sábado, 8 de novembro de 2008

A CRISE CHEGA "ÀS GIGANTES" DO SETOR AUTOMOTIVO !

Ford, GM e Chrysler têm mais prejuízo e pedem socorro. Concordatas à vista?
A General Motors e a Ford anunciaram ontem prejuízos trimestrais muito superiores às previsões que vinham sendo feitas, e informaram que sua taxa de gastos estava se acelerando. Combinadas com o declínio considerável das vendas de automóveis das duas empresas, essas informações levantaram ainda mais dúvidas quanto ao futuro da indústria automobilística americana.
A reportagem é do jornal O Estado de S. Paulo, 08-11-2008.
A GM teve perdas de US$ 2,5 bilhões no trimestre (número que chega a US$ 4,8 bilhões, se forem excluídos da conta ganhos extraordinários, como vendas de ativos), com a receita caindo 13% - de US$ 43,7 bilhões para US$ 37,9 bilhões um ano antes. A Ford teve um prejuízo líquido até pequeno, de US$ 129 milhões. Mas, da mesma forma, excetuando-se ganhos extraordinários, as perdas chegam a US$ 2,7 bilhões.
Ainda mais preocupante que o resultado é a informação de que as empresas estão esvaziando de forma acelerada o seu caixa para fazer frente às despesas. A GM teve de tirar do caixa US$ 6,9 bilhões no terceiro trimestre, e está agora com uma reserva de US$ 16,2 bilhões. Já a Ford teve gastos de US$ 7,7 bilhões, o que a deixou com reservas de US$ 18,9 bilhões.
Apesar do caixa aparentemente significativo, está no limite das obrigações que as empresas têm de enfrentar. Por isso mesmo, a GM já advertiu que corre o risco de ficar sem dinheiro em caixa no primeiro semestre de 2009, se não receber ajuda do governo dos EUA ou se não houver uma melhora nas condições do mercado.
O presidente e executivo-chefe da montadora, Rick Wagoner, disse que a empresa está tomando todas as medidas para evitar um pedido de concordata. "A empresa usará todas as fontes de financiamento possíveis para evitar a concordata", disse em uma conferência por telefone . Wagoner advertiu sobre as "graves conseqüências" para a economia americana se a GM tiver de se proteger dos credores.
Os resultados ruins foram divulgados apenas um dia depois que os diretores da Ford, Chrysler e GM - outrora chamadas as Três Grandes, porque dominavam o setor - foram ao Congresso americano para pedir uma ajuda federal de US$ 50 bilhões, que poderá ajudá-las a sair da crise. "As ações do governo dos EUA para ajudar a estabilizar os mercado de crédito e reduzir o aperto do crédito são um primeiro passo essencial à recuperação da economia e do setor automotivo, mas serão necessárias outras medidas enérgicas", disse Wagoner.
Para tentar ganhar fôlego, as montadoras recorrem mais uma vez ao corte de custos. A GM anunciou que vai acelerar ainda mais seu processo de reestruturação já em curso, e declarou também que desistiu da fusão com a Chrysler. Já a Ford anunciou a suspensão da produção de veículos em três fábricas nos Estados Unidos durante todo o mês de dezembro, como parte do plano de reduzir a oferta para acompanhar a queda nas vendas de seus produtos. "Continuaremos reduzindo agressivamente os custos e administraremos nossos recursos com absoluta disciplina", disse Lewis Booth, diretor-financeiro da Ford.

DEMANDA
A demanda de automóveis está caindo aceleradamente no mundo inteiro, porque os temores de recessões possivelmente graves nos Estados Unidos e na Europa fazem com que os consumidores adiem compras maiores, enquanto um aperto do crédito em todo o mundo torna ainda mais difícil para os que estão interessados na compra de veículos levantar empréstimos.
As vendas, na verdade, estão paradas em quase todo o mundo. Na Alemanha, tanto a BMW, a maior fabricante de carros de luxo do mundo, quanto sua concorrente, a Mercedes, registraram quedas consideráveis das vendas em outubro, e deram como motivo a constante debilidade dos mercados nos EUA e na Europa Oriental.
A BMW sofreu um declínio comparativamente pequeno de 8,3% nas vendas do grupo, para 113.005 veículos em outubro, enquanto a Mercedes-Benz Cars viu os volumes das vendas baixarem 18,1% para 82.500 unidades. Tanto a BMW quanto a Mercedes reduziram as perspectivas de lucro para as suas operações de automóveis.
Na quinta-feira, a japonesa Toyota, maior fabricante de automóveis do mundo, anunciou que havia baixado drasticamente sua previsão de lucros para o ano. A empresa também registrou, no terceiro trimestre, seu menor lucro desde 2002, quando começou a publicar seus balanços.


Quatro rodas e cinco crises: qual o futuro do automóvel?

