terça-feira, 9 de dezembro de 2008

EM TEMPO DE CRISE: ALTERNATIVAS : PARTE 01

O descaso com o meio ambiente já está atingindo a economia mundial. Para não enfrentarmos uma catástrofe econômica ainda maior, “precisamos reduzir as emissões de gases em 80%”, aconselha Washington Novaes, ambientalista e jornalista brasileiro. Se não conseguirmos evitar isso, alerta, “sofreremos a maior recessão econômica da história do mundo e perderemos até 20% do produto bruto mundial”.
Para tentar conter essa avalanche, será necessário “investir de 2 a 3% do produto mundial, por ano, em novas tecnologias e caminhos para evitar essas emissões”, aconselha. Muitas mudanças no processo de produção e consumo serão pertinentes nos próximos anos, mas um dos setores mais difíceis de sofrer alterações será o da pecuária. Segundo o pesquisador, “cada boi emite perto de 60 quilos de metano por ano, no seu processo de ruminação, arrotos e flatulências”. Num país como o Brasil, em que há aproximadamente 200 bilhões de gado, são gerados mais de 10 milhões de toneladas de metano por ano. “Como o metano é 23 vezes mais prejudicial do que o carbono, isso equivale a mais de 200 milhões de toneladas de metano por ano, emitidas pelo rebanho bovino brasileiro”, aponta.


Na entrevista que segue, concedida por telefone à IHU On-Line, Novaes diz que a descentralização das fontes de produção de energia é fundamental para constituir um novo modelo de matriz energética. Ele também percebe nas energias eólica e solar um grande potencial para abastecer o consumo. “Se fossem instalados painéis solares em um quarto da área do reservatório de Itaipu, seria possível produzir tanta energia quanto a Usina de Itaipu”, compara.
Graduado em Direito, jornalista e ambientalista, Washington Novaes já atuou em várias publicações brasileiras. Ganhou prêmios como O Prêmio de Jornalismo Rei de Espanha, o troféu Golfinho de Ouro e o Prêmio Esso Especial de Meio Ambiente. Atualmente, é colunista dos jornais O Estadão e O Popular, de Goiânia."

Washington Novaes: Energias renováveis: a caminho da descentralização
Por: Graziela Wolfart e Patricia Fachin, 09/12/2008

IHU On-Line - Qual é o impacto do aquecimento global na economia mundial?
Washington Novaes – O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas diz que, se não reduzirmos as emissões em pelo menos dois terços do que elas são hoje, a temperatura da Terra subirá mais do que dois graus – levando em consideração que ela já subiu 0,8. Isso significará uma intensificação dos eventos extremos num nível muito grave.
Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial, preparou um estudo sobre o impacto econômico do clima para o governo britânico, no qual aponta que temos muito pouco tempo para trabalhar e tentar impedir que a temperatura se eleve além de dois graus. Precisamos reduzir as emissões de gases em 80%. Se não conseguirmos evitar isso, sofreremos a maior recessão econômica da história do mundo e perderemos até 20% do produto bruto mundial. Para que isso não aconteça, será preciso investir de 2 a 3% do produto mundial, por ano, em novas tecnologias e caminhos para evitar essas emissões.
Em outubro, a Agência Internacional de Energia publicou um diagnóstico dizendo que não conseguiremos evitar a elevação da temperatura, porque o consumo de energia subirá 45% até 2030, e ela será provida fundamentalmente por usinas movidas a petróleo, gás natural ou carvão. A Agência também diz que as emissões continuarão subindo, porque a maior parte do aumento do consumo de energia em países como a China e Índia será provido por queima de combustíveis fósseis.
IHU On-Line – De que maneira as energias renováveis podem contribuir para reduzir os impactos numa época de crises? As energias renováveis terão poder de barganha para negociar crises financeiras, por exemplo?
Washington Novaes – O confronto das energias renováveis com a energia derivada de combustíveis fósseis está na questão da contabilização de custos. Hoje, de acordo com os cálculos realizados, a energia eólica e solar são mais caras que as energias derivadas dos combustíveis fósseis. Mas isso depende de que cálculo se faz. Por exemplo, dizem que a utilização de combustíveis fósseis é mais barata, mas nesse processo não são contabilizados os custos que essa energia gera para saúde, para o meio ambiente. Ao utilizar essa energia no transporte, também não se contabiliza o custo de implantação de infra-estrutura. Então, tudo depende do que se contabiliza ou não.
Quando se vive um momento de crise, os problemas podem ficar ainda mais complicados, porque, de acordo com as contas atuais, as energias renováveis têm um custo maior e são mais difíceis de serem adotadas.

