O coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Marcelo Lopes de Souza, juntou as palavras gregas phobos, que quer dizer medo, e polis, que significa cidade, para criar o neologismo fobópole. O termo sintetiza a imagem de uma cidade onde o medo assume presença proeminente nas conversas cotidianas e nos noticiários da grande imprensa. Isso ocorre porque o comportamento das pessoas é condicionado pela maneira como a realidade é percebida por elas. “A decisão de mudar-se para um condomínio exclusivo, de mandar blindar o carro ou de fugir para o interior é influenciada pelo clima social mostrado na imprensa”, observa. Souza lançou neste mês o livro Fobópole - O Medo Generalizado e a Militarização da Questão Urbana (Bertrand Brasil) e concedeu uma entrevista a Bruno Paes Manso, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-06-2008.
Eis a entrevista.
Como o senhor analisa o recente episódio envolvendo a morte de jovens do Morro da Providência?
Na cidade, houve várias intervenções do Exército para enfrentar traficantes, indo desde o cercamento de favelas, como as operações Rio 1 e 2, em 1994 e 1995, até invasões para a recuperação de armas roubadas por traficantes. O que vemos hoje é um processo de militarização da questão urbana que, em seu sentido mais restrito, é a utilização das Forças Armadas para desempenhar um papel de polícia. Essa militarização envolve também outras estratégias coercitivas com objetivos de controle social e autoproteção, como, por exemplo, a proliferação de empresas de segurança privada. Mas não é uma exclusividade brasileira. O Exército está atuando em várias cidades mexicanas, por exemplo, com a finalidade de dar combate ao tráfico de drogas.
Eis a entrevista.
Como o senhor analisa o recente episódio envolvendo a morte de jovens do Morro da Providência?
Na cidade, houve várias intervenções do Exército para enfrentar traficantes, indo desde o cercamento de favelas, como as operações Rio 1 e 2, em 1994 e 1995, até invasões para a recuperação de armas roubadas por traficantes. O que vemos hoje é um processo de militarização da questão urbana que, em seu sentido mais restrito, é a utilização das Forças Armadas para desempenhar um papel de polícia. Essa militarização envolve também outras estratégias coercitivas com objetivos de controle social e autoproteção, como, por exemplo, a proliferação de empresas de segurança privada. Mas não é uma exclusividade brasileira. O Exército está atuando em várias cidades mexicanas, por exemplo, com a finalidade de dar combate ao tráfico de drogas.
Ser contrário ao emprego das Forças Armadas em funções de polícia não é uma posição acadêmica, pouco pragmática?
O argumento de que praças e oficiais das Forças Armadas não estão adequadamente preparados para enfrentar criminosos comuns é bem pragmático. Como a experiência mexicana já vem mostrando, envolver diretamente as Forças Armadas no enfrentamento de traficantes de drogas e outros criminosos comuns expõe as instituições militares à corrupção e ao risco de tragédias como a do Morro da Providência. Em conseqüência, há risco de desgaste e descrédito das próprias instituições militares. Além disso, no longo prazo, é arriscado empregar o Exército para perseguir e capturar criminosos em um país onde a democracia é frágil e de pouca tradição. É importante sempre ter em mente o seguinte: o desespero e o medo são péssimos conselheiros.
Quando podemos chamar uma cidade de fobópole? Como o medo interfere no dia-a-dia da cidade?
Uma fobópole é uma cidade na qual o medo impregna o cotidiano, tornando-se um dos aspectos centrais de nossa vida e de nossas preocupações, condicionando as mais diferentes facetas da nossa existência.
As pessoas não têm razão para ter medo nas grandes cidades?
Sem dúvida. Sentir medo é humano. Indignar-se também é humano. O importante é evitar ficar refém do medo. É preciso tentar transformar o medo e a indignação em ações práticas e produtivas, em vez de enfiar a cabeça na areia e aceitar substituir a razão pela emoção. Deve-se resistir aos discursos demagógicos que sugerem que a solução consiste na adoção de medidas cada vez mais autoritárias - as quais, no longo prazo, só tendem a piorar as coisas e mesmo a criar problemas.
Em que medida a sociedade contribui para criar as “fobópoles”?
O modelo social capitalista produz maciça e crescentemente fatores de estímulo a diversos tipos de violência. Não me refiro somente a desigualdades materiais, que se associam muitas vezes a sentimentos de revolta e frustração por parte daqueles que não podem satisfazer suas necessidades e seus desejos de consumo, mas também a fatores como a desregulamentação do sistema financeiro internacional e, com isso, as facilidades para a lavagem de dinheiro sujo, ao estresse e a psicopatologias diversas associadas aos ritmos e modos de vida, entre muitos outros fatores. Por outro lado, ao mesmo tempo que cria essas condições, esse modelo se mostra incapaz de enfrentá-las com eficácia.
O senhor tem medo de viver no Rio? Como o senhor faz para lidar com esse medo?
Sinto medo como qualquer pessoa, já que não sou um super-herói nem tenho o corpo fechado. E certamente também sentiria medo morando no Recife, em São Paulo ou em Los Angeles. Já fui assaltado quatro vezes, mas nem por isso cogitei comprar uma arma ou mudar-me para um condomínio fechado. Tento, com as ferramentas de que disponho - a palavra, os argumentos -, colaborar para sensibilizar e esclarecer sobre os fatores da problemática da insegurança e da violência urbana, bem como sobre os caminhos mais promissores para enfrentar essa problemática.
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