“Nós estamos efetivamente num momento em que transformamos o carro de objeto patrimonial e social em outra coisa. As montadoras ainda pensam que a resposta está forçosamente no objeto. Elas querem propor toda a gama: do grande veículo de luxo ao pequeno passando pelos veículos de baixo custo. Elas não pensam suficientemente nas preocupações dos motoristas.

A maioria das pessoas não é mais atraída pelo carro”, diz Bruno Marzloff.
Autor de Mobilités, trajectoires fluides [Mobilidade, trajetórias fluidas] (éd. de l'Aube, 2005), Bruno Marzloff é sociólogo e consultor especialista em desafios da mobilidade. Segundo ele, nós não poderemos mais, no futuro, usar o nosso carro como o fazemos hoje, ao menos na cidade, e as montadoras também deverão mudar de lógica.
Segue a entrevista que Bruno Marzloff concedeu a Nathalie Brafman e que está publicada no Le Monde, 26-10-2008.

A tradução é do Cepat.
Uma crise maior parece se perfilar para os fabricantes de automóveis. Como você a explica?
A indústria automobilística enfrenta cinco crises. A faísca foi a crise do aumento do preço do petróleo nos seis primeiros meses do ano. Por outro lado, a crise do poder de compra afeta diretamente o uso do carro aumentando a fatia do orçamento doméstico destinada ao transporte. Quanto à crise financeira, mesmo que ainda não conheçamos a sua amplitude, vemos que há uma crise de crédito que atinge tanto as montadoras como os consumidores. Há também a crise ambiental.
Ao ver no jornal televisivo da noite que a calota polar está diminuindo, todo o mundo acaba por se dar conta de conta de que há um problema. Enfim, não podemos ocultar o impacto da crise dos subprimes (dos créditos imobiliários) sobre o setor automobilístico.


Que relação existe entre a crise imobiliária e a automobilística?
Historicamente, o carro se impôs como um elemento de apropriação do território. Jean-Pierre Sueur, prefeito de Orléans de 1989 a 2001 e secretário de Estado encarregado das coletividades locais entre 1991 e 1993, dizia que sua cidade ficou maior desde a massificação do automóvel do que todos os séculos anteriores. O que permitiu isso? O automóvel. A crise dos subprimes revelou aos Estados Unidos e em menor medida à Europa que a queda dos valores imobiliários era diretamente proporcional à distância que separa essas casas do centro da cidade. Em Paris, os valores imobiliários continuam a crescer, mas eles diminuem na periferia. De agora em diante, não podemos mais calcular o valor de um bem imobiliário sem relacioná-lo com o custo do transporte.


O Salão Mundial do Automóvel [Paris, 4 a 19 de outubro] atraiu mais a atenção do mundo do que em 2006 e, portanto, a imagem do carro parece em plena transformação. O que aconteceu?
Nós estamos efetivamente num momento em que transformamos o carro de objeto patrimonial e social em outra coisa. As montadoras ainda pensam que a resposta está forçosamente no objeto. Elas querem propor toda a gama: do grande veículo de luxo ao pequeno passando pelos veículos de baixo custo. Elas não pensam suficientemente nas preocupações dos motoristas. A maioria das pessoas não é mais atraída pelo carro. Basta ler o estudo encomendado pelo Crédit Agricole ao Instituto CSA: 42% das pessoas pesquisadas estariam prestes a deixar seu carro próprio para utilizar o livre serviço.
A liberdade ainda é o carro próprio. Eu pego o meu carro e vou ao meu trabalho. Hoje, o carro próprio está sendo cada vez mais contestado, principalmente nos territórios urbanos. E quanto mais densos eles são, maior é a contestação. Ir a Paris de carro é complicado. É preciso pagar para entrar no centro de Londres. Em Amsterdã, é proibido. Em Tóquio é impossível estacionar nas calçadas e, para ter um veículo, é preciso alegar um estacionamento. Em todas as partes do mundo existe um contingenciamento do espaço do carro. O carro próprio está, pois, em vias de implodir.


