar políticas agrícolas, ou simplesmente para que os agricultores possam participar do mercado. Por falta de silos, eles não podem estocar sua produção para vendê-la a um preço melhor; na falta de estradas ou de vias férreas, não podem enviar a sua produção aos lugares de venda. O problema é conhecido, mas os investimentos para resolvê-lo não são financiados.
Portanto, a crise funcionou como um alarme em alguns países ricos em capital, mas pobres em terra e em água – como os Estados do Golfo –, ou cuja população é numerosa – como a Índia, a China e a Coreia do Sul. Testemunham-no o fenômeno da compra de terras no exterior que está se ampliando. Estes Estados desejam, com efeito, garantir por esse viés seu fornecimento de arroz, milho ou de óleo de palma.
A situação dos países pobres é inquietante. Os Objetivos do Milênio – redução pela metade do número de pessoas que sofrem de subalimentação até 2015 – tinham sido reafirmados na reunião de Roma, em junho de 2008. Agora, calcula Diouf, eles não são “mais realistas”. “Um mundo esfomeado é um mundo perigoso”, prevê Josette Sheeran, diretora do PAM. A tomada de consciência já não é mais suficiente.
“De reunião em reunião, assistimos a grandes declarações sobre a fome, e são feitas promessas de doações. Mas não há nem seguimento nem sanções”, deplora Olivier de Schutter, relator especial da ONU sobre o Direito à Alimentação.
Há um ano, de 3 a 6 de junho, uma “conferência de alto nível sobre a segurança alimentar mundial” foi realizada na sede da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação em Roma e reuniu 42 chefes de Estado e de governo. Foram prometidos 22 bilhões de dólares em ajudas. A declaração final julgava “urgente” a ajuda aos países em desenvolvimento e em transição para investirem mais e desenvolverem a sua produção agrícola e alimentar. Mas, apenas 2,5 bilhões de dólares foram efetivamente alocados até hoje.
Uma parte das promessas foi, certamente, escalonada para cinco anos e outra parte sofre de crônica imprecisão. Mas muitos compromissos estão suspensos, uma vez que a crise financeira prevaleceu. Mas bastaria menos de um centésimo das somas consagradas aos planos de retomada do crescimento e de salvamento de bancos...
“Hoje é importante destacar que o tempo das palavras acabou”, disse Jacques Diouf, diretor-geral da FAO, no começo de junho comentando a crise alimentar no Fórum Mundial de Cereais em São Petersburgo. Suas palavras são o sinal de que muito poucas decisões concretas foram tomadas para retomar a agricultura dos países pobres ou para regular melhor os mercados.
Os preços globais recuaram depois de boas safras e os “tumultos da fome” se distanciaram. Mas a crise econômica golpeia ainda mais duramente. Em 2009, o número de pessoas com fome deverá passar de um bilhão, segundo a FAO.
Apesar das boas intenções anunciadas, a agricultura sofre para tornar-se uma prioridade. A parte de ajuda pública para o desenvolvimento que lhe é consagrada foi dividida por mais de cinco em 25 anos, passando de 18,1%, em 1979, para 3,5%, em 2004, lembraram as coalizões italianas de Ongs e a CCFD Terra Solidária em abril, por ocasião da reunião dos Ministros da Agricultura do G-8. Essas organizações exigem o retorno ao nível de 30 anos atrás.
A questão agrícola depende de três Agências da ONU – Programa Alimentar Mundial (PAM), FAO e Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola –, assim como da Organização Mundial do Comércio, o que dificulta a sua condução.
Além disso, os Estados sofrem para superar os seus interesses divergentes. Em plena crise, em 2008, não foi possível haver entendimento sobre questões chaves, como os biocombustíveis, ou as subvenções agrícolas do Norte que desestruturam a agricultura familiar do Sul. Desde então, o debate não avançou. Houve, isso sim, consenso sobre os erros do passado, com a denúncia da dependência crescente dos países em desenvolvimento em relação aos mercados agrícolas mundiais.
