domingo, 21 de setembro de 2008

A CRISE NOS EUA AFETAM O MUNDO - PARTE 04: O VALOR A SER PAGO PELA CRISE !

QUEM PAGARÁ A CONTA PELA CRISE DAS HIPOTECAS DOS EUA ? EU ? VOCÊ ? SÓ OS AMERICANOS ? O MUNDO TODO ?
PARA RESPONDER ESTAS E OUTRAS PERGUNTAS, NESTA PUBLICAÇÃO EU TROUXE QUESTÕES SOBRE ESTA TEMÁTICA.

O temor que tomou conta do mercado financeiro nos últimos meses, em decorrência da crise no sistema financeiro internacional, já levou embora das bolsas mundiais quase US$ 16 trilhões desde 23 de julho de 2007, quando a crise começou a se agravar nos Estados Unidos, até a última quinta-feira.
A reportagem é de Felipe Frisch e publicada pelo jornal O Globo, 21-09-2008.

Somente a bolsa brasileira perdeu aproximadamente US$ 295 bilhões (R$ 540 bilhões). Esse montante é quanto o valor de mercado (soma de preços de todas as ações negociadas) das bolsas do mundo foi reduzido no período.
Os dados, calculados pela Bloomberg não consideram, portanto, a recuperação da sexta-feira. No caso brasileiro, o Índice Bovespa registrou alta de 9,57% naquele dia. Como a variação do índice — formados por carteiras teóricas de alguns papéis — costuma ser próxima à do valor de mercado, o ganho do fim da semana passada deve representar uma recuperação de cerca de US$ 80 bilhões (R$ 146 bilhões). Ou seja, a perda até sexta-feira foi de cerca de US$ 215 bilhões (R$ 393 bilhões) no Brasil. Com isso, hoje, se alguém quisesse comprar todas as ações de empresas brasileiras na Bolsa, precisaria desembolsar cerca de US$ 1 trilhão (R$ 1,831 trilhão).

O COMUNISMO SEMPRE SALVA O CAPITALISMO !

A decisão do governo americano de fazer uma intervenção radical no mercado para evitar uma crise sistêmica no setor financeiro trouxe à tona a discussão sobre os novos rumos do capitalismo.
A reportagem é de Guilherme Barros e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-09-2008.
O ex-ministro Delfim Netto acha que essa decisão do governo americano para tentar debelar a crise é, na verdade, um aperfeiçoamento da economia de mercado. Para ele, inaugura-se agora uma nova fase do capitalismo.
Nesse novo capitalismo, Delfim diz que a economia pode vir a se tornar uma ciência mais preocupada com o princípio da moralidade, menos dura, mais resistente às imoralidades que, segundo ele, foram praticadas em excesso pelos bancos de investimento.
Na verdade, Delfim diz que esse princípio da moralidade já estava presente na obra do filósofo escocês Adam Smith (1723-1790), considerado o pai do capitalismo, ao criar o chamado "espectador imparcial". Trata-se de uma figura que impõe regras de comportamento adequadas ao capitalista: não roubar, não praticar o monopólio, ter respeito aos cidadãos.
De tempos em tempos, ressurge a figura do "espectador imparcial" para corrigir o curso do capitalismo. A história mostra que, volta e meia, o capitalismo passa por terremotos como o que ocorre agora.
E, na maioria das vezes, o Estado é obrigado a encontrar saídas para salvar a economia de mercado.Exemplo clássico é o Crash de 29, considerado até agora a maior crise do capitalismo. Delfim lembra, por exemplo, que o presidente Franklin Delano Roosevelt, que governou os EUA de 1933 a 1937, chegou a ser chamado de comunista.
Roosevelt foi quem criou o chamado "New Deal", que foi o nome dado ao programa implementado nos Estados Unidos para tirar o país da recessão com base, principalmente, em investimentos do Estado. Roosevelt sofreu muitas críticas por ter adotado um programa fincado principalmente nos gastos públicos.Delfim diz que a história se repete agora. De novo, o mercado precisou da mão pesada do Estado para sobreviver. O ex-ministro não se surpreenderia se, dentro em breve, a ação do governo americano for tão criticada quanto foi o "New Deal", de Roosevelt.
"Muitos vão dizer que se trata de uma ação contra o capitalismo. Toda vez que o Estado salva o mercado, ele é chamado de comunista", diz Delfim. "Há livros e livros que provam que o capitalismo só se salva com ações comunistas."
Para o ex-ministro, agora não havia outra alternativa ao governo dos EUA. A crise é essencialmente de confiança, e não de liquidez. O tratamento precisava ser radical e cirúrgico.
Para devolver um pouco de tranqüilidade, Delfim diz que era mesmo necessária uma intervenção forte do Estado para recolher todo o lixo provocado pelos excessos cometidos pelas instituições financeiras. Só assim seria possível restabelecer a confiança do mercado.
"No fundo, o que aconteceu foi que governo americano preferiu deixar de lado a teoria acadêmica e optar pela experiência", diz Delfim.

