Em dezembro de 2008 - ontem, mais exatamente - o chanceler brasileiro Celso Amorim descreveu a cúpula América Latina-Caribe, que se realiza amanhã na Bahia, como uma espécie de a América Latina (mais o Caribe) para os latino-americanos.
A reportagem é de Clóvis Rossi e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-12-2008.
A frase de Amorim foi exatamente esta: "É inacreditável que seja necessário, nesses 200 anos (após as independência dos países latino-americanos; ou menos no caso do Caribe), que os países da região tenham que se reunir na presença de poderes externos". E mencionou EUA, Espanha e Portugal como os "poderes externos".
Se Monroe fez de sua doutrina um libelo contra a colonização européia, Amorim fez questão de não ser contra ninguém. "Queremos boas relações com os Estados Unidos, mas a cúpula revela a maturidade no relacionamento entre países de diferentes matizes ideológicos na América Latina e no Caribe, o que sempre produz ganhos no relacionamento com os outros países do continente", afirmou.
O chanceler também disse não ser "desejável" nem "possível" que os EUA recuperem a hegemonia no subcontinente -"eles não querem".
O problema para essa visão integracionista da região é que ela não tem sido capaz de resolver problemas básicos na área econômico-comercial, do que dá testemunho o próprio Amorim. Na fala com que abriu, ontem pela manhã, outra cúpula regional (a do Mercosul), sem saber que ela estava sendo transmitida para a sala de imprensa, a três quilômetros do local da cúpula, Amorim confessou "duas frustrações".
A primeira foi o fato de que não se conseguiu acordo para eliminar a dupla cobrança da TEC (Tarifa Externa Comum). A proposta na mesa - que tanto o Itamaraty como a Chancelaria argentina chegaram a dar como aprovada - previa eliminar, numa primeira etapa, as tarifas mais baixas (2%, 4% e 6%), e só depois as mais altas.
A TEC é a tarifa que caracteriza uma união aduaneira, um passo adiante em matéria de integração, em relação a uma área de livre comércio. Nesta, os países-membros zeram as tarifas de importação entre eles. Na união aduaneira, cobram a mesma tarifa para importações dos não-membros, mas cobram uma vez só.
Hoje, um prego que entre no Brasil paga a TEC do Mercosul, mas se for reexportado para, por exemplo, o Paraguai, volta a pagá-la.
Paraguai
A União Européia "joga sempre na nossa cara", como disse Amorim, que é preciso eliminar essa duplicidade para poder avançar na negociação de um acordo comercial entre blocos.
O Paraguai, no entanto, opôs-se à eliminação, porque, segundo Amorim, trata-se para ele de uma receita importante. A maneira de superar a oposição paraguaia era aprovar também um Código Aduaneiro, que redirecionaria receitas para os países prejudicados (no caso, os menores, Paraguai e Uruguai).
Os paraguaios não se convenceram, pois o Brasil, como maior importador, ficaria com a maior parte da receita inicial. "Se os recursos entrassem primeiro no orçamento deles, para depois ser repassado ao nosso, eu também não aceitaria", disse Amorim.
O malogro na aceitação do Código Aduaneiro foi a segunda frustração do ministro, mas o som e a imagem de sua fala já haviam sido cortados na sala de imprensa -os jornalistas só ficaram sabendo depois, em entrevista coletiva do chanceler.
A eliminação da TEC acabou adiada para uma reunião extraordinária de ministros do Mercosul, no início do ano. Enquanto ela não acontece, Amorim acena com a hipótese de elevar a TEC do Mercosul como uma espécie de retaliação pelo fracasso da Rodada Doha de liberalização comercial, que deveria estabelecer a redução dos subsídios dos países ricos a seus produtores agrícolas.
Para Amorim, a "hibernação" de Doha, como ele a chamou, "provoca total insegurança inclusive sobre subsídios", o que levou a "demandas pontuais" pela elevação da TEC, que estão em análise. "Não vamos ficar inermes ante medidas desleais de comércio", completou.
Para compensar as "frustrações", Amorim vendeu aos jornalistas uma lista de nove pontos em que houve acordo na cúpula do Mercosul, da aprovação de um fundo de garantia (US$ 100 milhões) para financiar pequenas e médias empresas até a decisão dos países do bloco de absorver as exportações de têxteis da Bolívia que iam para os EUA, até que Evo Morales rompeu o acordo com Washington.
