A GRANDE JOGADA DO PREMIÊ RUSSO:
Os detalhes sobre quem teria feito o que para provocar a guerra da Rússia contra a Geórgia não são de grande importância. Quem se lembra dos detalhes da crise nos Sudetos que levou à invasão da Checoslováquia pela Alemanha nazista? Ninguém, é claro, pois essa disputa é lembrada como um ato menor de um drama muito mais amplo. O comentário é de Robert Kagan, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace, colunista do ‘Washington Post’ e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 13-08-2008.
Os eventos da semana passada serão lembrados da mesma maneira. Esta guerra não começou por causa de um erro de cálculo do presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili. É uma guerra que Moscou tenta provocar já há algum tempo.
HUMILHAÇÃO
Infelizmente, tais táticas parecem funcionar invariavelmente. Enquanto os bombardeiros russos atacam portos e bases militares na Geórgia, os europeus e os americanos, incluindo funcionários de alto escalão no governo Bush, culpam o Ocidente por se exceder nas provocações à Rússia sobre um grande número de questões.
É verdade que muitos russos se sentiram humilhados pelo modo com que terminou a Guerra Fria, e Putin convenceu a muitos de que a culpa da rendição russa ao Ocidente era de Boris Yeltsin e dos democratas russos.
Este clima lembra a Alemanha após a 1ª Guerra Mundial, quando os alemães se queixavam da “vergonhosa derrota de Versailles” imposta pelas potências vitoriosas sobre uma Alemanha prostrada e dos políticos corruptos que apunhalaram o país pelas costas.
Agora, como naquela época, esse sentimento é compreensível. No entanto, agora, como naquela época, ele está sendo manipulado para justificar a autocracia doméstica e para convencer as potências ocidentais de que a acomodação - ou, para empregar um termo que já foi respeitável, a conciliação - é a melhor medida.
Mas a realidade é que, com relação à maioria desses problemas, é a Rússia, e não a Geórgia, quem está provocando. Foi a Rússia quem desafiou a autonomia de Kosovo, um lugar onde Moscou não teria interesses perceptíveis para além da já declarada solidariedade pan-eslávica.
Foi a Rússia quem decidiu transformar o pequeno destacamento de um punhado de aviões defensivos interceptadores na Polônia, que jamais poderia ser usado contra o vasto arsenal de mísseis russos, em uma grande confrontação geopolítica. E foi a Rússia quem precipitou uma guerra contra a Geórgia ao encorajar os rebeldes ossétios do sul a aumentar a pressão sobre Tbilisi e fazer exigências que nenhum líder da Geórgia poderia aceitar. Se Saakashvili não tivesse caído na armadilha de Putin desta vez, algum outro pretexto teria detonado o conflito.
Diplomatas na Europa e em Washington acreditam que Saakashvili cometeu um erro ao mandar soldados para a Ossétia do Sul na semana passada. Talvez. Mas seu erro verdadeiramente monumental foi o de ser presidente de uma nação pequena, em sua maioria democrática e insistentemente pró-Ocidente na fronteira da Rússia de Putin.
Os historiadores analisarão o 8 de agosto de 2008 como um ponto de inflexão tão importante quanto o 9 de novembro de 1989, quando caiu o Muro de Berlim. O ataque russo contra o território soberano da Geórgia marcou o retorno oficial da história e nos termos de uma competição entre superpotências digna do século 19, com o pacote completo que inclui nacionalismos virulentos, batalhas por recursos, disputas por esferas de influência e território, e até mesmo - apesar de chocante para nossa sensibilidade do século XXI - o uso do poderio militar para concretizar objetivos geopolíticos.
Sim, a globalização continua, assim como a independência econômica, a União Européia e outros esforços pela construção de uma ordem internacional mais aperfeiçoada. Mas tudo isso terá de competir com as duras realidades da vida internacional que perduram desde tempos imemoriais, e por vezes ser subjugado por elas . É melhor que o próximo presidente dos EUA esteja pronto para isto.
