domingo, 3 de agosto de 2008

ACERTO DE CONTA DOS PAÍSES LATINOS COM A DITADURA !

Nos últimos anos, os tribunais de Argentina, Uruguai e Chile avançaram de forma expressiva nos processos por violações dos direitos humanos cometidas durante as ditaduras nas décadas de 70 e 80. O caminho é longo e ainda resta muito a ser feito, mas os três países mostraram disposição para julgar militares, civis e até mesmo membros da Igreja (no caso argentino) acusados de terem seqüestrado, torturado e assassinado opositores das ditaduras. A reportagem é de Janaína Figueiredo e publicada pelo jornal O Globo, 03-08-2008.
Há duas semanas, os tribunais da província argentina de Córdoba condenaram à prisão perpétua o ex-chefe do Terceiro Corpo do Exército, general da reserva Luciano Benjamín Menéndez, figura de proa da última ditadura argentina (1976-1983). Menéndez foi o primeiro militar de alta hierarquia condenado após a anulação das leis de Obediência Devida e Ponto Final, as chamadas leis do perdão, aprovadas durante o governo do presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) e revogadas há três anos pelo Congresso.


Argentina: enxurrada de processos

Com a chegada do casal Kirchner ao poder, em 2003, a Argentina decidiu encerrar um dos capítulos mais macabros de sua História. Três anos após terem sido anuladas as leis do perdão, atualmente 1.065 militares e civis argentinos estão envolvidos em processos judiciais por crimes da ditadura.

Deste total, 17 já foram condenados, 345 estão sendo processados e com prisão preventiva decretada, 46 estão foragidos e 166 morreram. Em outros casos, os acusados estão respondendo ao processo em liberdade ou apenas foram denunciados. Na visão da advogada Carolina Varsky, do Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels), mais de 30 anos após o golpe de Estado de 1976, pode-se dizer que “a Justiça começou a avançar, mas ainda há limitações”.
— Nos últimos três anos, conseguimos realizar apenas oito julgamentos. Que até o momento tenhamos apenas 17 condenações, sendo que mais de mil pessoas estão envolvidas em crimes da ditadura, mostra que a Justiça atua com uma lentidão que nos preocupa — disse Varsky.
Para a advogada argentina, “a demora da Justiça vai acabar favorecendo a impunidade”.
— Hoje, a maioria dos acusados têm mais de 60 anos. Muitos faleceram antes de serem condenados — enfatizou a advogada do Cels.
No ano passado, o tribunal de La Plata foi cenário de dois julgamentos emblemáticos. O ex-policial Miguel Etchecolatz e o padre Christian Von Wernich foram condenados à prisão perpétua por participação no genocídio cometido pelos militares argentinos.
De acordo com dados do Cels, do total de militares e civis detidos nos últimos anos, 33% estão em prisões comuns, 24% em unidades penitenciárias militares, 30% obtiveram o benefício da prisão domiciliar e 3% estão no exterior.
O Cels não tem informações sobre os 10% restantes.
Nos próximos anos, serão julgados o ex-delegado e deputado da província de Buenos Aires Luis Patti e outros ex-repressores de fama mundial, entre eles, o ex-capitão da Marinha Alfredo Astiz, conhecido como Anjo Louro, e o ex-ditador Jorge Rafael Videla. Os processos abertos na Justiça argentina também incluem dezenas de casos de roubo de bebês — filhos de presos políticos que nasceram em campos clandestinos de tortura.
No Uruguai, foram abertos 14 processos contra militares e civis acusados de terem participado de seqüestros e assassinatos durante o regime militar (1973-1985). Em 2006, a Justiça ordenou a prisão do ex-presidente civil Juan Maria Bordaberry, que governou o país entre 1973 e 1976 e é o principal acusado pelo seqüestro e desaparecimento dos congressistas Zelmar Michelini e Héctor Gutiérrez Ruiz, e de Rosario Barredo e William Whitelaw, militantes do movimento Tupamaro, todos ocorridos em 1976.
Também foi preso o ex-chanceler do governo militar, Juan Carlos Blanco. Bordaberry foi eleito em 1972, mas no ano seguinte optou por aliar-se aos militares e dissolver o Congresso. O acordo durou três anos, já que em 1976 as Forças Armadas destituíram Bordaberry e assumiram o controle total do país. Sua prisão e a abertura do processo foram possíveis, pois os seqüestros ocorreram fora do Uruguai e, portanto, os acusados não podem ampararse na chamada Lei de Caducidade, que protege os militares uruguaios.
A polêmica lei uruguaia, ratificada em plebiscito popular, também permite o julgamento de civis. Um dos principais processos em andamento na Justiça uruguaia envolve crimes cometidos por militares e civis que participaram da Operação Condor, o plano de ação conjunta das ditaduras do Cone Sul. Além de Bordaberry, também foi preso o ex-ditador Gregório Álvarez, de 82 anos, que em 1978 e 1979 foi comandante-emchefe do Exército e, posteriormente, assumiu o governo do país até o retorno da democracia, em 1985. O exditador foi acusado de ser o responsável pelo desaparecimento de 200 pessoas.
Ex-general chileno atrás das grades
No Chile, dezenas de militares estão presos, à espera de um julgamento.
Em 2003, o Supremo Tribunal de Justiça anunciou uma decisão histórica para o país: a condenação a 15 anos de prisão do ex-general da Dina (a polícia secreta do ditador Augusto Pinochet), Manuel Contreras. A medida afetou outros quatro altos integrantes da Dina, que também foram condenados.

