"No ano passado, a China se tornou pela primeira vez o maior mercado do Brasil, superando os EUA, que ocupavam essa posição há quase 150 anos. O mercado chinês foi também o primeiro destino das vendas do Mercosul e do Chile, o segundo para a Argentina e o Peru", escreve Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Unctad, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 08-08-2010.
Segundo ele, "nunca tivemos a experiência de comércio exterior dissociado de fortes vínculos culturais e políticos. O desafio de definir uma política para a China passa por integração comercial menos assimétrica e pelo enriquecimento em conteúdo de uma relação que não deve ser reduzida à dimensão mercantil".
Eis o artigo.
No ano passado, a China se tornou pela primeira vez o maior mercado do Brasil, superando os EUA, que ocupavam essa posição há quase 150 anos. O mercado chinês foi também o primeiro destino das vendas do Mercosul e do Chile, o segundo para a Argentina e o Peru.
Isso não se deve somente aos efeitos da crise financeira sobre a demanda dos EUA. A tendência é clara em toda a primeira década do século. Durante esses dez anos, o comércio China-América Latina foi o de maior crescimento em cotejo com outras regiões nas exportações e nas importações, aumentando ao dobro da taxa média mundial.
É melancólico como o intercâmbio brasileiro-americano perdeu importância relativa nos últimos cem anos. Em 1905/06, o Brasil era o sexto maior parceiro bilateral dos EUA, após o Reino Unido, a Alemanha, a França, o Canadá e Cuba (açúcar). Chegamos a ser os terceiros fornecedores dos ianques nos tempos em que nem se sonhava com Japão, China, Coreia e outros asiáticos.
Já em 1870 os americanos nos compravam quatro vezes mais do que nos vendiam. O saldo acumulado pelo Brasil com os EUA cresceu de 1867 a 1905 a ponto de atingir cifras astronômicas se corrigidas com os valores de hoje. Em 1912, ano da morte do barão do Rio Branco, os EUA absorviam 36% das vendas brasileiras, ao passo que o segundo, o Reino Unido, recebia só 15%.
Embora não se possa falar em causa e efeito, o fato é que o apogeu da aproximação política Brasil-EUA, a fase da chamada "aliança não-escrita", coincidiu com o ápice das relações econômico-comerciais. Desde aquela época, a porcentagem das vendas aos EUA em comparação com o resto do mundo foi caindo, primeiro para oscilar entre 20% e 24%, mais recentemente para algo em torno de 17/18%, desconsiderando 2009, quando desabou a 10%.
Os EUA têm sido, ao lado da América Latina, os únicos grandes mercados para exportações brasileiras de alta tecnologia, sendo os maiores compradores da Embraer, por exemplo. As transnacionais americanas no Brasil direcionaram em geral maior parcela da produção local ao mercado da matriz do que transnacionais de outras origens.
Em contraste, o mercado chinês só compra commodities do Brasil e outros latinos, reservando aos vizinhos asiáticos o papel de supridores de insumos industriais de alto valor agregado. Criou-se situação duplamente preocupante devido à dependência excessiva do mercado chinês e ao caráter assimétrico da troca de commodities por manufaturas cada vez mais sofisticadas.
No passado, os principais parceiros comerciais ou financeiros do Brasil eram os EUA, o Reino Unido, os europeus, países da mesma tradição histórico-cultural. O intercâmbio não se limitava a mercadorias: valores e aspirações em democracia e direitos humanos vinham das revoluções francesa e americana, do parlamentarismo inglês.
Nunca tivemos a experiência de comércio exterior dissociado de fortes vínculos culturais e políticos. O desafio de definir uma política para a China passa por integração comercial menos assimétrica e pelo enriquecimento em conteúdo de uma relação que não deve ser reduzida à dimensão mercantil.
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