Nos anos seguintes ao fim da Guerra Fria, o carnaval de ilusões festivas dos anos Clinton proporcionou um modelo de relacionamento definido pela chamada Parceria pela Paz - um fórum de debate entre os membros da Otan e os países que orbitavam a antiga União Soviética. O clube, criado em 1994, ainda existe, mas só no papel.
Seguros da debacle russa após a crise econômica de 1998, que coroou uma década de desmonte da ex-superpotência, os líderes dos EUA e da Europa resolveram jogar no lixo o discurso pacifista e intervir em Kosovo. Impotente, a Rússia calou.
Por todos seus erros, o choque de realidade do 11 de Setembro e a política de George W. Bush tiveram ao menos o mérito de tirar o falso verniz humanitário da ação em Kosovo, amplificando o modelo quase ao paroxismo. Não se trata de defesa do que ocorreu: com a exceção do ataque inicial ao Taleban, é bem difícil achar justificativas para o monstro nascido após setembro de 2001.
PUTIN
O processo de acomodação dos antigos membros do Pacto de Varsóvia à nova Europa começou de fato em 1999, quando os três primeiros ex-comunistas entraram na Otan. Novamente, a Rússia apenas pôde torcer o nariz. Mas foi 2004 que assistiu a incorporação de outros sete membros, trazendo a aliança militar ocidental às bordas da Rússia.
A essa altura, Vladimir Putin já dava as cartas, e o país começava a colher os frutos da alta do petróleo que, ironicamente, se deve em parte justamente às políticas de Washington. Tolhendo liberdades, reestatizando a economia e firmando um grupo fechado no poder, Putin semeou o solo para a mostra de força no Cáucaso.
Enquanto podia, a Otan empurrou suas fronteiras a leste. Mas a Rússia já estava suficientemente ameaçadora quando o flerte com a Geórgia e a Ucrânia tomou corpo, e a solução foi fazer uma aposta nas chamadas "revoluções coloridas".
Só que a Revolução Laranja, na Ucrânia, deu no que deu: corrupção generalizada, desestabilização por parte de Moscou e uma crise atrás da outra. A Rosa, na Geórgia, criou o instável Mikhail Saakashvili, que se mostrou um péssimo estrategista ao dar a desculpa ideal para o passeio militar russo em seu país.
CENÁRIO À FRENTE
A relação carnal entre Saakashvili e Bush não deverá sobreviver ao próximo presidente americano -isso se o georgiano estiver no poder. A Geórgia foi perdida.
O Ocidente terá de reinventar seu olhar. Foram Alemanha e França que impediram a entrada da Geórgia na Otan, como queria Bush em abril deste ano. Mas teria a aceitação impedido o de- senrolar da crise no Cáucaso? Voltaríamos aos anos 60?
Isso tudo é especulação, a realidade está aí e é outra. Moscou está numa posição de força, a Europa vê seu plano energético alternativo ir para o espaço.
O Kremlin agora está na posição daquele conquistador romano que desfilava com os louros da vitória, descrito na cena final de "Patton": numa bela carruagem, mas com um escravo sussurrando ao seu ouvido que "toda a glória é efêmera". Assim, talvez movidos pelo sussurro, Putin e os seus irão atrás de novos acertos de contas, e o escudo antimísseis de Bush é apenas um deles.
Como o Ocidente lidará com isso? O pragmatismo militarista que o fim da era Bush prometia reduzir pode na verdade ter se ampliado; o mundo ficou um lugar mais perigoso.
A guerra na Geórgia/Ossétia do Sul é o mais acabado exemplo de que, mesmo no auge da globalização, conceitos tribais superam quaisquer outras considerações e provocam, nas grandes potências, a cínica adoção do velhíssimo ditado popular "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". O comentário é de Clóvis Rossi, jornalista, e publicado no jornal Folha de S. Paulo, 13-08-2008.
Afinal, como perguntava o jornalista Thierry Maliniak em "El País", da Espanha: "Se se podem modificar as fronteiras em bases étnicas nos Bálcãs, por que não no Cáucaso?".