A MÃE DE TODOS OS RESGATES

Enquanto o governo Bush passa o fim de semana negociando para apresentar ao Congresso o que promete ser a maior reengenharia do sistema financeiro do país desde a que se sucedeu à Queda da Bolsa de 1929, dois consensos emergem da pior semana dos 13 meses da turbulência que abala o mercado americano e chacoalha o mundial.

A reportagem é de Sérgio Dávila e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-09-2008.

O primeiro é que essa é a maior crise por que passa o país desde ao menos o final da Segunda Guerra. De Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o BC dos EUA, ao megainvestidor George Soros, de Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton, ao renomado historiador monetário Ron Chernow, todos vieram a público dizer isso.
"Essa é provavelmente a crise econômica mais grave desde a Grande Depressão", disse Lawrence Summers na terça. Dois dias antes, Alan Greenspan havia falado em entrevista à TV que esse era um evento "que acontece a cada meio século, provavelmente a cada século". Anteontem, Ron Chernow já não tinha mais dúvidas: "É a pior crise desde 1929".
O segundo consenso é que é inédito o montante de dinheiro federal já utilizado e que ainda deve entrar em operações de resgate de instituições com dificuldades. Segundo analistas e acadêmicos, nesse caso a comparação mais precisa é com a chamada crise S&L, sigla em inglês para poupança e empréstimos, do final dos anos 80 e começo dos 90, não com o Crash de 1929.
Seja qual for o parâmetro, os valores de hoje são superiores.

Desde a aprovação do pacote de estímulo fiscal proposto por Bush, em janeiro, e a operação resgate do banco Bear Stearns, em março, até a encampação da seguradora AIG, na última quarta, o governo gastou ou aprovou o gasto de soma que oscila de US$ 1 trilhão a US$ 1,5 trilhão - 10% do PIB do país.
Isso não leva em conta o novo pacote, que alguns analistas do mercado calculam que adicionará mais US$ 1 trilhão à conta e agências de notícias diziam ontem que envolveria a compra de US$ 700 bilhões em papéis podres. Um economista que participou de teleconferência ao mercado do Departamento do Tesouro na sexta à tarde disse que o governo evitou falar em custo total das medidas. Indagado em coletiva no mesmo dia, o secretário da Tesouro, Henry Paulson, disse apenas que seria "grande o suficiente: "Estamos falando em centenas de bilhões".
Para comparação, o total de gastos do governo dos EUA no ano passado foi de US$ 2,7 trilhões. A Guerra do Iraque custou até agora US$ 560 bilhões, segundo o Congressional Budget Office. E o PIB brasileiro é de US$ 1,3 trilhão. A exuberância irracional do número valeu às recentes ações o apelido de "Mãe de Todos os Resgates".
Do diário econômico conservador "Wall Street Journal" à revista semanal "Time", passando pela emissora CNN, o nome foi usado.

