A Imagem acima se refere a USINA DE ITAIPÚ, Binacional, construída entre o Brasil e o Paraguai e que tem gerado controvérsias pelo chamado "bispo dos pobres", o presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo.
Nos últimos meses, o cenário sul-americano, e a política externa do Brasil para o entorno regional, tem sido caracterizados por uma alternância de fases de cooperação e de conflito. Seja no âmbito das relações bilaterais, como no dos projetos de porte regional como o Mercosul e a CASA, este fenômeno gerou questionamentos sobre as relações internacionais sul-americanas e suas prioridades estratégicas, políticas, econômicas e energéticas. Neste campo, pressões internas e externas convivem.
Em termos internos discute-se a diversificação da matriz energética, as demandas ambientais, a retomada da construção de usinas nucleares (e do programa da Marinha), os impactos das hidrelétricas e a diminuição da dependência. Recentemente, o Brasil enfrentou dificuldades com a Bolívia em virtude da nacionalização do gás natural e existe um outro conflito que pode ganhar vulto, entre Brasil e Paraguai por causa da Usina Binacional de Itaipu. Os dois países, sócios na construção deste empreendimento, têm concepções distintas sobre seus desdobramentos econômicos e operacionais, reflexo de problemas passados e desafios presentes.
Ao contrário do senso comum, em grande parte, as fronteiras entre Brasil e Paraguai não foram definitivamente estabelecidas à época do Barão de Rio Branco (1902/1912), cuja atuação havia dado cabo de todos os limites entre o Brasil e sua vizinhança (ver CAUBET, 1991, As grandes manobras de Itaipu). O Barão de Cotegipe, após a Guerra da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai versus Paraguai) havia instituído um tipo de documento, protocolo, que seria suficiente para resolver problemas fronteiriços urgentes, típicos de final de conflitos armados. Por isso, haveria necessidade de se instituir outro documento para servir como base dos limites fronteiriços permanentes entre os dois Estados. No entanto, durante toda a primeira parte do século XX as duas Chancelarias não resolveram efetivamente a questão de fronteiras, preservando certa medida de incerteza.
O primeiro passo para lidar com esta incerteza deu-se no governo Castello Branco (1964/67), o primeiro do regime militar (1964/1985), que tinha como prioridade a construção de uma potência média. Para isso, era preciso intensificar o crescimento econômico e a energia era essencial. Em 1966 com a assinatura da Ata das Cataratas foi estabelecida uma Comissão Técnica Mista entre Brasil e Paraguai para realizar estudos acerca da viabilidade de exploração dos recursos hídricos da Bacia do Prata e para acordos preferenciais de venda de energia.
Porém, foi somente a partir de 1968 com a consolidação do projeto de desenvolvimento como condição de segurança nacional e preeminência geopolítica, que a questão fronteira volta com toda força. Na oportunidade, reforçava-se um sentimento antibrasileiro em alguns setores em Assunção, sustentado pela posse brasileira da Ilha de Itaipu, como estabelecido pelo documento de Cotegipe. Como mencionado, este era um documento de urgência ao qual faltava certa precisão geográfica. Todavia, estudos constataram que a área era de propriedade paraguaia desde antes da guerra de 1865.
Naquele momento, o clima era bastante carregado. Não só no Paraguai, mas em boa parte da América do Sul, considerava-se o Brasil, apesar de seu status de grande nação, um país usurpador dos mais fracos indiferente com a sorte dos vizinhos, sem principio de unidade (posição diplomática definida por Oliveiros Ferreira como esplêndido isolamento, em FERREIRA 2001, A Crise da Política). Esse cenário não é apresentado de forma consensual pela literatura que aponta que a crise Brasil-Paraguai era uma forma de encobrir, diante da Argentina, a aproximação. Assim, Paraguai e Brasil estariam juntos nesta “guerra falsa” como forma de proteger seus projetos futuros e intensificar a parceria (ver VIZENTINI, 1998, A Política Externa do Regime Militar Brasileiro). O Tratado de Itaipu, assinado em 1973 deu conta tanto dos interesses do Brasil, como do Paraguai.
No caso brasileiro, a solução adotada serviu a propósitos diplomáticos, geopolíticos e econômicos. Como a devolução da Ilha de Itaipu estava fora de cogitação as Chancelarias de Assunção e Brasília resolveram dar vida a um empreendimento de caráter binacional, que atendesse às reclamações paraguaias pela meta de seu antigo território, a título de compensação. Sobre a área de disputa foi criada a Usina Binacional de Itaipu.
Além disso, o Brasil dava sinais de entrar em marcha forte de crescimento pela grande entrada de capital internacional, mais os investimentos públicos em obras de infra-estrutura. Já no governo Castello, havia sinais de que se necessitaria de um superávit de energia elétrica para dar cabo da progressão industrial e agrícola. Nos passos da construção da Usina de Paulo Afonso na década de 1950 a engenharia brasileira desenhou a maior usina hidroelétrica do mundo, com 12 milhões de kh/hora – título que ainda mantém, apesar do gigantismo da Usina das Três Gargantas, na China.
A construção de Itaipu resolveu duas questões: tranqüilizou o Paraguai em sua contestação, a respeito de fronteiras, e deu ao Brasil conforto energético. Para a Argentina as vantagens auferidas pelo Brasil não seriam somente estas: Buenos Aires passou a se ressentir contra a política do Itamaraty para o Paraguai, pois esta reforçava a presença geopolítica brasileira no Cone Sul, expandindo sua influência pelos países, que se tornariam satélites. Na visão argentina, a sociedade que o país oferecia ao Paraguai na construção da usina apenas limitava sua soberania, uma vez que a parceria se sustentava em empréstimos volumosos à Assunção, que gerariam uma dívida externa. O incremento do poder brasileiro era percebido como uma diminuição do argentino.