Refere-se, como é óbvio, ao fato de que a União Européia e os EUA apoiaram e patrocinaram a independência de Kosovo, nos Bálcãs, de maioria albanesa, contrariando Sérvia e Rússia.
Os detalhes sobre quem teria feito o que para provocar a guerra da Rússia contra a Geórgia não são de grande importância. Quem se lembra dos detalhes da crise nos Sudetos que levou à invasão da Checoslováquia pela Alemanha nazista? Ninguém, é claro, pois essa disputa é lembrada como um ato menor de um drama muito mais amplo. O comentário é de Robert Kagan, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace, colunista do ‘Washington Post’ e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 13-08-2008.
Os eventos da semana passada serão lembrados da mesma maneira. Esta guerra não começou por causa de um erro de cálculo do presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili. É uma guerra que Moscou tenta provocar já há algum tempo.
O homem que certa vez chamou o colapso da União Soviética de “a maior catástrofe geopolítica do século ” restabeleceu um virtual regime czarista na Rússia e está tentando restaurar o papel antes dominante do país no palco da Eurásia e do mundo.
Armado com riquezas provenientes do petróleo e do gás; mantendo um quase monopólio sobre o fornecimento de energia para a Europa; contando com um milhão de soldados, milhares de ogivas nucleares e o terceiro maior orçamento militar do mundo, Vladimir Putin acredita que agora é a hora de fazer sua jogada.
O infeliz destino da Geórgia é estar no limiar do abismo geopolítico que marca a fronteira russa ocidental e sul-ocidental. Desde o Báltico ao norte passando pela Europa Central e pelos Bálcãs até o Cáucaso e a Ásia Central, uma disputa de poder geopolítico emergiu entre uma Rússia ressuscitada e revanchista de um lado e a União Européia e os Estados Unidos do outro.
A agressão de Putin contra a Geórgia não deve ser atribuída somente às aspirações do pequeno país de ingressar na Otan ou ao mal-estar provocado no primeiro-ministro russo pela independência de Kosovo. Ela é, antes de mais nada, uma resposta às “revoluções coloridas” ocorridas na Ucrânia e na Geórgia, em 2003 e 2004, quando governos pró-Ocidente substituíram regimes pró-Rússia. Aquilo que o Ocidente celebrou como florescimento da democracia foi visto pelo autocrático Putin como um cerco geopolítico e ideológico.
Desde então, Putin mantém-se determinado a impedir e, se possível, reverter a tendência pró-Ocidente junto às suas fronteiras. Ele busca não apenas impedir a inclusão de Geórgia e da Ucrânia na Otan como também trazê-las para o alcance do controle russo. Além disso, ele tenta abrir espaço para uma zona de influência dentro da Otan, com um status de segurança reduzido para os países que fazem fronteira com a Rússia, principalmente nos seus flancos estratégicos. Este é o principal motivo por trás da oposição de Moscou à instalação dos sistemas antimísseis dos EUA na Polônia e na República Checa.
Sua guerra contra a Geórgia faz parte de uma estratégia maior. Putin está tão preocupado com alguns milhares de ossétios do sul quanto com os sérvios de Kosovo. Declarações de compaixão pan-eslávica são pretextos que têm o objetivo de difundir o nacionalismo russo e expandir o poderio da Rússia no exterior.
Armado com riquezas provenientes do petróleo e do gás; mantendo um quase monopólio sobre o fornecimento de energia para a Europa; contando com um milhão de soldados, milhares de ogivas nucleares e o terceiro maior orçamento militar do mundo, Vladimir Putin acredita que agora é a hora de fazer sua jogada.
O infeliz destino da Geórgia é estar no limiar do abismo geopolítico que marca a fronteira russa ocidental e sul-ocidental. Desde o Báltico ao norte passando pela Europa Central e pelos Bálcãs até o Cáucaso e a Ásia Central, uma disputa de poder geopolítico emergiu entre uma Rússia ressuscitada e revanchista de um lado e a União Européia e os Estados Unidos do outro.