Ganhou até sigla em inglês, Moab, para "Mother of All Bailouts" - a última palavra foi utilizada pela primeira vez na língua inglesa com a conotação de resgate financeiro nos anos 50.
"A melhor comparação a ser feita é mesmo com a crise S&L", disse o professor Charles Calomiris, expert na história de bancos da Universidade Columbia. No fim dos anos 80, o governo criou uma agência nos moldes da que propõe agora. Em seis anos, a entidade fechou ou reorganizou 747 instituições. O custo total da operação foi de US$ 400 bilhões, então um recorde.
Só com a operação da seguradora AIG, na semana passada, o Fed gastou cerca de 20% desse valor - e cerca de 10% de todo o dinheiro de que o BC americano dispõe.

Com uma diferença: a Resolution Trust Corp, criada em 1989, negociava os papéis ruins só de empresas falidas que já haviam passado ao guarda-chuva do governo; e a nova instância deve limpar os balanços de entidades privadas.
Mesmo assim, Calomiris é otimista. "Ainda não sabemos se esse dinheiro é a fundo perdido, e o provável é que muitas dessas transações ainda dêem dinheiro aos contribuintes", afirmou. "O negócio da AIG até eu faria, pois a possibilidade de os papéis da seguradora voltarem a render é muito grande."
Em seu programa semanal de rádio na manhã de ontem, George W. Bush se justificou. "Dado o estado precário de nossos mercados financeiros e a importância fundamental deles na vida do povo americano, a intervenção do governo não é só necessária, é essencial", disse o presidente republicano.
Membros de seu partido torcem o nariz para a ofensiva do governo no mercado a quase um mês das eleições. Acadêmicos respondem que há um novo paradigma e que é necessária a mudança de uma estrutura financeira ultrapassada.
"É exatamente isso, novos tempos requerem novas medidas", disse Darrell Duffie, da School of Business da Universidade Stanford, na Califórnia. Com ele concorda George Morgan, especialista em sistemas bancários da Virginia Tech. "As intervenções permitem que o livre mercado continue funcionando, em vez de entrar em colapso." "O papel do governo é criar um arcabouço, legal ou não, para que isso aconteça."

O FUTURO DO CAPITALISMO, SEGUNDO ANALISTAS

Os mercados de ações estão em crise e vários bancos de investimento estão quebrando. O que isso significa para o futuro do capitalismo? Alguns economistas e analistas expõem a sua visão em matéria da BBC Brasil, 19-09-2008.
O filósofo Noam Chomsky diz que o capitalismo erra ao não calcular os custos de quem não participa das transações financeiras, e por isso entrou em crise.