Não deixa de ser uma medida concreta para dar ossatura à retórica de a América Latina para os latino-americanos.
A reportagem é de Clóvis Rossi e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-12-2008.
A frase de Amorim foi exatamente esta: "É inacreditável que seja necessário, nesses 200 anos (após as independência dos países latino-americanos; ou menos no caso do Caribe), que os países da região tenham que se reunir na presença de poderes externos". E mencionou EUA, Espanha e Portugal como os "poderes externos".
Se Monroe fez de sua doutrina um libelo contra a colonização européia, Amorim fez questão de não ser contra ninguém. "Queremos boas relações com os Estados Unidos, mas a cúpula revela a maturidade no relacionamento entre países de diferentes matizes ideológicos na América Latina e no Caribe, o que sempre produz ganhos no relacionamento com os outros países do continente", afirmou.
O chanceler também disse não ser "desejável" nem "possível" que os EUA recuperem a hegemonia no subcontinente -"eles não querem".
O problema para essa visão integracionista da região é que ela não tem sido capaz de resolver problemas básicos na área econômico-comercial, do que dá testemunho o próprio Amorim. Na fala com que abriu, ontem pela manhã, outra cúpula regional (a do Mercosul), sem saber que ela estava sendo transmitida para a sala de imprensa, a três quilômetros do local da cúpula, Amorim confessou "duas frustrações".
A primeira foi o fato de que não se conseguiu acordo para eliminar a dupla cobrança da TEC (Tarifa Externa Comum). A proposta na mesa - que tanto o Itamaraty como a Chancelaria argentina chegaram a dar como aprovada - previa eliminar, numa primeira etapa, as tarifas mais baixas (2%, 4% e 6%), e só depois as mais altas.
A TEC é a tarifa que caracteriza uma união aduaneira, um passo adiante em matéria de integração, em relação a uma área de livre comércio. Nesta, os países-membros zeram as tarifas de importação entre eles. Na união aduaneira, cobram a mesma tarifa para importações dos não-membros, mas cobram uma vez só.
Hoje, um prego que entre no Brasil paga a TEC do Mercosul, mas se for reexportado para, por exemplo, o Paraguai, volta a pagá-la.
Paraguai
A União Européia "joga sempre na nossa cara", como disse Amorim, que é preciso eliminar essa duplicidade para poder avançar na negociação de um acordo comercial entre blocos.
O Paraguai, no entanto, opôs-se à eliminação, porque, segundo Amorim, trata-se para ele de uma receita importante. A maneira de superar a oposição paraguaia era aprovar também um Código Aduaneiro, que redirecionaria receitas para os países prejudicados (no caso, os menores, Paraguai e Uruguai).
Os paraguaios não se convenceram, pois o Brasil, como maior importador, ficaria com a maior parte da receita inicial. "Se os recursos entrassem primeiro no orçamento deles, para depois ser repassado ao nosso, eu também não aceitaria", disse Amorim.
O malogro na aceitação do Código Aduaneiro foi a segunda frustração do ministro, mas o som e a imagem de sua fala já haviam sido cortados na sala de imprensa -os jornalistas só ficaram sabendo depois, em entrevista coletiva do chanceler.
A eliminação da TEC acabou adiada para uma reunião extraordinária de ministros do Mercosul, no início do ano. Enquanto ela não acontece, Amorim acena com a hipótese de elevar a TEC do Mercosul como uma espécie de retaliação pelo fracasso da Rodada Doha de liberalização comercial, que deveria estabelecer a redução dos subsídios dos países ricos a seus produtores agrícolas.
Para Amorim, a "hibernação" de Doha, como ele a chamou, "provoca total insegurança inclusive sobre subsídios", o que levou a "demandas pontuais" pela elevação da TEC, que estão em análise. "Não vamos ficar inermes ante medidas desleais de comércio", completou.
Para compensar as "frustrações", Amorim vendeu aos jornalistas uma lista de nove pontos em que houve acordo na cúpula do Mercosul, da aprovação de um fundo de garantia (US$ 100 milhões) para financiar pequenas e médias empresas até a decisão dos países do bloco de absorver as exportações de têxteis da Bolívia que iam para os EUA, até que Evo Morales rompeu o acordo com Washington.
Não deixa de ser uma medida concreta para dar ossatura à retórica de a América Latina para os latino-americanos.
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