A agressão de Putin contra a Geórgia não deve ser atribuída somente às aspirações do pequeno país de ingressar na Otan ou ao mal-estar provocado no primeiro-ministro russo pela independência de Kosovo. Ela é, antes de mais nada, uma resposta às “revoluções coloridas” ocorridas na Ucrânia e na Geórgia, em 2003 e 2004, quando governos pró-Ocidente substituíram regimes pró-Rússia. Aquilo que o Ocidente celebrou como florescimento da democracia foi visto pelo autocrático Putin como um cerco geopolítico e ideológico.
Desde então, Putin mantém-se determinado a impedir e, se possível, reverter a tendência pró-Ocidente junto às suas fronteiras. Ele busca não apenas impedir a inclusão de Geórgia e da Ucrânia na Otan como também trazê-las para o alcance do controle russo. Além disso, ele tenta abrir espaço para uma zona de influência dentro da Otan, com um status de segurança reduzido para os países que fazem fronteira com a Rússia, principalmente nos seus flancos estratégicos. Este é o principal motivo por trás da oposição de Moscou à instalação dos sistemas antimísseis dos EUA na Polônia e na República Checa.
Sua guerra contra a Geórgia faz parte de uma estratégia maior. Putin está tão preocupado com alguns milhares de ossétios do sul quanto com os sérvios de Kosovo. Declarações de compaixão pan-eslávica são pretextos que têm o objetivo de difundir o nacionalismo russo e expandir o poderio da Rússia no exterior.
HUMILHAÇÃO
Infelizmente, tais táticas parecem funcionar invariavelmente. Enquanto os bombardeiros russos atacam portos e bases militares na Geórgia, os europeus e os americanos, incluindo funcionários de alto escalão no governo Bush, culpam o Ocidente por se exceder nas provocações à Rússia sobre um grande número de questões.
É verdade que muitos russos se sentiram humilhados pelo modo com que terminou a Guerra Fria, e Putin convenceu a muitos de que a culpa da rendição russa ao Ocidente era de Boris Yeltsin e dos democratas russos.
Este clima lembra a Alemanha após a 1ª Guerra Mundial, quando os alemães se queixavam da “vergonhosa derrota de Versailles” imposta pelas potências vitoriosas sobre uma Alemanha prostrada e dos políticos corruptos que apunhalaram o país pelas costas.
Agora, como naquela época, esse sentimento é compreensível. No entanto, agora, como naquela época, ele está sendo manipulado para justificar a autocracia doméstica e para convencer as potências ocidentais de que a acomodação - ou, para empregar um termo que já foi respeitável, a conciliação - é a melhor medida.
Mas a realidade é que, com relação à maioria desses problemas, é a Rússia, e não a Geórgia, quem está provocando. Foi a Rússia quem desafiou a autonomia de Kosovo, um lugar onde Moscou não teria interesses perceptíveis para além da já declarada solidariedade pan-eslávica.
Foi a Rússia quem decidiu transformar o pequeno destacamento de um punhado de aviões defensivos interceptadores na Polônia, que jamais poderia ser usado contra o vasto arsenal de mísseis russos, em uma grande confrontação geopolítica. E foi a Rússia quem precipitou uma guerra contra a Geórgia ao encorajar os rebeldes ossétios do sul a aumentar a pressão sobre Tbilisi e fazer exigências que nenhum líder da Geórgia poderia aceitar. Se Saakashvili não tivesse caído na armadilha de Putin desta vez, algum outro pretexto teria detonado o conflito.
Diplomatas na Europa e em Washington acreditam que Saakashvili cometeu um erro ao mandar soldados para a Ossétia do Sul na semana passada. Talvez. Mas seu erro verdadeiramente monumental foi o de ser presidente de uma nação pequena, em sua maioria democrática e insistentemente pró-Ocidente na fronteira da Rússia de Putin.
