Como nos velhos tempos em que os anticomunistas viscerais enxergavam comunistas até debaixo da cama, Simon Heffer, o ultraliberal colunista do jornal britânico "The Daily Telegraph", disparou ontem todos os sinais de alarme depois do pacote do primeiro-ministro Gordon Brown de socorro e semi-estatização dos bancos:
"Todos somos socialistas agora", começou, em artigo de página inteira. E fechou: "A intervenção, ou melhor, interferência, do Estado em assuntos financeiros e econômicos só pode levar à esclerose, à supressão da livre empresa, ao aumento dos impostos, à inanição em investimentos, à falta de inovação, ao atraso tecnológico e ao aumento do poder do trabalho organizado".
A reportagem é de Clóvis Rossi e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-10-2008.
Antigas paranóias à parte, Heffer tem alguma razão quando diz que "todos somos socialistas agora". Dois professores norte-americanos - Laurence Kotlikoff, da Boston University, e Perry Mehrling, da Columbia, em artigo para o "Washington Post"- até ironizam: "Tio Sam se tornou nosso novo banco. Ele também se tornou nossa nova companhia de seguros com a compra, na prática, da maior seguradora do mundo, a AIG".
Pior, pelo menos para os que, como Heffer, vêem na ação dos governos na presente crise a ante-sala do comunismo e, por extensão, do fim do mundo: há um coro de aplausos, da direita à esquerda, em especial ao pacote de Brown, que, na manchete de ontem do "Guardian", "arrisca 500 bilhões de libras [R$ 1,866 trilhão) do dinheiro público no pacote de resgate dos bancos".
Até o "The Wall Street Journal", uma das mais potentes vozes pró-livre mercado, diz, em editorial: "A mexida de Londres vai ao coração do problema, que é a falta de capital no sistema financeiro - o combustível para o pânico global".
O "Guardian", mais à esquerda, segue o mesmo caminho: chama o plano Brown de "bem desenhado" e completa: "Enfrenta os três grandes problemas dos bancos - capital, liquidez e financiamento. Sob esse aspecto, é melhor que o plano Paulson [Hank Paulson, secretário do Tesouro americano]".
Concorda a colunista Gillian Tett, no "Financial Times", outro baluarte do livre mercado: "Quando uma crise bancária é séria a esse ponto, faz mais sentido recapitalizar os bancos comprando ações preferenciais do que seus ativos sem valor".
Em tese, comprar os ativos sem valor é o eixo do plano Paulson, mas Kotlikoff e Mehrling chamam a atenção para uma distração da mídia, que não teria notado que "a seção 113 da lei [Paulson] autoriza injeção de capital do governo no sistema bancário quando necessário -algo que o governo britânico está fazendo agora e o governo sueco fez com sucesso no passado recente".
Os hiperliberais norte-americanos ficariam horrorizados como ficou o britânico Heffer, mas Kotlikoff e Mehrling festejam: "Isso significa que [o governo] não deixará falir nenhum banco que seja viável só porque ele está temporariamente subcapitalizado". Eles reduzem a intervenção ao que de fato é: "Pode parecer socialismo ou capitalismo de Estado, mas é simplesmente o rearranjo do mobiliário financeiro".
Ou é algo bem mais prosaico, segundo Felipe González, ex-presidente do governo espanhol. Na sua opinião, a economia chegou a funcionar como um "cassino global", mas com uma fundamental diferença:
"Nos cassinos, o que arrisca e perde não reclama que papai-Estado lhe devolva o dinheiro".
Só falta agora que o dinheiro de papai-Estado ponha fim ao pânico, o que ainda não estava demonstrado até o começo da noite de ontem (na Europa).
Casa Branca admite estatizar bancos nos EUA
A Casa Branca admitiu ontem que o Tesouro americano está considerando comprar fatias controladoras de bancos para restaurar a confiança no sistema financeiro.
A notícia é do jornal O Globo, 10-10-2008.
