ESTATIZAÇÕES JÁ CUSTARAM US$ 1 TRILHÃO A GOVERNO DOS EUA
A operação resgate da seguradora AIG levada a cabo anteontem pelo governo norte-americano, adicionou US$ 85 bilhões a uma conta federal que desde o início da atual crise financeira já está entre US$ 900 bilhões e US$ 1,5 trilhão, ou cerca de 10% do PIB norte-americano, segundo analistas. E pode chegar a muito mais.
A reportagem é de Sérgio Dávila, publicada no jornal Folha de S.Paulo, 18-09-2008.
O valor de dinheiro público destinado a salvar instituições privadas, como a AIG e o Bear Stearns, em março, ou semiprivadas, como as gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, na semana passada, assusta não só por acontecer no país que é o bastião do capitalismo de livre mercado mas porque abre a porta para futuras operações, de outras instituições e setores da economia.
Nos cálculos mais conservadores, a administração de George W. Bush autorizou ou não se opôs ao gasto de US$ 900 bilhões nos resgates, via Tesouro, Federal Reserve, o equivalente ao banco central, e Federal Home Loan Bank, instituição que atua no crédito imobiliário. Nos mais agressivos, só o Fed já empenhou meio trilhão na ciranda."Pode ser muito mais, dependendo de quantos bancos mais terão de ser resgatados", disse à Folha o acadêmico Edward Hadas, autor de Human Goods Economic Evils (ISI, 2007) e colunista do blog econômico Breakingviews.com. "Para ser franco, depois de um certo ponto, esses cálculos já não fazem mais sentido."O pior ralo é o das empresas Fannie Mae e Freddie Mac. Na operação resgate, cada uma levou US$ 100 bilhões. Se as duas agências imobiliárias perderem a capacidade de honrar seu fluxo anual de empréstimos, no entanto, o Tesouro teria de gastar cerca de US$ 450 bilhões por ano, o que triplicaria o déficit anual americano para US$ 1,2 trilhão, calcula Paul Ashworth, da Capital Economics.Além disso, há o problema dos sinais contraditórios mandados pelo governo norte-americano. Até terça, a política oficial, encabeçada pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, era de que não haveria resgates. Segundo a lógica oficial, o caso do Bearn Stearns era uma exceção, assim como o das duas agências imobiliárias. Tudo mudou depois do caso AIG.Nas últimas horas, cresce, por exemplo, a pressão de montadoras norte-americanas para um pacote. Detroit pede US$ 25 bilhões em auxílio federal. Em discurso na noite de terça no Economic Club de Washington, William C. Ford Jr., CEO da empresa que leva seu sobrenome, disse que não, não se tratava de um resgate."É difícil para governos pararem uma vez que começam [as operações resgate], principalmente se eles decidem que um orçamento equilibrado não é meta para os próximos anos", disse Edward Hadas. "Só param quando a moeda perde valor ou as pessoas caem na real e equilibram receitas e despesas. Como os brasileiros sabem, isso pode levar tempo."Para o historiador econômico Ron Chernow, esse governo "foi longe demais". "Nós vivemos a ironia de uma administração pró-livre-mercado fazendo coisas que o governo democrata mais progressista não faria em seus maiores delírios", disse ele ao New York Times. A ironia não deixou de ser notada pelo Congresso, dominado pelos democratas.Ontem, os comitês financeiros do Senado e da Câmara começaram a articular contramedidas ao que líderes chamaram de farra com o dinheiro público. CEOs das empresas em dificuldade devem ser convocados a testemunhar. A começar por Richard Fuld Jr., do Lehman.
CRÉDITO ENCOLHE EM TODO O MUNDO
O maior aperto de liquidez em décadas chegou a uma intensidade dramática no mundo e já é sentido no Brasil. A reportagem é Jon Hilsenrath, Serena Ng, Damian Paletta, Cristiane Perini Lucchesi e Luiz Sérgio Guimarães, publicada no Valor, 18-09-2008.