Outros casos estão avançando.

Em março passado, por exemplo, 24 policiais chilenos foram condenados pelo assassinato de 31 pessoas em Osorno. Dois meses antes, três militares reformados do Exército foram declarados culpados no julgamento pela morte de três opositores do regime de Pinochet, em outubro de 1973, apenas um mês após o golpe que derrubou o governo de Salvador Allende (1970-1973).

CRIME SEM CASTIGO PARA REPRESSORES BRASILEIROS !


No Brasil, é consenso entre militantes de direitos humanos, familiares de desaparecidos e perseguidos políticos e organizações da sociedade civil: a Justiça brasileira está longe seguir os tribunais de Argentina, Chile e Uruguai. No país, não há caso de julgamento de agentes da ditadura militar que torturaram e assassinaram manifestantes da esquerda. As autoridades brasileiras ainda discutem se cabe ou não punição para esses militares. A reportagem é de Evandro Éboli e publicada pelo jornal O Globo, 03-08-2008.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, e secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, defenderam esta semana a punição dos torturadores.
Para o advogado Belisário Santos Júnior, que defendeu presos políticos e integra a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, o direito internacional considera tais crimes imprescritíveis.
Belisário estabelece diferenças entre a ditadura brasileira e desses países vizinhos, e afirma que no Brasil não houve, como em outros lugares, clamor da população para que os responsáveis fossem punidos.
— Na Argentina, no Chile e no Uruguai, a violência foi maciça, e a cobrança da cidadania era mais viva. No Brasil, a violência foi mais seletiva, cometida com Congresso aberto e algumas instituições funcionando. Aqui, você não vê as pessoas nas ruas clamando por justiça nesses casos. Reconhece-se que os torturadores devem ser punidos, mas não é algo visceral — disse Belisário Júnior.
Para Tarso Genro, tortura é crime comum, e não político
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que o Brasil está muito atrasado no reconhecimento do que chamou de “atos de sangue e tortura” praticados por agentes do Estado. Para ele, a Lei da Anistia não pode ser escudo de impunidade a quem agiu contra os opositores do regime.
— O Brasil não só não puniu, mas também impôs uma absurda censura no que se refere a atos praticados durante a ditadura militar. São dois erros graves. Anistia não é amnésia. Todos têm o direito de saber o que aconteceu no submundo dos órgãos de repressão. O que não se pode é anistiar sem saber o quê? — disse Britto.
Pela primeira vez, o governo debate a possibilidade de se julgarem os militares da repressão. Dias atrás, num seminário sobre o tema, o ministro da Justiça defendeu a responsabilização civil e criminal dos militares que atuaram na repressão.
— Na época do regime militar não era permitida a tortura. O delito não é político, é comum — alegou Tarso.
Paulo Vannuchi, também defendeu a punição para esses militares. Na opinião do advogado Augustino Veit, expresidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, o Brasil começa a engatinhar na apuração dos abusos dos governos militares.
— O Poder Executivo e o Congresso Nacional nada têm feito para esclarecer esses fatos. É preciso saudar essa ação dos procuradores para que esses crimes não sigam para o esquecimento eterno — disse Veit.

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