A onda de calor sem precedentes que assola a Rússia diminui a produção de grãos, o que pode aumentar o preço dos alimentos, afirma o especialista Lester Brown. Uma turbina eólica no Estado de Iowa pode produzir eletricidade limpa. Mas o governo dos Estados Unidos destina milhares de milhões de dólares para subsidiar a produção de etanol, com mínimas consequências sobre o aquecimento global, disse Lester, fundador do Instituto da Terra, com sede em Washington.
A reportagem é de Stephen Leahy, da IPS, e publicada pela Agência Envolverde, 12-08-2010.
“O mais inteligente que os Estados Unidos podem fazer é eliminar aos poucos os subsídios do etanol”, acrescentou Lester, referindo-se à alta do preço de alguns alimentos devido à onda de calor sem precedentes que assola o oeste da Rússia, que dizimou cultivos e aumentou a quantidade de mortos por dia. “Costumamos ter entre 360 e 380 mortes por dia nesta época. Agora são 700. A mortalidade duplicou”, disse à agência russa Ria-Novosti o chefe do departamento de Saúde da prefeitura de Moscou, Andreï Seltsovski.
“A lição que temos de aprender diz que deve ser levada mais a sério a mudança climática, e realizada uma rápida redução das emissões de gases-estufa, antes que a situação fuja ao controle”, alertou Lester à IPS. Em julho, a temperatura média em Moscou esteve oito graus acima do normal, e “esse tipo de aumento durante todo um mês é algo inédito”, acrescentou.
Foram registrados 37 graus na capital russa no dia 9. A temperatura média normal de agosto é de 21 graus. Foram 28 dias seguidos de temperaturas superiores a 30 graus. A umidade da terra caiu a níveis só observados uma vez a cada 500 anos, afirmou Lester. A previsão é que a produção de trigo e outros grãos caia 40%, ou mais, na Rússia, no Cazaquistão e na Ucrânia. A região produz 25% das exportações mundiais de trigo.
O primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, anunciou que o país proibirá as exportações de grãos. O preço dos alimentos aumentará, mas ainda não se sabe quanto, previu Lester. “Só sabemos que o trigo, o milho e a soja já estavam mais caros no começo deste mês do que em agosto de 2007, antes do recorde do preço dos grãos”, acrescentou.
Os gases-estufa liberados na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis concentram a energia solar na atmosfera. Especialistas climáticos prevêem que seja mantido o aumento na quantidade e intensidade das ondas de calor e que ocorram mais secas. O calor e os incêndios custaram a vida de centenas de pessoas no ano passado, na pior seca que aconteceu na Austrália em mais de um século, que também prejudicou o setor agrícola. Na Europa ocorreu algo similar em 2003, quando morreram 53 mil pessoas, mas os cultivos não foram tão afetados.
Se a onda de calor que assola a Rússia tivesse atingido regiões produtoras de grãos como aquelas onde ficam Chicago e Pequim, as consequências teriam sido muito piores, porque a produção de cada uma delas é cinco vezes maior do que a russa, disse Lester. As perdas chegaram a entre 100 e 200 toneladas de grãos, com consequências inimagináveis para o fornecimento de alimentos. “O que acontece na Rússia é chama atenção para a vulnerabilidade do fornecimento de alimentos”, ressaltou.
O clima da Terra está esquentando e a maioria dos cultivos é sensível ao calor e à falta de água. A produção de arroz caiu de 10% a 20% nos últimos 25 anos na Tailândia, Índia, China e Vietnã, devido ao aquecimento global, segundo nova pesquisa da norte-americana Universidade da Califórnia. Dados coletados em 227 fazendas bem irrigadas mostram uma importante redução na produção devido às altas temperaturas registradas durante a noite, segundo os pesquisadores.
“Quanto mais quentes são as noites, mais diminui a produção de arroz”, disseram Jarrod Welch, da Universidade da Califórnia, em San Diego, e seus colegas do Proceedings of the National Academy of Sciences. Estudos anteriores chegaram a conclusões similares em terrenos experimentais, mas esta é a primeira vez que ocorre em condições reais e em grande escala.
Com tanta pressão sobre o fornecimento de alimentos, simplesmente é um erro utilizar 25% da produção de grãos para produzir etanol e usar como combustível de automóveis, insistiu Lester. “É preciso eliminar gradativamente os subsídios ao etanol e reduzir de fato as emissões contaminantes de forma urgente”, acrescentou.
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O possível vínculo entre as enchentes no Paquistão e na China e a onda de calor, a seca e os incêndios florestais na Rússia tornou-se ontem fonte de debate entre especialistas dos maiores centros de pesquisa meteorológica da Europa. Enquanto autoridades contam os mortos nos três países, os cientistas se dividem sobre as explicações dos fenômenos, que teriam relação com uma mesma corrente de ar em alta altitude.
A reportagem é de Andrei Netto e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-08-2010.
Para alguns dos institutos de meteorologia mais importantes da Europa, como o British Met Office e o Météo France, os fenômenos estão interligados. A explicação para a intempérie no Paquistão seria o chamado "jet-stream", corrente de ar que circula em altas altitudes - entre 6 e 15 quilômetros da superfície -, a uma velocidade média de 100 km/h. Com a onda de calor, um "jet-stream" teria se formado a partir da Rússia. Sobre o Paquistão, a corrente teria se chocado com uma monção de intensidade anormal vinda do sul.
"É claro que há vínculo entre os fenômenos", assegurou Etienne Kapikian, perito do Météo France. Entre cientistas que estudam mudanças climáticas, há cautela em relação à influência do aquecimento global nas tragédias. Hervé Le Treut, diretor do Instituto Pierre Simon Laplace, adverte que uma das evidências do aquecimento global é a maior frequência de eventos extremos. Já Pascal Scaniver, chefe do Serviço Previsão da consultoria Chaîne Météo, da França, vê fenômenos independentes nas chuvas da China e do Paquistão e na onda de calor na Rússia.
As monções - chuvas torrenciais típicas do Sudeste Asiático - teriam provocado a morte de 1,2 mil paquistaneses e desabrigado 1,8 milhão de habitantes. Em Zhouqu, no centro da China, mais de 1,1 mil corpos já foram retirados da lama que deslizou em razão da precipitação.
Vivendo o fenômeno inverso, a Rússia enfrenta há 15 dias aquelas que seriam suas maiores temperaturas em mil anos. Mais de 500 incêndios se espalharam pelo país, com um saldo de mortos desconhecido, embora o Kremlin reconheça apenas 52 vítimas. Em Moscou, a média de mortes aumentou de 380 para 700 durante a onda de calor.
A ONU tem o desafio de auxiliar as vítimas no Paquistão e apelou ontem às doações internacionais para obter US$ 459 milhões para auxiliar, durante três meses, os 14 milhões de afetados pela chuva no país.
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