O sistema financeiro americano lembra um doente em terapia intensiva. Autoridades do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e do Tesouro identificaram a doença: desalavancagem. Durante a explosão do crédito, de 2002 a 2006, as instituições financeiras e as famílias americanas se endividaram muito acima do ritmo de crescimento econômico. Muitos dos que tomaram dinheiro não podem pagá-lo agora, após o colapso nos preços dos imóveis residenciais.
Pelo menos três coisas precisam ocorrer para pôr fim à desalavancagem. Instituições financeiras precisam dar baixa contábil dos ativos desvalorizados que compraram com dinheiro emprestado, pagar suas dívidas e refazer o capital corroído pelo prejuízo com aqueles ativos.
O processo, porém, se auto-alimenta de forma perversa. A venda de ativos derruba preços, dificultando a operação e causando mais perdas. Com isso, as ações das empresas perdem valor e elas não conseguem levantar mais capital. Como acadêmico, o atual presidente do Fed, Ben Bernanke, apelidou essa auto-alimentação de "acelerador financeiro".
A fuga para ativos mais seguros, como ouro e títulos do Tesouro americano, cujos rendimentos ficaram negativos, não era vista desde a Segunda Guerra Mundial. Empréstimos entre bancos foram completamente suspensos. Dois fundos de curto prazo, considerados tão seguros quanto depósitos à vista, quebraram por terem investido em papéis do Lehman.
As bolsas caíram no mundo todo e nem o empréstimo de US$ 85 bilhões do Fed para a seguradora AIG, anunciado na terça-feira, conteve a aversão ao risco.No Brasil, a Bovespa caiu 6,74% e o dólar fechou a R$ 1,87, com alta de 2,41%. Além de ter inviabilizado empréstimos sindicalizados, o aperto de liquidez internacional secou linhas de financiamento ao comércio exterior, o que não se verificava no país desde 2002. As linhas que restam são de curto prazo, no máximo 180 dias. O custo dobrou, o que ajuda a alta do dólar. O desmonte de posições de fundos e bancos que precisam de liquidez e perderam dinheiro em outros mercados também tem puxado o dólar contra o real e contribuído para elevar os juros nos mercados futuros. A concordata do Lehman afetou especialmente o mercado a termo de dólares contra reais no exterior, o chamado mercado de "NDF" (do inglês "non-deliverable forward").
‘É 1930 a conta-gotas’, diz Conceição Tavares
Para economista, crise assemelha-se “no tamanho e no estrago” ao crash de 1929, porém acredita que o Brasil está melhor preparado para enfrentar a crise, mas "ninguém sabe o que vai acontecer", diz ela.
Para economista, crise assemelha-se “no tamanho e no estrago” ao crash de 1929, porém acredita que o Brasil está melhor preparado para enfrentar a crise, mas "ninguém sabe o que vai acontecer", diz ela.
A reportagem é de Adriana Chiarini, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, 18-09-2008.A crise atual é comparável à de 1930 "no tamanho e no estrago", mas os bancos centrais e os Tesouros, acertadamente, estão atuando para evitar uma recessão, ao contrário do comportamento dessas autoridades nos Estados Unidos naquela época, disse ao Estado a economista Maria da Conceição Tavares, ex-deputada federal pelo PT do Rio. "Esta é uma crise de 30 a conta-gotas", afirmou. "Estoura um, o Tesouro americano socorre. Estoura outro, o Fed socorre. Todos os bancos centrais estão injetando dinheiro." Para ela, o Brasil "está blindado para essa crise", com as características que ela apresenta até agora, "basicamente financeira" e de "perda de trilhões de dólares em ativos". Conceição destaca, porém, que "ninguém sabe o que vai acontecer" - se a crise vai assumir outras características e levar o mundo à recessão. "A economia real não foi atingida ainda nem nos Estados Unidos.
Foi no Japão e na Europa, mas ainda não teve queda de consumo nos EUA."Ela está tranqüila com a situação do País. "Nunca estivemos tão bem. Em todas as crises externas sempre levamos uma pancada feia, mas desta vez não". Comenta que o Brasil está com bons indicadores externos, recursos fiscais do esforço extra ao superávit primário, reservas internacionais altas e os bancos brasileiros não tinham investido no tipo de ativo que provocou o início da crise."Derivativo é uma invenção do demo. Evidente que efeito dominó de todos que se meteram nessa brincadeira já está tendo, mas nós não nos metemos", afirmou. Para ela, "esta é uma crise de crédito e por esse lado pode bater no Brasil".