Os historiadores analisarão o 8 de agosto de 2008 como um ponto de inflexão tão importante quanto o 9 de novembro de 1989, quando caiu o Muro de Berlim. O ataque russo contra o território soberano da Geórgia marcou o retorno oficial da história e nos termos de uma competição entre superpotências digna do século 19, com o pacote completo que inclui nacionalismos virulentos, batalhas por recursos, disputas por esferas de influência e território, e até mesmo - apesar de chocante para nossa sensibilidade do século XXI - o uso do poderio militar para concretizar objetivos geopolíticos.
Sim, a globalização continua, assim como a independência econômica, a União Européia e outros esforços pela construção de uma ordem internacional mais aperfeiçoada. Mas tudo isso terá de competir com as duras realidades da vida internacional que perduram desde tempos imemoriais, e por vezes ser subjugado por elas . É melhor que o próximo presidente dos EUA esteja pronto para isto.
O MUNDO É UM LUGAR MAIS PERIGOSO !
Exceto que o imprevisível aconteça, a curta guerra na Geórgia pode ser dada como encerrada com uma vitória estratégica da Rússia. Cabe perguntar: após fracassar, o Ocidente conseguirá formular uma política coerente na relação com a renascida Moscou? O comentário é de Igor Gielow e publicado no jornal Folha de S. Paulo, 13-08-2008.
Nos anos seguintes ao fim da Guerra Fria, o carnaval de ilusões festivas dos anos Clinton proporcionou um modelo de relacionamento definido pela chamada Parceria pela Paz - um fórum de debate entre os membros da Otan e os países que orbitavam a antiga União Soviética. O clube, criado em 1994, ainda existe, mas só no papel.
Seguros da debacle russa após a crise econômica de 1998, que coroou uma década de desmonte da ex-superpotência, os líderes dos EUA e da Europa resolveram jogar no lixo o discurso pacifista e intervir em Kosovo. Impotente, a Rússia calou.
Por todos seus erros, o choque de realidade do 11 de Setembro e a política de George W. Bush tiveram ao menos o mérito de tirar o falso verniz humanitário da ação em Kosovo, amplificando o modelo quase ao paroxismo. Não se trata de defesa do que ocorreu: com a exceção do ataque inicial ao Taleban, é bem difícil achar justificativas para o monstro nascido após setembro de 2001.
PUTIN
O processo de acomodação dos antigos membros do Pacto de Varsóvia à nova Europa começou de fato em 1999, quando os três primeiros ex-comunistas entraram na Otan. Novamente, a Rússia apenas pôde torcer o nariz. Mas foi 2004 que assistiu a incorporação de outros sete membros, trazendo a aliança militar ocidental às bordas da Rússia.
A essa altura, Vladimir Putin já dava as cartas, e o país começava a colher os frutos da alta do petróleo que, ironicamente, se deve em parte justamente às políticas de Washington. Tolhendo liberdades, reestatizando a economia e firmando um grupo fechado no poder, Putin semeou o solo para a mostra de força no Cáucaso.
Enquanto podia, a Otan empurrou suas fronteiras a leste. Mas a Rússia já estava suficientemente ameaçadora quando o flerte com a Geórgia e a Ucrânia tomou corpo, e a solução foi fazer uma aposta nas chamadas "revoluções coloridas".
Só que a Revolução Laranja, na Ucrânia, deu no que deu: corrupção generalizada, desestabilização por parte de Moscou e uma crise atrás da outra. A Rosa, na Geórgia, criou o instável Mikhail Saakashvili, que se mostrou um péssimo estrategista ao dar a desculpa ideal para o passeio militar russo em seu país.
CENÁRIO À FRENTE
A relação carnal entre Saakashvili e Bush não deverá sobreviver ao próximo presidente americano -isso se o georgiano estiver no poder. A Geórgia foi perdida.
O Ocidente terá de reinventar seu olhar. Foram Alemanha e França que impediram a entrada da Geórgia na Otan, como queria Bush em abril deste ano. Mas teria a aceitação impedido o de- senrolar da crise no Cáucaso? Voltaríamos aos anos 60?
Isso tudo é especulação, a realidade está aí e é outra. Moscou está numa posição de força, a Europa vê seu plano energético alternativo ir para o espaço.