Começam a aparecer iniciativas para soluções de auto-partage [auto-partilha]. O grupo resultante da parceria entre SNCV [Société Nationale des Chemins de fer Français], Avis, RATP [Regie Autonome des Transports Parisiens] e Vinci Park anunciou a sua intenção de participar da licitação do Autolib’ da Cidade de Paris. O que você pensa disso?
Vejam o erro em todas essas iniciativas! Onde está o construtor? O próprio Guillaume Pepy, presidente da SNCF, disse que perdeu o Vélib’, mas que não quer perder o Autolib’. Sua preocupação é fazer vir os passageiros nos trens até a estação. Esta é também a razão pela qual ele acaba de cadastrar 200 táxis. As estações tornam-se os lugares de articulação entre todos os transportes.
Há outras iniciativas. Todos os atores compreenderam que era preciso incentivar o transporte coletivo para continuar a produzir carros. E se hoje o Autolib’ é possível é porque o Vélib’ deu certo. Seu processo não é nem ecológico nem econômico; é porque andar de bicicleta é mais prático. Em Paris é um transporte para trajetos entre as 250 estações de metrô e as 2.500 estações de ônibus. Encontramo-nos, portanto, num sistema redundante: eu posso escolher entre o metrô, o ônibus e a bicicleta.
Parece que as montadoras não estão conscientes desses desafios...
Elas podem se permitir isso pois elas tem um monopólio de fato sobre a resposta de mobilidade oferecida às pessoas. Mais de dois terços dos deslocamentos são feitos de carro. Mais de 80% dos domicílios possuem um carro.
Atualmente, ainda estamos num sistema de dependência do carro. Nosso sistema residencial reforça esta dependência. À medida que o panorama territorial se organizou ele se dividiu em relação aos recursos. Não se passa de um dia para o outro de um sistema de dependência a outra coisa. Contudo, não existe em Paris. Menos da metade dos domicílios possui um carro.


Mas extrapolando, podemos vislumbrar o fim do carro?
Não! O carro não vai desaparecer. Isso não é possível. Ele está aí, continuará a ser usado massivamente e não se passará sem ele. Mas ele deverá entrar no sistema, ter fluidez e flexibilidade suficientes para responder às restrições econômicas e às novas normas societais.
Torna-se, portanto, indispensável pensar no carro de outro modo. E o verdadeiro desafio ao qual é preciso responder é o da mobilidade sustentável. A atual mobilidade é insustentável no longo prazo. Em primeiro lugar, porque o fim das reservas fósseis utilizadas já está programado, depois porque poluímos demais e, enfim, porque o problema do automóvel é também o cofre dos domicílios. Há pessoas que não podem mais abastecer seu veículo. Se os fabricantes de automóveis não tomarem consciência, eles se tornarão simples fornecedores de objetos às pessoas para as quais pensarão serviços e comodidades.
Doravante, o contexto tecnológico nos permite soluções impossíveis ontem. Podemos projetar, por exemplo, plataformas de troca para a condução compartilhada. Hoje, essa se limita ao transporte de seu colega de trabalho. Amanhã, poderemos fazê-lo pelo telefone celular. No momento, ainda estamos aos balbucios, mas com a Web 2.0 (a Internet participativa) e a explosão das wiki (sistemas de gestão de dados livremente modificáveis pelos internautas), podemos perfeitamente imaginar um rápido desenvolvimento.


Tudo isso não vai esbarrar no fato de que as pessoas gostam de ter seu carro?
Isto é um problema. Mas, se houver soluções alternativas, será possível se libertar desta dependência. Para sair dessa dependência, será preciso fazer como os fumantes que querem deixar de fumar. Muitas vezes, eles deixam de comprar cigarros, mas “filam” dos outros antes de parar totalmente. Pois bem, a mesma coisa vale para o carro. Pega-se carona. Até o momento em que os atores do mercado oferecerem soluções que façam sentido.
Como nos deslocaremos dentro de dez anos?
A primeira etapa vai consistir em interromper a lógica centrífuga em que as cidades se meteram. É preciso acabar com a “rururbanização”. No espaço de quarenta anos, multiplicou-se por dez a distância casa-trabalho, passando de 3-4 quilômetros para 30-40 quilômetros. Mas, como não vamos transferir o campo para a cidade, nem a cidade para o campo, o desafio será fazer com que as pessoas não tenham mais necessariamente que fazer esses deslocamentos diariamente. Será preciso recriar novas centralidades, uma espécie de hubs como nos aeroportos, onde as pessoas se encontrarão. Quem são, por exemplo, as pessoas que vão aos cafés Starbucks? Muitas são pessoas que vêm trabalhar. Estão entre dois compromissos e não querem passar no escritório ou querem fazer a conversa num desses cafés. Cada um faz uma parte do trajeto e todos ganham.
Em tudo o que você descreve, os grandes ausentes são as montadoras...
No momento. Mas mesmo se isso não se traduz ainda em discurso, sentimos que elas refletem sobre isso. Até o presente, elas não tiveram necessidade de pensar o cliente de outra maneira. O cliente só existe quando abrir a porta. Quando ele a fechar, não será mais seu cliente. Quando as montadoras se derem conta de que os seus clientes têm uma vida antes e depois do carro e que elas podem ser servidas por outras modalidades de deslocamentos, então elas desenvolverão uma política de serviços. Da mesma maneira que a Renault assinou uma parceria com o Projeto Better Place – que se encarregará da rede de troca das baterias – para lançar seu carro elétrico em Israel e na Dinamarca, ela poderia assinar uma, por exemplo, com a Autolib’.

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