Os mercados financeiros seguem ladeira abaixo enquanto o pacote de resgate do Departamento do Tesouro é objeto de intensa disputa. A rebatinha não é apenas entre os gigantes financeiros. Um novo pretendente apareceu em cena: é o lobby automotivo. General Motors, Ford e Chrysler, os três grandes (3G) em Detroit, querem um pedaço do bolo.
Henry Paulson, secretário do Tesouro, manifestou nesta terça-feira a sua oposição ao uso de parte dos 700 bilhões de dólares do resgate financeiro já aprovado para tirar do buraco os três gigantes da indústria automobilística norte-americana. Paulson quer guardar todo o pacote para os seus colegas em Wall Street, argumentando que isso permitirá restaurar a liquidez nos mercados e permitir às corporações não financeiras superar a crise.
Os democratas (incluindo Obama) pressionam para que Washington comprometa pelo menos 25 bilhões de dólares para resgatar Detroit. Argumentam que a precária situação dos 3G ameaça qualquer tentativa de recuperação. Os três gigantes tiveram fortes perdas devido aos altos preços dos combustíveis. Agora que os combustíveis baixaram de preço, caiu a demanda de automóveis devido à crise.
Mais de 1,6 milhão de empregos dependem do complexo industrial automobilístico. Centenas de indústrias fornecedoras estariam em dificuldades se algum dos 3G solicitar abrigo ao amparo da lei de falências. Muito grandes para deixá-los cair, mas Paulson responde que qualquer ajuda deve provir do pacote aprovado pelo Departamento de Energia destinado à reconversão para produzir veículos mais eficientes em consumo energético.
Outras vozes se levantam contra o resgate, com o argumento de que Detroit é o único responsável por sua difícil situação. Há mais de 40 anos está dormindo no ponto e deixou de ser líder em inovações (a última inovação significativa introduzida por Detroit foi a transmissão automática em 1952). Além disso, como quase toda a produção norte-americana é para consumo doméstico, os 3G sempre deram as costas à produção de veículos mais eficientes em termos de consumo energético. Ou seja, Detroit o procurou e agora deve ajustar-se à disciplina do mercado. Esse raciocínio soa lógico, só que também se aplica ao resgate de Wall Street.
O vínculo entre o lobby automotivo e a crise financeira é anterior à disputa pelo pacote de resgate. O complexo industrial automotivo introduziu inovações básicas no sentido de Schumpeter: como uma força capaz de organizar o sistema manufatureiro em torno de suas necessidades. Além disso, a tecnologia de produção em massa permitiu aceder a economias de escala inéditas e a uma espetacular redução de custos unitários. Isso possibilitou a introdução de uma norma salarial e níveis de consumo em massa naquilo que Gramsci chamou de fordismo. O autor de Cadernos do Cárcere admirava a capacidade produtiva da indústria automotiva norte-americana e se perguntava se não seria precursora de uma nova época histórica. O certo é que a produção em massa do fordismo implica uma forte rigidez devido aos altos níveis de integração vertical. E os concorrentes japoneses buscaram uma trajetória alternativa.
Desde os anos 1970, a Toyota e a Nissan introduziram novas máquinas-ferramenta para trabalhar uma maior gama de linhas de produção, em lotes menores e com custos unitários inferiores aos do fordismo. Havia nascido a manufatura flexível: enquanto os 3G demoravam quatro dias para trocar os troquéis e uma matriz para imprimir os componentes de um novo modelo, Tóquio fazia a mesma coisa em seis horas.
Detroit não pôde acompanhar a concorrência. A perda de terreno no mercado foi inexorável e buscaram todo o tipo de artimanhas para sobreviver. A Chrysler quase entrou em bancarrota sob Reagan e só o sacrifício dos trabalhadores sindicalizados lhe permitiu continuar viva. E quando a manufatura flexível foi descoberta em Detroit, veio acompanhada de um selvagem processo de subcontratação (outsourcing) que serviu para “disciplinar” o poderoso Sindicato de Trabalhadores da Indústria Automotiva (UAW).
Detroit não tinha outras armas para competir com os tenazes fabricantes estrangeiros e teve que recorrer ao achatamento do salário real. As implicações macroeconômicas são evidentes: desde os anos 1970, o endividamento das famílias nos Estados Unidos foi o mecanismo utilizado para manter um nível de vida que de outro modo teria declinado de maneira notável. Esse endividamento é precisamente um dos componentes centrais do desequilíbrio macroeconômico estrutural da economia norte-americana e da crise financeira.
Os Estados Unidos parecem ter abandonado as manufaturas a favor das finanças. Agora que os 3G gritam, é preciso lembrar o ditado de Marx: para o capital, a produção é um mal necessário. O que o capitalista quer são lucros. Gostaria de evitar os riscos da produção (operários, etc.). Na especulação, pode encontrar a galinha dos ovos de ouro. Detroit descobriu isto e agora reclama seu pedaço do resgate. Obama o dará, mas com condições.