Durante a primeira parte dos anos 1970, a diplomacia brasileira teve de enfrentar enorme crise com a Argentina, que mobilizou-se em diversas instâncias, inclusive na Assembléia Geral das Nações Unidas, para impedir a construção de Itaipu. Apesar disso, em 1971 haviam ocorrido consultas prévias para a utilização da Bacia do Prata. Mesmo assim, estas negociações somente tiveram uma boa resolução em 1979 com o Acordo Multilateral Corpus-Itaipu, Tratado tripartite de Aproveitamento do Paraná entre Argentina, Brasil e Paraguai, finalizando profunda crise (em HAGE, 2004, As relações diplomáticas entre Argentina e Brasil no Mercosul e MELLO, 1996, Argentina e Brasil: a balança de poder no Cone Sul estas questões são abordadas em maior extensão).
Voltando à analise de Itaipu, com a operação e trabalho da Usina, que foi inaugurada em Outubro de 1984, ficou estabelecido que cada sócio teria 50% de toda a energia produzida. Pelo fato de o Paraguai utilizar somente 5% de toda produção hidroelétrica, toda a quantidade é repassada ao Brasil que fica com 95% de toda a eletricidade de Itaipu. Mas o raciocínio, todo ele fundamentado no Tratado de Itaipu de 1973 não é tão mecânico. Esta situação pode ser percebida em acordos que deixaram claras as assimetrias dos sócios e o valor que seria conveniente para cada um pagar pelo custo da energia. Pelo fato de o Brasil ser mais rico deve ser pago ao Paraguai 32 dólares pelo kw/hora pela sua quantidade de energia tirada de Itaipu. Mas o kw/hora do Brasil custa 18 dólares. Portanto, o país compra a energia que lhe é de direito a 18, mas compra a do Paraguai por 32 – o que não deixa de ser uma poupança permanente para a República guarani.
Superada a crise com a Argentina, o Paraguai também tornou-se sócio deste país em mais uma obra. Trata-se da Usina de Libertad, bem a jusante do Paraná e se integrando ao Prata. Este efeito fez do Paraguai uma espécie de “emirado hidroelétrico”, pois o país consegue uma quantidade inimaginável de energia e a repassa para os dois maiores Estados sul-americanos.
Na verdade, tem de se reconhecer o Paraguai como ele é: o fato do país ser pobre economicamente não quer dizer que seja incapaz politicamente. Longe disso, Assunção conseguiu criar um corpo diplomático de grande habilidade que faz o país tirar proveito da balança de poder regional. Essa habilidade pode ser usada em momentos específicos nos quais necessita de reafirmação nacional. Itaipu efetivamente costura o Paraguai ao Brasil, não sendo possível negar a interdependência. Economicamente não há dúvida de que a usina contribui para o Paraguai, transferindo parte dos custos da operação ao Brasil. Itaipu é vantajosa pelos capitais que agrega à economia paraguaia e pelo poder de barganha que fornece a sua diplomacia. E, para o Brasil, esta situação pode gerar custos.
A despeito deste bom relacionamento, qualquer situação de interdependência traz riscos e vulnerabilidades. Não se pode descartar a hipótese de que Itaipu seja usada como moeda política e sirva de instrumento de pressão. Partidos nacionalistas podem argumentar que a sorte do país não avança por causa de sua relação “desigual” com o Brasil. Se nos Andes o nacionalismo cresceu, o mesmo pode acontecer no Paraguai.
Se Itaipu é chantageada isso significa um problema de segurança nacional iminente, no mínimo porque a usina fornece 20 a 25% da energia elétrica utilizada no Brasil. Mas esse índice sobe muito mais quando se trata da Região Sudeste, a mais industrializada e importante para o Brasil. Sem a energia de Itaipu uma grave crise política e econômica pode ocorrer não somente no espaço nacional, mas regional também.
A impressão que há é que Itaipu só se torna imune a situações de riscos ao Brasil se o modelo institucional que a imaginou seja sustentado pelo poder político. Poder político que deixa claro ser Itaipu algo de relevância à segurança nacional, por isso, não ignorada pelo poder nacional brasileiro que, em ultima instância, não é só diplomático, mas também militar. Porém, em um momento histórico que prega o baixo perfil do poder nacional sob as formas mais tradicionais, assim como a reforma institucional do Estado em razão dos imperativos da globalização, existindo as pressões sócio-econômicas do neoliberalismo, a situação de equilíbrio político sobre Itaipu pode ser perturbado.
Desde os anos 1990, com a criação do Mercosul e o aumento da institucionalização regional, considerou-se que estas “perturbações” seriam superadas. Do lado do Paraguai, isto neutralizaria, por exemplo, a visão de um Brasil imperial. Contudo, a fórmula concebida pelo Tratado de Assunção para lidar com estas tensões diplomáticas está em crise, não dando conta dessa possível encruzilhada, nem da existente entre Argentina e Uruguai em razão das papeleiras. Não só no que se refere à relação bilateral, mas a todo o entorno, é preciso desenvolver um percepção realista e pragmática, superando as dificuldades que ofuscam as potencialidades de integração.
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