"Além das ações estatais tomadas diante da crise, é preciso uma revisão ampla e profunda do papel do Estado", propõe Marcio Pochmann, presidente do Ipea, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 23-10-2008.
Eis o artigo.
Toda cantilena neoliberal que ganhou mentes e corações nas últimas duas décadas não chegou ao fim, mas já se encontra profundamente abalada. Primeiro, por sua já comprovada desconexão das promessas enunciadas com os resultados alcançados e, segundo, por sua inconfiabilidade aos ricos justamente nas fases de baixa da economia, como observada na crise financeira atual.
Ao ser recuperado o conjunto norteador das teses neoliberais, constata-se a fé inquebrantável no caminho único da desregulamentação, no alívio tributário para os ricos e no enxugamento do papel do Estado, que foi a maior fonte da contenção do desempenho econômico e do alargamento da pobreza e da desigualdade no mundo. Essa doutrina levada às últimas conseqüências produziu um mundo com enorme desequilíbrio, marcado pelo brutal poder econômico concentrado em poucas hipercorporações transnacionais, em geral superior ao de países e de organismos multilaterais.
Associado ao decorrente enfraquecimento da governança global, assistiu-se ao avanço da crença de que os pobres e os destituídos do mundo devessem assumir a culpa por sua condição. Outrora reconhecida por vítima do sistema econômico excludente e demandante de apoio público, a parcela excluída da população viu ruir a base pela qual encontrava propulsão para sua emancipação em face da desconstrução das políticas universais e a ascensão das ações cada vez mais focalizadas aos pobres pelo raquitismo estatal.
A desregulação, a regressividade tributária e o desvirtuamento do compromisso do Estado com ações emancipatórias do conjunto da população não geraram apenas um mundo mais desigual e profundamente injusto. Houve também a desconfiança generalizada de que o homem não mais seria capaz de construir coletivamente uma trajetória superior, dada a ênfase no curto-prazismo das decisões políticas e gerenciais e do individualismo narcisista apoiado na economia do ter, inclusive com a inviabilização da sustentabilidade ambiental do planeta. Tudo isso, é claro, na fase de alta dos negócios, quando só os "neobobos" -como se convencionou à época- ousavam pensar diferente das teses neoliberais.
Quando entra em cena a fase de baixa da economia, os postulados da desregulamentação e da responsabilidade fiscal são rapidamente esquecidos. Os recursos que anteriormente faltavam para combater a pobreza e para potencializar a emancipação dos excluídos aparecem em profusão para salvar os ricos, mesmo com operações de socorro ocorrendo a descoberto. Em nome da solvência das grandes corporações econômicas, desaparece a defesa da auto-regulação das forças do mercado para dar lugar à centralidade do Estado na intervenção de quanto for preciso e onde for necessário.
Justificam-se, evidentemente, as ações estatais tomadas até o momento diante da complexidade da fase de baixa da economia desencadeada pela crise financeira. Mas isso não pode ocorrer desacompanhado da revisão ampla e profunda do papel do Estado. O retorno do Estado ao centro da coordenação econômica concede oportunidade inédita para uma nova regulação que viabilize oportunidade equivalente a todos em torno do bem-estar socioeconômico.
Eis o artigo.
Toda cantilena neoliberal que ganhou mentes e corações nas últimas duas décadas não chegou ao fim, mas já se encontra profundamente abalada. Primeiro, por sua já comprovada desconexão das promessas enunciadas com os resultados alcançados e, segundo, por sua inconfiabilidade aos ricos justamente nas fases de baixa da economia, como observada na crise financeira atual.
Ao ser recuperado o conjunto norteador das teses neoliberais, constata-se a fé inquebrantável no caminho único da desregulamentação, no alívio tributário para os ricos e no enxugamento do papel do Estado, que foi a maior fonte da contenção do desempenho econômico e do alargamento da pobreza e da desigualdade no mundo. Essa doutrina levada às últimas conseqüências produziu um mundo com enorme desequilíbrio, marcado pelo brutal poder econômico concentrado em poucas hipercorporações transnacionais, em geral superior ao de países e de organismos multilaterais.