A reportagem é de Alejandro Nadal e publicada no jornal mexicano La Jornada, 19-11-2008. A tradução é do Cepat.
Henry Paulson, secretário do Tesouro, manifestou nesta terça-feira a sua oposição ao uso de parte dos 700 bilhões de dólares do resgate financeiro já aprovado para tirar do buraco os três gigantes da indústria automobilística norte-americana. Paulson quer guardar todo o pacote para os seus colegas em Wall Street, argumentando que isso permitirá restaurar a liquidez nos mercados e permitir às corporações não financeiras superar a crise.
Os democratas (incluindo Obama) pressionam para que Washington comprometa pelo menos 25 bilhões de dólares para resgatar Detroit. Argumentam que a precária situação dos 3G ameaça qualquer tentativa de recuperação. Os três gigantes tiveram fortes perdas devido aos altos preços dos combustíveis. Agora que os combustíveis baixaram de preço, caiu a demanda de automóveis devido à crise.
Mais de 1,6 milhão de empregos dependem do complexo industrial automobilístico. Centenas de indústrias fornecedoras estariam em dificuldades se algum dos 3G solicitar abrigo ao amparo da lei de falências. Muito grandes para deixá-los cair, mas Paulson responde que qualquer ajuda deve provir do pacote aprovado pelo Departamento de Energia destinado à reconversão para produzir veículos mais eficientes em consumo energético.
Outras vozes se levantam contra o resgate, com o argumento de que Detroit é o único responsável por sua difícil situação. Há mais de 40 anos está dormindo no ponto e deixou de ser líder em inovações (a última inovação significativa introduzida por Detroit foi a transmissão automática em 1952). Além disso, como quase toda a produção norte-americana é para consumo doméstico, os 3G sempre deram as costas à produção de veículos mais eficientes em termos de consumo energético. Ou seja, Detroit o procurou e agora deve ajustar-se à disciplina do mercado. Esse raciocínio soa lógico, só que também se aplica ao resgate de Wall Street.
O vínculo entre o lobby automotivo e a crise financeira é anterior à disputa pelo pacote de resgate. O complexo industrial automotivo introduziu inovações básicas no sentido de Schumpeter: como uma força capaz de organizar o sistema manufatureiro em torno de suas necessidades. Além disso, a tecnologia de produção em massa permitiu aceder a economias de escala inéditas e a uma espetacular redução de custos unitários. Isso possibilitou a introdução de uma norma salarial e níveis de consumo em massa naquilo que Gramsci chamou de fordismo. O autor de Cadernos do Cárcere admirava a capacidade produtiva da indústria automotiva norte-americana e se perguntava se não seria precursora de uma nova época histórica. O certo é que a produção em massa do fordismo implica uma forte rigidez devido aos altos níveis de integração vertical. E os concorrentes japoneses buscaram uma trajetória alternativa.
Desde os anos 1970, a Toyota e a Nissan introduziram novas máquinas-ferramenta para trabalhar uma maior gama de linhas de produção, em lotes menores e com custos unitários inferiores aos do fordismo. Havia nascido a manufatura flexível: enquanto os 3G demoravam quatro dias para trocar os troquéis e uma matriz para imprimir os componentes de um novo modelo, Tóquio fazia a mesma coisa em seis horas.
Detroit não pôde acompanhar a concorrência. A perda de terreno no mercado foi inexorável e buscaram todo o tipo de artimanhas para sobreviver. A Chrysler quase entrou em bancarrota sob Reagan e só o sacrifício dos trabalhadores sindicalizados lhe permitiu continuar viva. E quando a manufatura flexível foi descoberta em Detroit, veio acompanhada de um selvagem processo de subcontratação (outsourcing) que serviu para “disciplinar” o poderoso Sindicato de Trabalhadores da Indústria Automotiva (UAW).
Detroit não tinha outras armas para competir com os tenazes fabricantes estrangeiros e teve que recorrer ao achatamento do salário real. As implicações macroeconômicas são evidentes: desde os anos 1970, o endividamento das famílias nos Estados Unidos foi o mecanismo utilizado para manter um nível de vida que de outro modo teria declinado de maneira notável. Esse endividamento é precisamente um dos componentes centrais do desequilíbrio macroeconômico estrutural da economia norte-americana e da crise financeira.
Os Estados Unidos parecem ter abandonado as manufaturas a favor das finanças. Agora que os 3G gritam, é preciso lembrar o ditado de Marx: para o capital, a produção é um mal necessário. O que o capitalista quer são lucros. Gostaria de evitar os riscos da produção (operários, etc.). Na especulação, pode encontrar a galinha dos ovos de ouro. Detroit descobriu isto e agora reclama seu pedaço do resgate. Obama o dará, mas com condições.
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