Esta possibilidade está prevista no pacote se socorro aprovado pelo Congresso semana passada, mas ainda não se sabia se ela seria posta em prática. Na quarta-feira, o “New York Times”, citando fontes, informara que a opção estava de fato em estudo.
A porta-voz da Casa Branca, Dana Perino, não deu detalhes de como a aquisição de participações seria feita. Limitou-se a dizer que seriam realizadas injeções de capital nos bancos, em troca de um percentual de ações para o governo federal.
Ressaltou, porém, que isso não significaria que o Estado assumiria o controle do banco.
— O secretário Paulson (Henry Paulson, do Tesouro) está olhando para todos os instrumentos para avaliar quais serão usados, quando e como. E quanto dinheiro será colocado em cada um desses instrumentos — disse Perino.
Fontes ligadas a Paulson disseram à agência Reuters que as injeções de capital seriam iniciadas no fim de outubro. O Tesouro compraria ações preferenciais ou ordinárias dos bancos que forem capitalizados.
Mas não haveria intenção por parte do governo de ter assentos no Conselho de Administração desses bancos ou de interferir nas decisões. Além disso, as injeções seriam voluntárias, isto é, caberia aos bancos a iniciativa de pedir o socorro.
Algo semelhante ao pacote britânico anunciado na última quarta-feira. O objetivo seria elevar a capacidade de concessão de crédito dessas instituições.
BCE abre linha de crédito ilimitado para bancos
Também ontem o Banco Central Europeu (BCE) abriu uma linha de crédito ilimitado de emergência para instituições em dificuldades dos 15 países da zona do euro. Com vencimento de seis dias, esses empréstimos poderão ser concedidos até janeiro.
A decisão é inédita. No mesmo dia, o BCE voltou a injetar capital no mercado. Desta vez, cerca de US$ 100 bilhões.
E um dia após dez BCs anunciarem cortes em suas taxas básicas de juros, os bancos centrais de Coréia, Taiwan e Hong Kong adotaram a medida. O BC da Coréia reduziu a taxa para 5%.
Taiwan baixou os juros para 3,25%, o segundo corte em menos de um mês. E o BC de Hong Kong anunciou corte de 0,5 ponto percentual, para 2%. Na véspera, havia já reduzido os juros em um ponto percentual.
"Todos somos socialistas agora", começou, em artigo de página inteira. E fechou: "A intervenção, ou melhor, interferência, do Estado em assuntos financeiros e econômicos só pode levar à esclerose, à supressão da livre empresa, ao aumento dos impostos, à inanição em investimentos, à falta de inovação, ao atraso tecnológico e ao aumento do poder do trabalho organizado".
A reportagem é de Clóvis Rossi e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-10-2008.
Antigas paranóias à parte, Heffer tem alguma razão quando diz que "todos somos socialistas agora". Dois professores norte-americanos - Laurence Kotlikoff, da Boston University, e Perry Mehrling, da Columbia, em artigo para o "Washington Post"- até ironizam: "Tio Sam se tornou nosso novo banco. Ele também se tornou nossa nova companhia de seguros com a compra, na prática, da maior seguradora do mundo, a AIG".
Pior, pelo menos para os que, como Heffer, vêem na ação dos governos na presente crise a ante-sala do comunismo e, por extensão, do fim do mundo: há um coro de aplausos, da direita à esquerda, em especial ao pacote de Brown, que, na manchete de ontem do "Guardian", "arrisca 500 bilhões de libras [R$ 1,866 trilhão) do dinheiro público no pacote de resgate dos bancos".
Até o "The Wall Street Journal", uma das mais potentes vozes pró-livre mercado, diz, em editorial: "A mexida de Londres vai ao coração do problema, que é a falta de capital no sistema financeiro - o combustível para o pânico global".
O "Guardian", mais à esquerda, segue o mesmo caminho: chama o plano Brown de "bem desenhado" e completa: "Enfrenta os três grandes problemas dos bancos - capital, liquidez e financiamento. Sob esse aspecto, é melhor que o plano Paulson [Hank Paulson, secretário do Tesouro americano]".