Ela concordou com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o governo pode colocar recursos para dar liquidez caso necessário e observou que isso já esta acontecendo. "O BNDES vai precisar de dinheiro, porque a demanda para recursos para investimento está grande, e já estão dando", comentou, referindo-se à capitalização de R$ 15 bilhões que o Tesouro Nacional está fazendo na instituição federal. A queda das commodities pode até ser benéfica para o controle da inflação, segundo Conceição. Ela considera possível que, por causa da crise, o Banco Central venha a reduzir a magnitude dos aumentos da taxa Selic, de 0,75 para 0,5 ponto percentual.
Lessa vê crise profunda e Brasil sem salvaguardas
Ex-presidente do BNDES, o economista Carlos Lessa traça um perfil sombrio para os efeitos da crise financeira sobre o Brasil e acha que o país não tem instrumentos para se proteger.
A reportagem é de Mair Pena Neto, publicada pela agência Reuters, no dia 17-09-2008.
Ex-presidente do BNDES, o economista Carlos Lessa traça um perfil sombrio para os efeitos da crise financeira sobre o Brasil e acha que o país não tem instrumentos para se proteger.
A reportagem é de Mair Pena Neto, publicada pela agência Reuters, no dia 17-09-2008.
"O Brasil vai entrar pelo cano porque não possuimos salvaguarda nenhuma. Os 200 bilhões de dólares (em reservas internacionais brasileiras) que o Meirelles (presidente do Banco Central) bate no peito são pó em relação ao tamanho da crise que está se avizinhando", disse Lessa à Reuters. Para ele, o Brasil só conseguiria reter a parte de capitais de curto prazo elevando a taxa de juros, mas a situação externa vai puxá-los para fora do país.
Lessa acha que a atual crise reproduziu em escala mundial o que aconteceu no Japão nos anos de 1990, quando a acumulação financeira se baseou em valores inflacionados dos imóveis que não se sutentaram. "Isso gerou uma crise imobiliária de proporções colossais. Os imóveis mais caros do mundo viraram pó. Até hoje o Japão não se recuperou desse golpe", afirmou. Segundo ele, o que aconteceu nos Estados Unidos foi parecido.
O ganho financeiro se remunerou sem a correspondente geração de economia real, rompendo os limites do jogo econômico. "Se a economia real caminha separada da acumulação financeira, como aconteceu lá e no Japão, você estabelece uma precariedade na construção e chega um momento em que ela cai." Bolhinha e bolhonaA extensão da atual crise é difícil de prever, na opinião de Lessa, mas sugere ser muito mais profunda do que se imaginava.
"De qualque maneira virá um novo período de estagnação mundial, o que para o Brasil é muito ruim", avaliou, apontando a falta de um projeto nacional de desenvolvimento para compensar a dificuldade externa. Para Lessa, o mínimo que vai acontecer ao Brasil será a inflação, já que a taxa de câmbio foi o principal instrumento para combatê-la. "Na hora em que o jogo financeiro começa a puxar os recursos para fora, a taxa de câmbio se desvaloriza. É o que está acontecendo, o real já está se desvalorizando ante o dólar", citou Lessa.
Ele ressaltou a ironia de a moeda brasileira estar se desvalorizando perante o dólar, "que está à beira do crack", quando a economia norte-americana vai mal e a brasileira está indo bem. O ex-presidente do BNDES no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva alertou para a criação de uma bolha de crédito no Brasil que pode estourar se a economia deixar de crescer. "Um carro é financiado em 90 prestações baseado em que as pessoas pagarão se a economia crescer. Mas se não crescer e houver desemprego, não pagarão", advertiu. O economista considera insustentável subordinar o crescimento econômico ao endividamento em massa das famílias. "A dívida das famílias só é um bom ativo para os bancos se elas continuarem a ter renda. A situação é similar à bolha de crédito imobiliário norte-americano. Só que a nossa é uma bolhinha e a deles é uma bolhona."
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