IHU On-Line – Considerando as riquezas naturais brasileiras, como o país pode se beneficiar com ambas as crises?
Washington Novaes – O ex-secretário da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, se cansou de dizer que os problemas centrais da humanidade são as mudanças climáticas e os padrões insustentáveis de produção e de consumo, que estão além da capacidade de reposição da biosfera terrestre. Os últimos relatórios do Programa Planeta Vivo dizem que estamos consumindo hoje, na Terra, cerca de 30% além do que ela pode repor. Ou seja, estamos numa posição absolutamente insustentável, porque esse consumo, além da capacidade de reposição, irá agravar muito a situação do Planeta, intensificando a desertificação, a crise da água, as mudanças climáticas etc.
Agora, se serviços e recursos naturais estão escassos no mundo, o Brasil deveria adotar isso como ponto de partida da sua estratégia maior; nós temos o que o mundo precisa. Sob esse ponto de vista, costumo dizer que o Brasil é uma espécie de sonho do mundo. O país tem um território continental, sol o ano inteiro, 12% da água que corre pela superfície da Terra – o que é um privilégio -, além de 15 a 20% da biodiversidade planetária. Ou seja, o Brasil tem a possibilidade de criar uma matriz energética limpa e renovável com energia hidrelétrica, solar, eólica – só a energia eólica seria capaz de atender a todo o consumo brasileiro de hoje -, sem falar nas energias da biomassa. Então, isso deveria ser o centro das estratégias brasileiras, mas continuamos fazendo de conta que nada existe.
IHU On-Line – Em que sentido, neste momento, é válida uma revisão dos modelos econômicos e energéticos do Brasil?
Washington Novaes – É fundamental. O Brasil continua correndo atrás de um crescimento econômico a qualquer custo e a qualquer preço, desatento às mudanças. É preciso rever esses modelos e implantar uma estratégia com possibilidade de futuro.
IHU On-Line – A venda de créditos de carbono pode representar uma alternativa para os países subdesenvolvidos, no que se refere à conquista de poder econômico e político?
Washington Novaes – A venda de créditos de carbono tem argumentos dos dois lados. Os críticos dizem que, ao comprarem créditos de carbono, as empresas também adquirem o direito de continuar poluindo. Elas compram créditos em outros países, mas emitem poluentes na região em que estão instaladas. Os defensores dizem que em qualquer hipótese as emissões mundiais se reduzem. O investimento em um projeto de redução das emissões no âmbito global é importante. Ele pode ser um caminho bom, visto por esse ponto de vista. Mas depende também de como será feita essa redução. O formato mais usado tem sido o de plantio de árvores para substituir com o carvão vegetal, o carvão mineral usado em siderurgias. No entanto, os críticos dizem que o plantio homogêneo de eucalipto e pínus provoca vários problemas: afasta a agricultura familiar e destrói a biodiversidade. Além disso, o eucalipto tem um consumo intensivo de água que acaba prejudicando os lugares onde ele é plantado. O fato de os créditos serem negociados em bolsas internacionais, onde são motivo de muita especulação financeira, também causa controversas entre os ambientalistas.
Existem outras maneiras de obter esses créditos, por exemplo, com a captação de metano em aterros sanitários e com a produção de energia. De qualquer modo, acredito que o ideal seja trabalhar para reduzir as emissões de gases no meio ambiente.
IHU On-Line – Alguns ambientalistas afirmam que, neste momento, é fundamental diminuir os níveis de emissão global de gases poluentes como o metano e o dióxido de carbono. Como isso será possível se a cada ano aumenta o tráfego de aviões e automóveis, por exemplo?
Washington Novaes – Precisamos trabalhar a reformulação das matrizes energéticas, porque é na produção de energia que está a concentração maior de emissões. É necessário reduzir as emissões na matriz dos transportes; precisaremos, para isso, ter veículos menos poluentes. Já existem alguns veículos híbridos, mas a grande esperança, as células de combustíveis, ainda não estão disponíveis. O transporte aéreo é um dos setores em que as emissões mais crescem. A redução desse processo irá depender de acordos internacionais muito difíceis de obter, porque há complicadores grandes, a começar pela definição de onde serão diminuídas as emissões: nos países de origem, de destino ou nos intermediários? Essas discussões são importantes também para a emissão de gases na área industrial. A China, por exemplo, levanta a tese de que um terço das emissões dela se deve a indústrias voltadas para exportações e que a taxação disso está no país que consome e não no que produz.