Concorda a colunista Gillian Tett, no "Financial Times", outro baluarte do livre mercado: "Quando uma crise bancária é séria a esse ponto, faz mais sentido recapitalizar os bancos comprando ações preferenciais do que seus ativos sem valor".
Em tese, comprar os ativos sem valor é o eixo do plano Paulson, mas Kotlikoff e Mehrling chamam a atenção para uma distração da mídia, que não teria notado que "a seção 113 da lei [Paulson] autoriza injeção de capital do governo no sistema bancário quando necessário -algo que o governo britânico está fazendo agora e o governo sueco fez com sucesso no passado recente".
Os hiperliberais norte-americanos ficariam horrorizados como ficou o britânico Heffer, mas Kotlikoff e Mehrling festejam: "Isso significa que [o governo] não deixará falir nenhum banco que seja viável só porque ele está temporariamente subcapitalizado". Eles reduzem a intervenção ao que de fato é: "Pode parecer socialismo ou capitalismo de Estado, mas é simplesmente o rearranjo do mobiliário financeiro".
Ou é algo bem mais prosaico, segundo Felipe González, ex-presidente do governo espanhol. Na sua opinião, a economia chegou a funcionar como um "cassino global", mas com uma fundamental diferença:
"Nos cassinos, o que arrisca e perde não reclama que papai-Estado lhe devolva o dinheiro".
Só falta agora que o dinheiro de papai-Estado ponha fim ao pânico, o que ainda não estava demonstrado até o começo da noite de ontem (na Europa).
Casa Branca admite estatizar bancos nos EUA
A Casa Branca admitiu ontem que o Tesouro americano está considerando comprar fatias controladoras de bancos para restaurar a confiança no sistema financeiro.
A notícia é do jornal O Globo, 10-10-2008.
Esta possibilidade está prevista no pacote se socorro aprovado pelo Congresso semana passada, mas ainda não se sabia se ela seria posta em prática. Na quarta-feira, o “New York Times”, citando fontes, informara que a opção estava de fato em estudo.
A porta-voz da Casa Branca, Dana Perino, não deu detalhes de como a aquisição de participações seria feita. Limitou-se a dizer que seriam realizadas injeções de capital nos bancos, em troca de um percentual de ações para o governo federal.
Ressaltou, porém, que isso não significaria que o Estado assumiria o controle do banco.
— O secretário Paulson (Henry Paulson, do Tesouro) está olhando para todos os instrumentos para avaliar quais serão usados, quando e como. E quanto dinheiro será colocado em cada um desses instrumentos — disse Perino.
Fontes ligadas a Paulson disseram à agência Reuters que as injeções de capital seriam iniciadas no fim de outubro. O Tesouro compraria ações preferenciais ou ordinárias dos bancos que forem capitalizados.
Mas não haveria intenção por parte do governo de ter assentos no Conselho de Administração desses bancos ou de interferir nas decisões. Além disso, as injeções seriam voluntárias, isto é, caberia aos bancos a iniciativa de pedir o socorro.
Algo semelhante ao pacote britânico anunciado na última quarta-feira. O objetivo seria elevar a capacidade de concessão de crédito dessas instituições.
BCE abre linha de crédito ilimitado para bancos
Também ontem o Banco Central Europeu (BCE) abriu uma linha de crédito ilimitado de emergência para instituições em dificuldades dos 15 países da zona do euro. Com vencimento de seis dias, esses empréstimos poderão ser concedidos até janeiro.
A decisão é inédita. No mesmo dia, o BCE voltou a injetar capital no mercado. Desta vez, cerca de US$ 100 bilhões.
E um dia após dez BCs anunciarem cortes em suas taxas básicas de juros, os bancos centrais de Coréia, Taiwan e Hong Kong adotaram a medida. O BC da Coréia reduziu a taxa para 5%.
Taiwan baixou os juros para 3,25%, o segundo corte em menos de um mês. E o BC de Hong Kong anunciou corte de 0,5 ponto percentual, para 2%. Na véspera, havia já reduzido os juros em um ponto percentual.
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