Seguindo as políticas estruturais ditadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional nos anos 1990, os países em desenvolvimento abandonaram as culturas de subsistência pela cultura e exportação de algodão, café ou outros produtos tropicais, e sofreram em cheio, vinte anos depois, a explosão das cotizações dos produtos alimentares. Todos estão, pois, de acordo sobre a necessidade de apoiar a agricultura camponesa... sem, contudo, oferecer os meios.
Outros assuntos mais importantes continuam sendo debatidos, tais como a liberalização das trocas ou a regulação dos mercados. Sobre esse ponto, a crise financeira deu a esperança de que a reflexão prosseguirá. O assunto deverá ser evocado em L’Aquila. Mas ninguém garante que haverá progressos. “Cenários são propostos e a vontade política deve prosseguir a partir de agora”, insiste De Schutter.
Uma proposta feita pelo Instituto de Pesquisa International Food Policy Research Institute (IFPRI) de Nova York, com o economista-chefe do Banco Mundial Justin Lin, evoca assim três linhas de defesa diante de uma explosão dos preços dos alimentos como aquela de 2008: por um lado, uma reserva alimentar de urgência, independente, poderia ser criada e confiada ao PAM.
Em seguida, um sistema internacional de estoques públicos de cereais, sob o auspício da ONU, poderia ser implantado para alimentar o mercado em caso de desequilíbrio.
Enfim, os países participantes se comprometeriam também com a constituição de uma reserva financeira que permitisse intervir nos mercados derivados agrícolas em caso de explosão dos preços devido à especulação.
Os autores destas propostas destacam que elas completariam as outras reformas necessárias dos mercados agrícolas: evitar as proibições de exportações às quais tiveram que recorrer alguns países em 2008, regular melhor os mercados físicos e os mercados derivados. Mas resta muito a fazer: um relatório de pesquisa bipartidário do Senado norte-americano, publicado no dia 24 de junho e intitulado Especulação excessiva sobre o mercado do trigo, recomenda enquadrar melhor as atividades dos Fundos que investem nos índices de matérias-primas.
Mas, no final das contas, muito poucas reformas e ações já foram realizadas, num momento em que é urgente agir. “O que nós vivemos em 2008 deve ser tomado como alarme”, lembra Abdolreza Abbassian, economista da FAO. No começo de junho, a Agência anunciou que mesmo que “as ofertas alimentares mundiais parecem menos vulneráveis aos choques do que no ano passado”, subsistem “potenciais perigos”.
Assim, se devemos nos alegrar com uma produção mundial recorde que permite a reconstituição dos estoques, é preciso notar que ela vem dos países ricos e não dos países em desenvolvimento importadores, porque não tiveram os recursos para investir em adubos ou transformar terras em cultura.
Os países pobres, e especialmente os africanos, não dispõem dos recursos para implementar políticas agrícolas, ou simplesmente para que os agricultores possam participar do mercado. Por falta de silos, eles não podem estocar sua produção para vendê-la a um preço melhor; na falta de estradas ou de vias férreas, não podem enviar a sua produção aos lugares de venda. O problema é conhecido, mas os investimentos para resolvê-lo não são financiados.
Portanto, a crise funcionou como um alarme em alguns países ricos em capital, mas pobres em terra e em água – como os Estados do Golfo –, ou cuja população é numerosa – como a Índia, a China e a Coreia do Sul. Testemunham-no o fenômeno da compra de terras no exterior que está se ampliando. Estes Estados desejam, com efeito, garantir por esse viés seu fornecimento de arroz, milho ou de óleo de palma.
A situação dos países pobres é inquietante. Os Objetivos do Milênio – redução pela metade do número de pessoas que sofrem de subalimentação até 2015 – tinham sido reafirmados na reunião de Roma, em junho de 2008. Agora, calcula Diouf, eles não são “mais realistas”. “Um mundo esfomeado é um mundo perigoso”, prevê Josette Sheeran, diretora do PAM. A tomada de consciência já não é mais suficiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário