Segundo José Luis Oreiro, podemos esperar um 2009 crítico em relação à economia mundial, em especial à brasileira. Ele analisa, nesta entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, as conseqüências da crise financeira mundial para o Brasil e indica soluções para que o país possa superar os problemas em decorrência desse problema econômico de forma mais amena.
José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Economia pela PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia da UFRJ. Atualmente, é professor da Universidade de Brasília. Organizou Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços (São Paulo: Monole, 2003) e Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro (Rio de Janeiro: Campus, 2007).
José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Economia pela PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia da UFRJ. Atualmente, é professor da Universidade de Brasília. Organizou Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços (São Paulo: Monole, 2003) e Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro (Rio de Janeiro: Campus, 2007).
O senhor fala, no artigo “Não é o momento para pseudo-ortodoxias”, que o problema não é de liquidez, mas sim de receio de conceder crédito e não obter retorno. Nesse momento de crise financeira, o que a sociedade deve fazer?
José Luis Oreiro – Na verdade, não há muito o que a sociedade possa fazer. O fundamental a ser feito é por parte do governo. Nesse momento em que há uma crise de confiança, em que os bancos não estão concedendo empréstimos, cabe ao governo utilizar os instrumentos de direcionamento de crédito para, de maneira compulsória, obrigar os bancos a voltar a ofertar crédito. Ele pode fazer isso de diversas maneiras, como, por exemplo, atrelando a liberação de depósitos compulsórios, que estão no Banco Central, à concessão de crédito para capital de giro, para financiamento de exportações etc.
Que tipo de instrumentos de direcionamento de crédito o governo pode utilizar?
José Luis Oreiro – Na verdade, quem tem os instrumentos é o Conselho Monetário Nacional, que também tem a prerrogativa legal de direcionar uma parte do crédito dos bancos para setores específicos de atividade produtiva. Então, por exemplo, uma parte dos depósitos de poupança, por lei, isso estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, precisa ser direcionada para o financiamento da construção habitacional. Então, por exemplo, no caso dos compulsórios, nada impede que o Banco Central atrele a liberação do compulsório à realização de empréstimos para certos setores da economia brasileira. Temos observado que os bancos comerciais pegaram os depósitos que foram liberados pelo Banco Central e voltaram a emprestar esse mesmo dinheiro para o Banco Central. Aplicaram o dinheiro liberado dos depósitos compulsórios no próprio Banco Central só que ganhando com isso a taxa de juros Selic . Houve claramente um erro na condução da política. O Conselho Monetário poderia, então, ter liberado os depósitos compulsórios, mas com uma condicionalidade: o dinheiro liberado deveria ser obrigatoriamente utilizado para o crédito. O Banco Central deu muita liberdade para os bancos comerciais fazerem o que bem entendessem com o depósito compulsório liberado. Ele também poderia ter exigido contrapartidas em termos aplicação desses recursos, mas não fez.
Em sua opinião, os bancos e os governos estão agindo da maneira certa?
José Luis Oreiro – Os bancos estão agindo com a lógica microeconômica. Num momento de crise de confiança, o que a racionalidade econômica indica é que os agentes fiquem com ativos líquidos . Então, os bancos estão cortando créditos simplesmente porque eles querem ficar com liquidez e porque não têm confiança no futuro da economia e na capacidade dos tomadores de empréstimos de devolver o dinheiro com o respectivo pagamento de juros. Então, do ponto de vista da lógica microeconômica, eles estão corretos. Só que essa lógica gera um problema macroeconômico, ou seja, na medida em que todo mundo quer ficar líquido, ninguém empresta, as empresas ficam sem capital de giro, o nível de produção reduz, aumentam as demissões. Isso tudo acaba gerando uma nova queda no nível de atividade econômica e faz com que mais agentes fiquem inadimplentes com o setor bancário, que reforça ainda mais a queda de crédito, numa espécie de espiral depressiva. O problema é que vivemos numa situação em que os agentes econômicos estão buscando aquilo que é melhor para eles do ponto de vista microeconômico, e isso gera um resultado macroeconômico, o que é ruim para todo mundo. Cabe ao governo resolver a falha de coordenação e ele tem instrumentos para fazer isso, sendo que um deles é a política de direcionamento de crédito.
O que é a política de direcionamento de crédito?
José Luis Oreiro – É uma política pela qual o Banco Central ou autoridade monetária competente estabelece diretrizes para os bancos comerciais emprestarem seus recursos. .
O Banco Central está liberando dinheiro para que o crédito não seja restringido nessa fase. Que garantias o governo deveria exigir com essa atuação para conter a crise?
José Luis Oreiro – O que o governo deve exigir é o condicionamento da liberação dos compulsórios à concessão de créditos por parte dos bancos. As medidas, nesse sentido, ainda vêm sendo muito tênues por parte do governo. O Banco Central, então, tem muito espaço para fazer uma política de direcionamento de crédito por intermédio de redução do compulsório. Agora, lógico que a redução do compulsório implicaria obrigatoriamente, também, numa redução da taxa de juros. Então, para que de fato você possa destravar o crédito usando o compulsório como instrumento, o Conselho de Política Monetária deveria reduzir significativamente a taxa de juros.
Que conseqüências a liberação dos 15 bilhões de reais trará para o país a curto e longo prazo?
José Luis Oreiro – É muito pouco dinheiro. Isso é insuficiente para resolver o problema do destravamento de crédito. Nós estamos falando de cifras de centenas de bilhões de reais; 15 bilhões não resolve nem 10%. É muito pouco dinheiro mesmo. O governo precisa agir de uma maneira muito mais enérgica para realmente destravar o crédito.
Com a oscilação do dólar, que outras conseqüências podemos prever para a economia brasileira?
José Luis Oreiro – A meu ver, existem tem dois tipos de problemas que iremos enfrentar em função dessa crise: um de curto prazo e outro de médio prazo. O de curto prazo é o seguinte: se o problema do crédito não for resolvido, haverá, ainda este ano, uma forte desaceleração do nível de atividade, ou seja, a produção industrial irá despencar. Há alguns setores em que aparentemente isso já está acontecendo. A situação do travamento de crédito é grave e precisa ser enfrentada com agilidade por parte do governo. Supondo que o governo consiga resolver esse problema de tal maneira que em janeiro de 2009 os financiamentos voltem às condições normais, teremos um segundo problema a médio prazo, o qual está relacionado ao déficit em conta corrente
Em 2009, haverá uma redução bastante significativa do comércio mundial em função da recessão nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Em função disso, o preço das commodities no mercado irá despencar, e o Brasil sofrerá com a queda das exportações tanto em valor quanto em quantidade. Se formos bem-sucedidos e mantivermos a economia crescendo entre 3,5% e 4%, espera-se que seja possível manter esse panorama; as importações continuarão crescendo a uma baixa razoável. Então, haverá um cenário em 2009 de exportações despencando e importações aumentando. Como conseqüência, teremos uma situação do agravamento do déficit em conta corrente, o que pode chegar, no fim de 2009, a algo como 4% do PIB. Este é um valor muito perigoso, ainda mais quando o cenário internacional no ano que vem será de aversão global ao risco, e será muito difícil para países emergentes como o Brasil conseguir financiamento externo. Então, o cenário possível para 2009 é um agravamento do déficit em conta corrente, que será financiado obrigatoriamente com perda de reservas internacionais. Ora, se começarmos a perder reservas, estaremos numa situação como a de 1998, com a crise na Rússia . A saída em massa de capitais é ainda mais perigosa, porque aí o dólar passa a valer cerca de três reais. Esse cenário que estou colocando é um cenário da provável crise cambial de 2009, que produziria uma desvalorização muito forte na taxa de câmbio com efeitos devastadores sobre investimento, sobre inflação, sobre taxa de juros etc. Ao contrário do que disse o ministro Guido Mantega ontem (referindo-se ao dia 06-11), na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, eu acredito que o pior ainda está por vir. Nós podemos ter uma crise cambial muito séria em 2009 e eu acredito que o governo deveria ter um plano B para enfrentar essa crise.
Como deveria ser esse plano B?
José Luis Oreiro – Esse plano B é ter já na gaveta um plano de proibição de saídas de capitais do Brasil. Ou seja, ter especificado o que será feito no caso de uma crise cambial, e ter planejado uma situação de proibição temporária de saída de capitais.
Que medidas precisam ser tomadas de imediato para conter o risco de recessão, o qual o senhor prevê com a “evaporização do crédito”?
José Luis Oreiro – Precisamos, na próxima reunião do Copom, fazer uma redução significativa da taxa de juros, de pelo menos1%, e a redução dos compulsórios em mais cem bilhões de reais, condicionando a concessão de crédito por parte dos bancos. Ou seja, os bancos só poderiam resgatar o compulsório no Banco Central caso concedam crédito para financiamento de exportação e para o financiamento de capital de giro. Porque o que aconteceu até agora é que o Banco Central liberou o compulsório, mas não o condicionou a operações de direcionamento de crédito. Então, os grandes bancos utilizaram esse compulsório e reimprestaram o dinheiro que antes estava no compulsório rendendo juro zero para o próprio Banco Central no overnight , rendendo a taxa de 13,75%, ou seja, um excelente negócio para os bancos grandes.
E como o senhor vê, nesse momento, a fusão do Itaú e Unibanco?
José Luis Oreiro – A fusão do Itaú e do Unibanco, na verdade, vem de uma concepção que existe há muito tempo no Banco Central: a de que em momentos de risco sistêmico se precisa lidar com esse risco, aumentando o grau de concentração do setor bancário. Então, certamente essa foi uma fusão que foi de certa forma induzida pelo Banco Central e pelo Ministério da Fazenda. Então, o objetivo é criar um mega banco para usá-lo para comprar bancos pequenos e médios. O índice de Basiléia [12] do Itaú Unibanco está em torno de 15,6%, sendo que o mínimo é de 11%. Significa que o potencial de alavancagem da holding Itaú Unibanco é muito grande, assim como o potencial para comprar bancos pequenos.
Em sua opinião, quem deve ser o ator da regulação dos mercados?
José Luis Oreiro – O governo, com certeza. O Banco Central do Brasil precisa se entender com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, no sentido de estabelecer um forte sistema financeiro, inclusive no sentido de estabelecer limites para tarifas. Isso porque o setor bancário que vai emergir dessa crise financeira aqui no Brasil será muito mais concentrado. E a concentração, via de regra, acaba se traduzindo em termos de aumento de tarifas, ou seja, aumento do custo do capital para economia brasileira nesse contexto. Cabe ao governo fazer a regulação dos bancos no sentido de impedir que eles exerçam o seu poder de mercado.
Há alguma instituição ou país que sai ganhando com essa crise?
José Luis Oreiro – É muito difícil, porque você terá uma desaceleração global do nível de atividade econômica. Com isso, todos os países serão afetados.
Reportagem elaborada pelo IHU ON LINE
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