Para Peter Jay, um dos diretores do Bank of England, o banco central britânico, houve excesso de confiança de investidores no capitalismo e, de agora em diante, não haverá mais tanto otimismo com o sistema.
Já Patrick Minford, que foi assessor do governo britânico nos anos 80, acredita que apenas alguns ajustes são necessários na regulação do sistema financeiro para que o capitalismo volte a se fortalecer.
Jon Danielsson, economista da London School of Economics, alerta que é preciso evitar que esta crise leve a um excesso de regulamentos.
Confira as análises.
Noam Chomsky, filósofo e professor de lingüística do Massachusetts Institute of Technology
Os mercados têm ineficiências conhecidas e inerentes. Um fator é a falha para calcular os custos de quem não participa destas transações. Estas "externalidades" podem ser gigantes. Isso é particularmente verdade no caso de instituições financeiras.
A tarefa deles é assumir riscos, calculando custos potenciais para si mesmos. Mas eles não levam em consideração as conseqüências das suas perdas para a economia como um todo.
Logo o mercado financeiro "subestima o risco" e é "sistematicamente ineficiente", como escreveram John Eatwell e Lance Taylor há uma década, alertando para os perigos extremos da liberalização financeira e revendo os custos substanciais que estão implicados – e também propondo soluções, que foram ignoradas.
A intervenção sem precedentes do Federal Reserve (o banco central americano) pode ser justificável ou não em termos estreitos, mas revela, mais uma vez, o caráter profundamente antidemocrático das instituições capitalistas, feitas em grande medida para socializar o custo e o risco e privatizar os lucros, sem uma voz pública.
Isso não é, é claro, limitado ao mercado financeiro. A economia avançada como um todo se ampara pesadamente no dinâmico setor estatal, com a mesma conseqüência em relação ao risco, custo, lucro e decisões – características cruciais dos sistemas político e econômico.
Peter Jay, diretor não-executivo do Bank of England e ex-editor de economia da BBC
Na medida em que nomes grandes de Wall Street estão indo à lona, destruídos pela própria arrogância e pelo ambiente financeiro mais hostil em quase 80 anos, nós devemos nos perguntar: por que estamos tão surpresos? Logo nós, que deveríamos ser especialistas? Por que não previmos isso?
A verdade é desconfortável. Nós ficamos cada vez mais cínicos sobre o discurso marxista de contradições do capitalismo, porque o próprio marxismo fracassou nos anos 70, enquanto o capitalismo sobreviveu. Ele fracassou tanto que seus seguidores foram desacreditados.
As pessoas de uma geração mais antiga acreditavam verdadeiramente que alguma combinação das idéias de Walter Bagehot e J. M. Keynes tornariam impossível um novo colapso do sistema financeiro e uma depressão da macroeconomia.
Os bancos centrais nunca deixariam isso acontecer de novo.
Para uma geração mais nova, os anos 30 parecem que são algo do passado distante e que as crises desde então terminaram sem catástrofes. A complacência é o preço do sucesso.
Mas agora nós precisamos enfrentar a possibilidade real de que as mudanças de humor dos mercados financeiros não podem para sempre serem baseadas em otimismo; quanto mais as ações subirem, mais elas cairão, e essa falha no capitalismo não pode ser consertada – nem mesmo por Alan Greenspan – porque está cunhada na imutável psicologia humana.
Patrick Minford, economista da universidade de Cardiff. Ele foi assessor informal da ex-premiê britânica Margaret Thatcher
No atual desastre financeiro, já se ouve vozes pedindo mais regulamentos para "cortar os excessos do capitalismo". É preciso lembrar primeiro que já existe muita regulação sob os acordos de Basle.
O problema é que os bancos evitaram as leis usando "veículos especiais de investimento" nos seus balanços. Um ajuste necessário seria simplesmente assegurar que, no futuro, isso seja corrigido.
Em segundo lugar, os bancos de investimento, como o Lehman Brothers, praticamente não são regulados e estão completamente fora dos acordos de Basle. No entanto, estes animais passaram por um banho de sangue e provavelmente não se comportarão mais desta maneira nunca mais.
O capitalismo tem um bom histórico de melhorar dramaticamente os padrões de vida do mundo ao longo de grandes períodos. A legislação bancária – que goza do privilégio do "credor de último recurso" com recursos dos contribuintes – é necessária para proteger o contribuinte de abusos.
Mas nós precisamos de um sistema bancário e financeiro vigoroso e competitivo. Qualquer ajuste à estrutura regulamentar atual precisa manter isso em mente.
Jon Danielsson, integrante do grupo de mercados financeiros da universidade London School of Economics
Nós ouvimos que a onda de fusões, nacionalizações e falências no mundo financeiro representam o fracasso da velha forma de se fazer negócios, e que o futuro é um mundo pesadamente regulado, como nos anos 50.
Nada pode estar mais longe da verdade do que isso. O custo de prevenir crises significa uma economia como em Cuba ou na Coréia do Norte.
Enquanto alguns bancos, com a anuência de reguladores e com o apoio de governos, se colocaram em dificuldade, é a reação a essa crise que realmente interessa. O sistema financeiro está passando no teste até agora.
Nós sairemos desta crise tendo aprendido que é importante para os bancos não deixarem seus ativos tão complicados que nem eles, nem ninguém os entende.
A verdadeira tragédia seria se a reação oficial à crise fosse o excesso de regulação mal-pensada e politicamente motivada. Um sistema financeiro livre é essencial para a prosperidade internacional.
Por favor, legisladores, não nos coloquem de volta em 1929 ou nos anos 50.

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