Independente do que seja decidido, nós precisamos reduzir as emissões por todos esses meios. Não podemos continuar construindo edificações, por exemplo, que não aproveitam a luz natural, que intensificam o calor, que consomem muitos materiais.
Talvez um dos setores mais difíceis de sofrer alteração será a pecuária e a emissão de metano. Segundo as medições feitas pela Embrapa, cada boi emite perto de 60 quilos de metano por ano, no seu processo de ruminação, arrotos e flatulências. Somente no Brasil temos 200 bilhões de bois. Isso daria mais de 10 milhões de toneladas de metano por ano. Como o metano é 23 vezes mais prejudicial do que o carbono, isso equivale a mais de 200 milhões de toneladas de metano por ano, emitidas pelo rebanho bovino brasileiro. Isso é equivalente a matriz industrial e de transportes do Brasil juntas. Então questiono: o país continuará sendo esse grande exportador de carnes a custo da emissão de metano?
IHU On-Line – Em que sentido as crises mais recentes (ecológica, financeira e alimentar) propiciaram um debate sobre a economia neoliberal?
Washington Novaes – Elas precisam propiciar esse debate. Quer dizer, todos os formatos civilizatórios, seja no capitalismo ou em países que adotaram o socialismo, são inadequados. A China, que é comunista, também tem formatos altamente impróprios da mesma forma que a antiga União Soviética. Então, o clima e os padrões insustentáveis de consumo que ameaçam a sobrevivência da espécie humana mostram que estamos numa crise de padrão civilizatório. Nosso estilo de vida não é compatível com as possibilidades do nosso Planeta.
IHU On-Line – É possível pensar que, no futuro, a energia será consumida diretamente no seu local de produção? Qual a viabilidade desse projeto?
Washington Novaes – Na medida em que for feita uma reformulação na matriz energética, teremos de avançar cada vez mais para a descentralização das fontes de produção de energia e para a sua adequação. Quanto mais caminharmos nessa direção, mais teremos uma descentralização da produção e uma produção mais próxima do local de consumo. Isso é muito desejável.
A Comissão Mundial de Barragens publicou um balanço mostrando que hoje temos armazenados, em reservatórios de barragens, três vezes mais água do que a que corre pelos rios em todo o mundo. Ou seja, há uma quantidade brutal de água retida. Isso tem várias implicações, entre elas o assoreamento dos reservatórios. Com o desmatamento das margens, eles sedem, ficam erosivos e acumulam material orgânico, o que também gera emissão de gases. Então, quanto menos unidades de grande porte tiverem, maior será a possibilidade de adequação.
IHU On-Line - Quando o senhor pensa numa revolução radical, que possa mudar toda a arquitetura do nosso sistema produtivo de energia, que proposta lhe surge?
Washington Novaes – Existem vários caminhos. Podemos partir de um estudo feito pela Unicamp e pelo WWWF-Brasil. A pesquisa mostra que o Brasil poderia reduzir tranqüilamente em 50% a sua necessidade energética. 30% poderia ser reduzido com programas de conservação, tal como fez em 2001 com o apagão, sem nenhum prejuízo. Poderia ganhar mais 10% com a repotenciação de usinas que já estão construídas, mas que estão com seu prazo de utilização vencido. A repotenciação dessas usinas tem um custo menor do que construir novas hidrelétricas. Poderíamos ganhar mais 10% com a redução de perda das linhas de transmissão. Nós já perdemos 15% nas linhas de transmissão, enquanto o Japão perdeu 1%. Com a redução desses custos, o restante do investimento poderia ser redirecionado para a saúde e a educação.
Outro estudo mostra que, se fossem instalados painéis solares em um quarto da área do reservatório de Itaipu, seria possível produzir tanta energia quanto a Usina de Itaipu. Nesse sentido, é importante aproveitar os momentos de crise e redirecionar os formatos de produzir e consumir. É insustentável o que está acontecendo no mundo e no Brasil.

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