Associado ao decorrente enfraquecimento da governança global, assistiu-se ao avanço da crença de que os pobres e os destituídos do mundo devessem assumir a culpa por sua condição. Outrora reconhecida por vítima do sistema econômico excludente e demandante de apoio público, a parcela excluída da população viu ruir a base pela qual encontrava propulsão para sua emancipação em face da desconstrução das políticas universais e a ascensão das ações cada vez mais focalizadas aos pobres pelo raquitismo estatal.
A desregulação, a regressividade tributária e o desvirtuamento do compromisso do Estado com ações emancipatórias do conjunto da população não geraram apenas um mundo mais desigual e profundamente injusto. Houve também a desconfiança generalizada de que o homem não mais seria capaz de construir coletivamente uma trajetória superior, dada a ênfase no curto-prazismo das decisões políticas e gerenciais e do individualismo narcisista apoiado na economia do ter, inclusive com a inviabilização da sustentabilidade ambiental do planeta. Tudo isso, é claro, na fase de alta dos negócios, quando só os "neobobos" -como se convencionou à época- ousavam pensar diferente das teses neoliberais.
Quando entra em cena a fase de baixa da economia, os postulados da desregulamentação e da responsabilidade fiscal são rapidamente esquecidos. Os recursos que anteriormente faltavam para combater a pobreza e para potencializar a emancipação dos excluídos aparecem em profusão para salvar os ricos, mesmo com operações de socorro ocorrendo a descoberto. Em nome da solvência das grandes corporações econômicas, desaparece a defesa da auto-regulação das forças do mercado para dar lugar à centralidade do Estado na intervenção de quanto for preciso e onde for necessário.
Justificam-se, evidentemente, as ações estatais tomadas até o momento diante da complexidade da fase de baixa da economia desencadeada pela crise financeira. Mas isso não pode ocorrer desacompanhado da revisão ampla e profunda do papel do Estado. O retorno do Estado ao centro da coordenação econômica concede oportunidade inédita para uma nova regulação que viabilize oportunidade equivalente a todos em torno do bem-estar socioeconômico.
Caixas-fortes e Marx estão em alta
Por medo de sofrer um novo “corralito” ou de perder diretamente seu capital, poupadores retiram depósitos para guardá-los em espécie ou em barras de ouro em cofres de segurança. Também aumentaram as vendas de O Capital, de Karl Marx. A reportagem é de Eduardo Febbro e publicada no jornal argentino Página/12, 21-10-2008.
Por medo de sofrer um novo “corralito” ou de perder diretamente seu capital, poupadores retiram depósitos para guardá-los em espécie ou em barras de ouro em cofres de segurança. Também aumentaram as vendas de O Capital, de Karl Marx. A reportagem é de Eduardo Febbro e publicada no jornal argentino Página/12, 21-10-2008.
A tradução é do Cepat.
Dois objetos contraditórios viram suas vendas aumentarem com a crise financeira internacional: as caixas-fortes e a obra de Karl Marx. Assustados com a ameaça de verem seus depósitos bancários serem tragados pela montanha artificial das finanças, muitos poupadores tiraram suas economias dos bancos e os depositaram em caixas-fortes pessoais, seja em forma de dinheiro ou de ouro. Os números do setor das caixas-fortes mostram um crescimento de vendas concentrado num mesmo período, setembro e outubro. Christophe Camus, gerente de um sítio de internet (infosafe.fr) especializado na venda de caixas-fortes, reconhece que “de um mês para cá, as vendas de caixas-fortes aumentaram consideravelmente. É uma loucura”.
A mesma curva ascendente aumenta as vendas e o interesse pela obra do principal teórico da crítica do capitalismo. Há mais de um ano, o pensamento de Marx vem suscitando um interesse constante. Na França, a partir de 2007, Marx foi objeto de numerosos ensaios e edições especiais de revistas de grande circulação, incluindo os semanários econômicos. Mas nos meses de setembro e outubro, Marx se consagrou duas vezes.
A mesma curva ascendente aumenta as vendas e o interesse pela obra do principal teórico da crítica do capitalismo. Há mais de um ano, o pensamento de Marx vem suscitando um interesse constante. Na França, a partir de 2007, Marx foi objeto de numerosos ensaios e edições especiais de revistas de grande circulação, incluindo os semanários econômicos. Mas nos meses de setembro e outubro, Marx se consagrou duas vezes.