O Kremlin agora está na posição daquele conquistador romano que desfilava com os louros da vitória, descrito na cena final de "Patton": numa bela carruagem, mas com um escravo sussurrando ao seu ouvido que "toda a glória é efêmera". Assim, talvez movidos pelo sussurro, Putin e os seus irão atrás de novos acertos de contas, e o escudo antimísseis de Bush é apenas um deles.
Como o Ocidente lidará com isso? O pragmatismo militarista que o fim da era Bush prometia reduzir pode na verdade ter se ampliado; o mundo ficou um lugar mais perigoso.
TRIBOS VENCEM NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO !
A guerra na Geórgia/Ossétia do Sul é o mais acabado exemplo de que, mesmo no auge da globalização, conceitos tribais superam quaisquer outras considerações e provocam, nas grandes potências, a cínica adoção do velhíssimo ditado popular "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". O comentário é de Clóvis Rossi, jornalista, e publicado no jornal Folha de S. Paulo, 13-08-2008.
Afinal, como perguntava o jornalista Thierry Maliniak em "El País", da Espanha: "Se se podem modificar as fronteiras em bases étnicas nos Bálcãs, por que não no Cáucaso?".
Refere-se, como é óbvio, ao fato de que a União Européia e os EUA apoiaram e patrocinaram a independência de Kosovo, nos Bálcãs, de maioria albanesa, contrariando Sérvia e Rússia.
Se houvesse lógica, EUA e UE deveriam apoiar a independência da Ossétia do Sul, de maioria russa, supostamente sufocada pela Geórgia.
Aliás, se a Rússia usasse a lógica, deveria aceitar a independência de Kosovo, pelo mesmo motivo que incentiva a independência da Ossétia do Sul.
Quando a lógica contradiz os jogos de influência e de poder, perde a lógica.
Mas os jogos de poder já não são como eram. A Rússia engoliu a independência kosovar, o que não ocorreria nos tempos da União Soviética, em sua área de influência.
Agora, o presidente George W. Bush e seu vice, Dick Cheney, podem ranger os dentes, ameaçar e gritar, sem que a Rússia ficasse minimamente comovida. Ao contrário, esmagou rapidamente um movimento, provavelmente mal calculado, do governo da Geórgia, o mais recente aliado do Ocidente nas vizinhanças da Rússia.
Uma coisa é aceitar "revoluções coloridas", primeiro na Ucrânia e depois na própria Geórgia, que trocaram governos pró-Rússia por governos pró-Ocidente. Outra seria aceitar a humilhação de não defender a própria tribo (os russos da Ossétia do Sul). Há quem ache que a ofensiva na região é uma volta às políticas da velha URSS. Pode ser, mas é mais provável que se trate da última fronteira traçada pela nova Rússia, claramente tribal.
Aliás, se a Rússia usasse a lógica, deveria aceitar a independência de Kosovo, pelo mesmo motivo que incentiva a independência da Ossétia do Sul.
Quando a lógica contradiz os jogos de influência e de poder, perde a lógica.
Mas os jogos de poder já não são como eram. A Rússia engoliu a independência kosovar, o que não ocorreria nos tempos da União Soviética, em sua área de influência.
Agora, o presidente George W. Bush e seu vice, Dick Cheney, podem ranger os dentes, ameaçar e gritar, sem que a Rússia ficasse minimamente comovida. Ao contrário, esmagou rapidamente um movimento, provavelmente mal calculado, do governo da Geórgia, o mais recente aliado do Ocidente nas vizinhanças da Rússia.
Uma coisa é aceitar "revoluções coloridas", primeiro na Ucrânia e depois na própria Geórgia, que trocaram governos pró-Rússia por governos pró-Ocidente. Outra seria aceitar a humilhação de não defender a própria tribo (os russos da Ossétia do Sul). Há quem ache que a ofensiva na região é uma volta às políticas da velha URSS. Pode ser, mas é mais provável que se trate da última fronteira traçada pela nova Rússia, claramente tribal.
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