sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A DEPRESSÃO GLOBAL !

O sistema financeiro do mundo rico dirige-se rumo à implosão. Os mercados financeiros não conseguiram deter sua queda livre durante muitos dias, o mercado dos títulos de curto prazo e o do crédito encontram-se bloqueados frente a um salto do seu spread sobre a taxa de interesse, e é ainda cedo para se dizer se a canoa das medidas adotadas pelos Estados Unidos e pela Europa será capaz de remediar o vazamento para além do futuro imediato.

A análise é de Nouriel Roubini, do jornal italiano La Repubblica, 15-10-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Pela primeira vez em 70 anos, difundiu-se o temor de um efeito dominó generalizado e estendido a todo o sistema bancário, enquanto aquela “sombra” – o universo constituído pelos institutos de compra e venda, agências de transferências não bancárias, outros instrumentos estruturados de investimento como os hedge fund, os fundos de títulos a curto prazo e um certo tipo de fundos de investimento – tem diante de si o risco de um colapso, a curto prazo, a partir da sua passividade.

Quanto àquilo que se refere à economia real, todas as economias avançadas – que representam 55% do produto interno bruto mundial – já entraram em recessão antes dos devastadores choques financeiros que começaram ao redor do fim do verão [europeu]. Por isso, então, devemos acertar as contas com uma recessão, com uma grave crise financeira e com uma grave crise do sistema bancário.

Os mercados dos países emergentes começaram a sentir esse sofrimento somente quando os investidores estrangeiros começaram a retirar os próprios recursos. Naquele momento, o pânico difundiu-se aos mercados de crédito, aos mercados monetários e aos mercados de valores, evidenciando a vulnerabilidade do sistema financeiro e produtivo de muitos países em via de desenvolvimento que, em uma situação de boom do crédito, haviam obtidos empréstimos não sustentáveis pelas garantias adequadas e em moeda estrangeira. Os países com grandes déficits das saídas correntes ou grandes déficits fiscais, porém muito expostos a outras moedas a curto prazo, demonstraram ser os mais frágeis. Mas também aqueles com as melhores performances – Brasil, Rússia, Índia e China – agora correm o risco de um pouso brusco. Muitos mercados de países emergentes devem acertar as contas com o risco de uma grave crise financeira.

A crise foi provocada por um endividamento estendido a todos os sistemas e pela maior bolha de crédito da história. Essa crise não ficou confinada ao mercado imobiliário dos Estados Unidos, mas atingiu também os de outros países. Além disso, também em muitas outras economias, verificou-se um excesso de empréstimos estimulados por instituições financeiras e por alguns segmentos dos setores público e privado, que se somaram àqueles do mercado imobiliário. O resultado foi uma reação em cadeia: uma bolha do valor dos imóveis, uma bolha dos empréstimos, uma bolha dos mercados acionistas, uma bolha nos debêntures, uma bolha do crédito, uma bolha das matérias-primas, uma bolha no setor dos fundos de investimento e uma bolha dos hedge fund. Agora, todas estão estourando simultaneamente.

A ilusão de que a contradição da economia norte-americana e da economia dos outros países avançados seria breve e relativamente pouco dramática foi substituída pela certeza de que ela será uma recessão que se prolongará no tempo (ao menos durante dois anos nos Estados Unidos e um pouco menos do que isso na maior parte do resto do mundo). No entanto, frente ao crescente risco de uma queda sistemática dos mercados financeiros, a perspectiva de uma recessão que dure uma década – como aquela sofrida pelo Japão depois da crise do mercado imobiliário e acionista – não pode ser excluída.

Com efeito, a crescente discrepância entre as agressivas respostas da política e o sempre maior sofrimento dos mercados financeiros só pode despertar medo. Em março, depois do resgate dos credores da Bear Stearns, ao custo de 30 milhões de dólares, o trend crescente do mercado acionista, dos títulos de curto prazo e do crédito postergou-se por oito semanas. Em julho, o anúncio do Tesouro dos Estados Unidos de querer salvar os gigantes do empréstimo Fannie Mae e Freddie Mac permitiu que as bolsas permanecessem em território positivo só por quatro semanas. Depois da implementação do plano de resgate com um custo de 200 milhões e a assunção por parte do governo dos Estados Unidos do encargo de seis bilhões de dólares de passividade, o andamento positivo das bolsas durou somente um dia.

Depois, foi ainda pior. Antes do recente anúncio das medidas tomadas conjuntamente pelos Estados Unidos e pela Europa, os mercados permaneceram sempre em território negativo. O resgate da AIG, com um não indiferente custo de 85 milhões de dólares, traduziu-se em uma ulterior flexão do mercado em 5%. E a aprovação por parte do Congresso dos Estados Unidos do plano de resgate de 700 milhões de dólares deu início a uma queda da bolsa em 7% em apenas dois dias. E enquanto as autoridades dos Estados Unidos e dos outros países continuavam a adotar medidas políticas progressivamente mais radicais, entre o dia 06 e 09 de outubro, os mercados de ações, de crédito e monetários continuavam na sua dramática queda, dia após dia.

As recentes medidas têm um porte suficiente? Quando as ações da política não conseguem dar um alívio real aos operadores dos mercados, sabe-se que se está a um passo de um colapso sistêmico do setor financeiro e produtivo. Deu-se início a um círculo vicioso que partiu da necessidade de garantir o endividamento, que causou a queda livre dos valores que o garantiam e uma posterior demanda por garantia.

Não se pode, portanto, excluir uma retração sistêmica e uma depressão em nível global. Como vimos nos dias passados, ocorrerá uma mudança substancial da política econômica e das ações muito radicais e coordenadas entre todas as economias avançadas e dos países emergentes para evitar o desastre. Isso prevê:

um posterior e oportuno desvio de cortes das taxas de interesse de uma média global igual a pelo menos 150 pontos-base;
uma garantia estendida a todos os depósitos, que diferencie, no entanto, os institutos financeiros que não podem permanecer de pé e aqueles que arriscam falir mas são solúveis e que devem ser parcialmente nacionalizados e providos de injeções de capital público;
medidas oportunas para reduzir o peso dos débitos das famílias devedoras, precedidos por uma moratória temporária de todos os bens para o não-pagamento da dívida;
um maciço fornecimento de liquidez cuja entidade não deverá ser predeterminada pelos institutos financeiros solventes;
um fornecimento público de crédito aos setores solventes do setor produtivo para evitar que as grandes e as pequenas empresas saudáveis mas carentes de liquidez aprofundem-se em uma crise de financiamento do débito emitido a curto prazo;
maciços incentivos fiscais diretos por parte do governo, sob a forma de obras públicas, gastos com infra-estrutura, apoio ao desemprego, corte dos impostos das famílias de baixa renda e recursos ampliados aos governos locais com pouca liquidez;
um acordo entre os países credores, que atualmente contam com um superávit dos resultados correntes, e os países devedores, sobrecarregados por um déficit de resultados correntes, para que se possa elaborar um procedimento ordenado para financiar os déficits e reciclar o superávit dos credores, evitando assim um ajustamento desordenado desses desequilíbrios.
Medidas que não tenham nem um pouco desse alcance poderiam não ser capazes de evitar uma implosão, em nível mundial, dos mercados financeiros e uma depressão global. As medidas adotadas pelos Estados Unidos e pela Europa são um começo. Agora é preciso terminar o trabalho.

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