A primeira, quando o ultraliberal ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrück, declarou ao semanário alemão Der Spiegel que “algumas partes da teoria de Marx não são falsas”, entre elas aquela que fala “de um capitalismo que termina por se autodestruir por força da avidez”.
A segunda, quando a Editora berlinense Karl-Dietz-Verlag revelou que as vendas da obra maior de Marx, O Capital, “aumentaram consideravelmente”.
A segunda, quando a Editora berlinense Karl-Dietz-Verlag revelou que as vendas da obra maior de Marx, O Capital, “aumentaram consideravelmente”.
Em 2008, já foram vendidos 1.500 exemplares do primeiro volume de O Capital contra 500 dos anos anteriores. Segundo o editor da Editora, os novos leitores do pensador alemão pertencem “a uma jovem geração de intelectuais que se defronta com a queda do neoliberalismo e dos pilares do sistema capitalista”.
Giro surpreendente da história: no final de 1989, os países do leste europeu pertencentes ao ex-bloco comunista derrubavam a golpes de machado as estátuas de Karl Marx. A estrepitosa queda do comunista deu lugar a uma celebração universal da economia de mercado e a um enterro não menos universal de Karl Marx. Quase 20 anos depois, os espantados pelo capitalismo voltam a colocá-lo no pedestal. Seus defensores atuais não são nostálgicos da foice e do martelo, mas formosos representantes da desordem liberal.
Em dezembro passado, o semanário econômico francês Challenges consagrou a Marx uma edição especial. Apresentada sob o título “uma análise sempre atual”, a edição incluía uma entrevista com Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em dezembro passado, o semanário econômico francês Challenges consagrou a Marx uma edição especial. Apresentada sob o título “uma análise sempre atual”, a edição incluía uma entrevista com Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Lamy dizia: “Atualmente, se se quer analisar o capitalismo de mercado mundializado o essencial da caixa de ferramentas reside no que Marx e alguns de seus inspiradores escreveram”.
Dois “objetos” do passado reapareceram assim numa mesma corrente de atualização. As caixas-fortes, esses pesados mastodontes de aço de formas repetitivas e desenhos antiqüíssimos, acompanham o autor de O Capital na aventura contemporânea. Alain Minc, um ensaísta francês de corte liberal, comenta que Marx “é o único a ter pensado ao mesmo tempo a economia e a sociedade”. Justamente, a sociedade encontrou um refúgio mais seguro que os bancos para salvar suas economias.
Um vendedor de caixas-fortes de um grande centro comercial parisiense reconhece que “nunca viu coisa igual. Como ninguém sabe o que vai acontecer, as pessoas preferem tirar o dinheiro dos bancos e protegê-lo em suas casas”. Nicolas Rebaudengo, diretor da empresa Coffers-Forts Salon, calcula em 30% o aumento das vendas. “Com meias palavras, as pessoas nos dizem que têm pouca confiança em seu banco e assim antecipam um eventual problema”. Em outro ramo de negócios, a BS Protection, as vendas subiram cerca de 20% impulsionadas pela clientela “que não pertence à cultura da caixa-forte, mas que quer saber quanto custa proteger-se”.
Dois “objetos” do passado reapareceram assim numa mesma corrente de atualização. As caixas-fortes, esses pesados mastodontes de aço de formas repetitivas e desenhos antiqüíssimos, acompanham o autor de O Capital na aventura contemporânea. Alain Minc, um ensaísta francês de corte liberal, comenta que Marx “é o único a ter pensado ao mesmo tempo a economia e a sociedade”. Justamente, a sociedade encontrou um refúgio mais seguro que os bancos para salvar suas economias.
Um vendedor de caixas-fortes de um grande centro comercial parisiense reconhece que “nunca viu coisa igual. Como ninguém sabe o que vai acontecer, as pessoas preferem tirar o dinheiro dos bancos e protegê-lo em suas casas”. Nicolas Rebaudengo, diretor da empresa Coffers-Forts Salon, calcula em 30% o aumento das vendas. “Com meias palavras, as pessoas nos dizem que têm pouca confiança em seu banco e assim antecipam um eventual problema”. Em outro ramo de negócios, a BS Protection, as vendas subiram cerca de 20% impulsionadas pela clientela “que não pertence à cultura da caixa-forte, mas que quer saber quanto custa proteger-se”.
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